sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A cerejeira da lua



A Lua fita-nos quando a fitamos? Não. Nunca. Se a chamarmos, deste canto da Terra, a Dama Toda Branca embuça-se de mistério e faz de conta que é a Bela Adormecida. Presunçosa.
Como se toda a gente não soubesse que a Lua deixou de ser inacessível. Botas memoráveis pisaram-lhe a superfície desolada. Satélites zumbem à sua volta. Telescópios potentíssimos perscrutam-lhe todos os socalcos, rugas e verrugas.
A Lua é a nossa vizinha defronte. E, ao perto, nada bonita, por sinal.
Quem se atreve a dizer-lho? Não contem comigo.
Aliás, pouco importa. Ela que nos ignore. Que dirija a atenção para a distância azul da noite. Que recorde outros tempos, antigas glórias. Que sonhe. Deixem-na sonhar.
Entre muitas evocações mimosas, a Lua sonha com o imperador Meng Uóng, que dela se enamorou. Onde isso vai.

Numa das varandas do palácio imperial, ornamentada de gaiolas de ouro, Meng Uóng, tocado pela tristeza do crepúsculo, dá de comer às cotovias.
O sábio Tien-O-Tzê segue-o em silêncio como uma sombra protectora. Foi seu aio, depois seu mestre.
Introduziu-o no segredo dos cultos, interpretou, um por um, para ilustração do jovem imperador, todos os conselhos do livro dos veneráveis e pacientemente guiou-lhe a mão inábil de menino sobre o desenho das primeiras letras gravadas em tabuinhas de sândalo.
Brilha o esmalte das colunas à luz dos archotes. Criados de sandálias sussurrantes varrem com leques de penas de pavão o fumo do ar à roda do imperador. Um perfume adocicado de ervas preciosas evola-se dos turíbulos mansamente agitados pela brisa do princípio da noite.
Uma pena cinzenta de cotovia esvoaça e como que hesita entre a varanda e o escuro do jardim. Tocada por um raio do luar parece de prata.

Isto mesmo diz o imperador, pensativo, enquanto acompanha o devanear da pena que, depois, se perde por entre a ramagem dos sicómoros.
– Tudo à nossa volta aspira à perfeição – comenta o sábio Tien-o-Tzê.
O imperador suspira:
– Até uma pena de cotovia...
– Até uma pena de cotovia – repete o sábio.
– Não será um sinal, um aviso da Lua? – pergunta o imperador, subitamente ansioso.
O sábio permite-se sorrir.
– Se Vossa Majestade assim o quer, será – diz, cofiando a barbicha branca e encerada que lhe escorrega até à cintura.
Descem da varanda ao jardim alumiado por grandes lanternas de pétalas roxas. Suspensas, rente ao chão, as lanternas tudo convertem à cor dos sonhos mais imprevisíveis. A relva, as ramagens baixas dos arbustos e os pés do imperador e do mestre ficam aureolados de roxo e lilás. Parece que caminham sobre nuvens.
Porque o sábio não desaproveita uma oportunidade sem retirar um ensinamento que sirva de alimento espiritual ao jovem imperador, logo acrescenta mais esta fala:
– Um vosso antepassado, o erudito e judicioso imperador La-Long, escreveu na base de uma estatueta de jade, que representava um monge de pálpebras descidas, um luminoso pensamento: O inatingível está à tua mercê. Queres que os teus desejos aconteçam? Fecha os olhos.
Proferidas estas palavras graves, o sábio Tien-o-Tzê, apoiado a um tronco nodoso de cerejeira que lhe serve de bordão, suspende os passos. Fecha os olhos.
Encara-o, surpreendido o imperador.
– Estás a desejar alguma coisa? – pergunta.
O sábio abre os olhos:
– Os meus desejos são os vossos, Majestade. Procurava apenas adivinhá-los.
– E descobriste-os?
Tien-O-Tzê, em resposta, ergue o bordão e aponta-o à Lua, redonda e enorme, que subia ao céu, logo por trás dos últimos sicómoros do jardim.
– Tens razão, genial amigo – exclama, entusiasmado, o imperador. – Quero ir à Lua.
– Pois irá – proclama o sábio. – Segure, Vossa Majestade, o arrocho de cerejeira a que me arrimo para as pequenas e grandes caminhadas da vida... Cerre os olhos.
O imperador, habituado a confiar no mestre, corresponde ao mandado.
– Este bordão, que ambos seguramos, há-de levar-nos à Lua –brada, num acesso de inesperada força, o sábio ou mago Tien-O-Tzê. – Não abra os olhos, Majestade, que eu vou lançar o bordão ao céu.
O imperador Meng Uóng, de pálpebras apertadas, sente, num arrepio, que os pés, calçados com finas babuchas escarlates debruadas a pérolas, se soltam do solo e divagam no vazio como se os tivesse suspensos de um baloiço.
– Não abra os olhos, Majestade – torna a recomendar-lhe Tien-O-Tzê.
A voz dele ressoa em eco, repercutida por toda a abóbada celeste:
– Não abra… não abra… não abra os olhos, Majestade…
Vão longe? Vão perto? Por onde voga o bordão a que sábio e imperador se fincam como náufragos que rodopiassem no turbilhão de uma tempestade silenciosa? O imperador pergunta e não quer achar resposta.
Um vento ciclónico e cada vez mais frio encortiça-lhe o rosto crispado. É insuportável. Manter os olhos fechados, agora, não custa. Mais custaria abri-los.
O vento pacifica-se em aragem. O frio em amenidade.

Aos ouvidos do jovem imperador soam, primeiro indistintamente depois mais nítidos, os acordes de guitarras e vozes femininas, numa fresca melopeia de boas-vindas. De súbito, os pés encontram chão.
– Pode abrir os olhos, Majestade – comanda o sábio numa entoação de riso.
Ah! eis a Lua! A seu lado, Tien-O-Tzê recupera só para ele a vara de cerejeira e enterra-a no musgo esbranquiçado do solo lunar, fofo e macio, que dá a cada passo uma cadência de dança.
Talvez por isso as jovens que acorrem a receber os visitantes, vestidas com túnicas de cores celestes, têm um andar precioso de dançarinas rituais. Agitam leques, cantam e riem como sinos de porcelana.
– Para onde nos levam? – pergunta, aturdido, o imperador, que pela primeira vez sente o peso da sua túnica de brocado azul onde fulgem dois dragões de oiro.
Elas rodeiam-nos e empurram-nos brandamente enquanto tangem alaúdes.
Levados pelo redemoinho da festa, o imperador e o sábio distanciam-se do lugar onde tinham poisado. Sobem agora uma escadaria de marfim onde, no alto, luminosa, os espera...
– Seong-Ngó, a castelã da Lua – exclama Tien-O-Tzê, reconhecendo-a ao primeiro relance.

O sábio não errara. Seong-Ngó reina sobre as selenitas. Ela, que se refugiara na Lua enquanto o seu esposo, Hau-Ngai, se exilara no palácio do Sol, ora toma a configuração de uma rã de três pernas, ora se ostenta em toda a sua beleza de imortal.
Felizmente que, para receber as visitas, não apareceu sob a forma de batráquio, o que seria deselegante. Sentada num trono de coral, rodeada de fadas dançarinas, Seong-Ngó não profere uma única palavra, mas eles percebem pelo brilho dos seus olhos maliciosos tudo o que ela tem para lhes contar.
Com um gesto insinuante, rodopiando o leque, Seong-Ngó aponta para o cimo de uma colina próxima onde o coelho de jade, diante do almofariz, prepara incansavelmente o remédio contra todos os males. É o elixir da imortalidade. A guardiã da Lua parece dizer: "Querem provar? Apressem-se..."
Sábio e imperador descem, em corrida, a escadaria e precipitam-se para a colina. Esquecidos das regras de reverência, nem agradeceram a generosidade do convite.
Antes de alcançarem o coelho, na sua oficina de alquimista, têm de passar por um desfiladeiro obscuro. Cessaram os cânticos de saudação. Sábio e imperador vão sós e estremecem quando lhes chega às narinas um odor áspero de animal feroz, no seu refúgio.
Logo em seguida um rugido e, após este, outro e outro ainda, todos assustadores. Um tigre cinzento e branco assoma ao outro extremo do desfiladeiro. Revira os olhos rancorosos e vai saltar sobre os dois viajantes.
– Fujamos – grita, apavorado, o imperador Meng Uóng. – O teu bordão, onde o deixaste?
– Longe – responde-lhe o sábio, que já corre à frente do príncipe.
Tien-O-tzê, pela primeira e única vez na vida olvidou, naquele transe, as precedências da etiqueta e o comedimento a que a sua provecta idade obrigaria.
Os pés afundam-se no musgo como na neve, o que lhes prejudica o despacho da corrida. Sentem sobre as costas o hálito em fogo do tigre implacável...
– Feche os olhos, Majestade. O sonho mau vai passar.
À voz entrecortada do sábio responde o imperador, aflito:
– E aonde me agarro desta vez?
O sábio, sem parar de correr, grita num assomo de impaciência:
– Agarre-se à minha mão – enquanto lha estende. – Acabo de descobrir a raiz de um raio de luar que nos levará até à Terra.
– Aguentará o nosso peso? – teme o imperador.
O sábio repete, soluçando de cansaço, a máxima de La-Long:
– Queres… que os teus desejos… aconteçam? Fecha… os olhos. Acredite… acredite, Majestade!
Mas o imperador duvida:
– E o tigre? O tigre não virá atrás de nós?
– O tigre não conhece a máxima e não fecha os olhos – exaspera-se Tien-O-Tzê. – O tigre tem medo de cair. Nós não!
De olhos fechados, escorregam pelo raio de luar que se arqueia e alarga até parecer uma estrada de descida suave.
Assim, sem sobressalto, chegam ao jardim imperial. A Lua escondeu-se. Os archotes da varanda ardem, inúteis, à luz da madrugada.

Desde essa noite inesquecível que o imperador Meng Uóng tange o alaúde evocando as melodias que ouviu das selenitas. E entusiasmado pelos bailados e cânticos das fadas lunares criou uma escola, num pavilhão, no meio de um pomar de pereiras. Aí, os jovens do palácio foram industriados na arte de dançar e cantar como os habitantes da Lua.
Assim é justificada a origem do teatro chinês e o nome de lei-un-tchi-tâl, "discípulos do pomar das pêras", como são designados os seus actores.
Quanto ao bordão de cerejeira que o sábio Tien-O-Tzê plantara na superfície musgosa da Lua, conta a lenda que ganhou ramos, folhas, flores...
Quem quiser ver a cerejeira, que olhe para a lua na noite que precede o décimo quinto dia do oitavo mês lunar, segundo o calendário chinês.
Se não conseguir ver, feche os olhos. No espelho da imaginação tudo acontece como queremos…




António Torrado
A cerejeira da Lua
Instituto Cultural de Macau, Editorial Pública, Lda, 1990





O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar

Uma algazarra (ideia) original...



 Ideia original...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Dia Internacional das Bibliotecas Escolares



Desde o ano passado que se comemora o Mês Internacional da Biblioteca Escolar por decisão da IASL em Dezembro de 2007.
Neste mês as bibliotecas escolares têm por norma organizar um conjunto de actividades, envolvendo toda a escola e a comunidade em que esta se insere, de modo a torná-las mais conhecidas e a motivar toda a comunidade escolar para a sua utilização.
As equipas devem usar todos os meios ao seu alcance para fazerem a divulgação da biblioteca: a internet (sítio, blogue, facebook, twitter, listas de difusão, recursos disponibilizados pela IASL, etc.), os média locais, o trabalho em parceria com outras instituições, o convite a personalidades, a utilização de espaços fora da biblioteca na escola ou fora da escola, etc..
Os portais das Redes de Bibliotecas Concelhias devem ser a interface de eleição para a divulgação das actividades realizadas nas respectivas escolas e o rosto das realizações em parceria programadas para este mês/dia.
A Rede de Bibliotecas Escolares decidiu, por sua vez, que a última segunda feira do mês de Outubro seria o dia em que as actividades a realizar encontrariam a sua principal expressão. O dia 26 de Outubro será, por excelência, o dia das bibliotecas escolares em Portugal.






sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Os pequenos acrobatas do rio



Na aldeia de Sakata, os meninos brincam à volta da árvore. Mas isso não os impede de estarem atentos a qualquer pequeno ruído que venha do Congo, o grande rio que corre perto dali. Estão à espera de que o barco passe.
— Ei! Olha o barco! Já lá vem o barco-correio!
Para Kembo é um dia importante. Quando o barco que transporta tantas mercadorias maravilhosas abrandar a velocidade, ele vai aproximar-se e pôr as mãos no casco. Até há-de subir a bordo. A manobra é arriscada, mas Kembo está decidido.
— Mido, Eloni, vamos! Temos de ser os primeiros a acostar!
Enquanto Mido e Eloni pegam nos remos do pangaio, Kembo grita:
— Cuidado! A piroga vai meter água! Olhem que tem um buraco à frente!
Kembo tapa o buraco com um pouco de barro.
— Agora podemos ir. A minha mãe quer que lhe traga sabão e uma t-shirt.
As folhas dos nenúfares agitam-se à passagem deles. Escondido debaixo da umbela de um cogumelo, um sapo está quase a apanhar um insecto. Que sossego! Mas, de repente, o sapo esconde-se, e os pássaros levantam voo com grande alarido. O que terá causado toda aquela agitação, pregando um susto de morte às crianças? A serpente negra que assombra o rio. Ela acaba de escapulir-se por entre as ervas altas. Kembo começa então a entoar a canção de Sakata, a Nossa Aldeia, uma canção que dá coragem.

No rio agitado, eh! eh!
É preciso remar com força, eh!
No rio agitado
É preciso remar com força.

Ao longe, outras crianças pescadoras retomam o refrão. Kembo e os amigos voltam a subir a corrente com mais vigor. Em breve,  a piroga sai das águas calmas da floresta e entra nas do rio. No sítio em que os dois braços de água se encontram, as ondas fervilham, formam um turbilhão. Mido e Eloni gritam:
— Kembo, temos medo! Vamos voltar para trás!
— Nem pensar — diz Kembo. — Não vamos desistir!
Um vento forte arrasta a piroga. O pânico apodera-se dos amigos de Kembo. Mas Kembo sabe desviar-se dos perigos, ultrapassar as armadilhas da água, e diz:
— Quietos! Nada de fazer força. Temos de nos deixar levar pela corrente.
A piroga é sacudida por todos os lados. E depois, de repente, ei-la que sai do turbilhão.
Kembo e os amigos esperam com impaciência a aproximação do barco, que abranda mas não pára.
Os passageiros olham para as crianças, admirados. Alguns gritam:
— Afastai-vos! Os redemoinhos são perigosos!
À primeira onda, a piroga sobe até à crista. Os passageiros do barco ficam embasbacados perante a destreza de Kembo e dos amigos, que, certos do sucesso da sua proeza, cantam com toda a força.
Da margem, os pais seguem o espectáculo.
— Oh! Que habilidade! Que acrobatas corajosos! Será que vão conseguir encostar o barco? Eu nem quero ver!
Alguns pais gritam, manifestando o seu medo.
— Os nossos filhos trazem os amuletos, consigo ver daqui as fitas vermelhas!
Os rapazes não conseguiram a acostagem. O choque contra o flanco do barco foi duro e a emoção forte quando as crianças ouviram rebentar o pedaço de barro que tapava o buraco da piroga. Mas Kembo e os amigos mantiveram o sangue-frio.
— Depressa, a outra piroga! — grita Kembo.
A outra piroga pertence, seguramente, a um pescador que já entrou no barco-correio.
Kembo salta para dentro, pega numa amarra e atira-a para as mãos que se agitam acima dele. De repente, a corda estica.
— Consegui! — grita Kembo, que já está a bordo.
Mas Eloni e Mido têm menos sorte, a piroga volta-se e ei-los na água. Falharam.
A bordo do barco-correio era um autêntico mercado. Vendia-se lá de tudo. Vê-se uma coisa amarela e preta a brilhar na penumbra. Será um brinquedo? Kembo aproxima--se. O produto à venda é uma jibóia.
— Nioka! Nioka! (Serpente! Serpente!) — grita Kembo, cheio de medo. E foge a correr.
Cheira muito bem debaixo do tejadilho de madeira. Os passageiros saboreiam  mandioca que as mulheres acabam de fritar em óleo de palma. Fazem-se trocas e conversa-se.
Os habitantes ribeirinhos acabam de acostar, trazem peixe e banana para fritar. Mas Kembo não pode atrasar-se, tem compras a fazer.
Kembo escapa-se por entre as mercadorias. Chega diante da exposição de conservas, de vestidos e de tangas, onde, finalmente encontra o que procurava. Enquanto espera que o sabão e a t-shirt sejam embrulhados, Kembo vê, ao fundo do barco, um carro carregado de caixotes.
São medicamentos para um hospital da Cruz-Vermelha, explica o comerciante.
— Pega! Aqui estão as compras para a tua mãe!
A sirene apitou. Rápido, rápido! Temos de sair depressa, que o barco vai ganhar velocidade! Kembo esconde o embrulhinho com segurança dentro do calção e, splash!, mergulha. Nada como um peixe até chegar junto de Eloni e Mido, que estão na água.
O barco afasta-se. Baloiçados pelo turbilhão dos remoinhos, os rapazes disputam entre si a piroga virada, tentando alcançá-la com agilidade. Mido e Eloni estão desiludidos. Mas não passa de uma oportunidade perdida. Da próxima vez que o barco-mercado passar, subirão a bordo com Kembo. Dessa vez, é certo que vão conseguir.





Dominique Mwankumi
Les petits acrobates du fleuve
Paris, l'école des loisirs, 2000


O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar

26 de Outubro de 2009 - Dia Internacional das Bibliotecas Escolares





terça-feira, 20 de outubro de 2009

Newsletter País Positivo - Edição 10







10/10/2009
Índice de confiança sobe em Setembro
ECONOMIA & FINANÇAS
Imagem vazia padrão
E porque nem tudo são más notícias e é de um país mais positivo que queremos falar, destaque para o avanço da notícia de hoje da agência financeira que realça uma subida de 0,4 por cento do índice de confiança dos portugueses relativamente a Julho.
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Estudo revela que emissões mundiais de CO2 poderão cair 3 por cento em 2009
AMBIENTE
As emissões mundiais de CO2, uma das principais causas do aquecimento global, poderão cair 3 por cento em 2009 em consequência da crise económica, segundo um estudo divulgado hoje pela Agência Internacional da Energia (AIE).
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Dupla portuguesa de ilusionismo vence Campeonato em França
ARTE & CULTURA
Imagem vazia padrãoO duo de mágicos portugueses Tá na Manga conquistou o primeiro prémio de Magia Geral no 43º Congresso da Federação Francesa de Artistas Prestidigitadores/Campeonato de Magia de França, informou hoje a Associação Portuguesa de Ilusionismo.
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Palácio do Freixo, no Porto, reabre sexta-feira como Pousada
DESTAQUE

Imagem vazia padrãoO histórico Palácio do Freixo, abre sexta-feira ao público como a primeira Pousada de Portugal na cidade do Porto, após um investimento de 15 milhões de euros.
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Legislativas e Autárquicas 2009 – Quem é Quem?
NÃO PERCA
Imagem vazia padrão
Lançamento: Dezembro de 2009;
Veículo de distribuição: Jornal Público (suplemento gratuíto);

Nota:
75.000 exemplares, 3ª Edição – Grande Formato a Cores








Flor de Água




Havia outrora, na região vietnamita de Anam, um belo porto onde as embarcações vinham abrigar-se após as longas travessias do Mar da China.
Numa das ruelas do porto, situava-se a modesta loja de uma família de artesãos, na qual estes confeccionavam lampiões multicolores há já muitas gerações.
Nela viviam o jovem Oceano, a sua mulher, Reflexo da Lua, e a mãe desta, Dona Ameixa. Viviam os três em harmonia e apenas uma nuvem toldava o céu da sua felicidade.
Casados há bastante tempo, o jovem casal sonhava com um bebé de quem cuidar. E Dona Ameixa ansiava por conhecer as alegrias de ser avó. Porém, a criança tardava…
A afeição desta humilde gente recaía, então, num pássaro cor de fuligem, um animal quase mágico. Chamava-se Glu-Glu, porque imitava com perfeição o gorgolejar de Oceano quando este lavava os dentes.
Quando lhe apetecia, Glu-Glu falava. Ou seja, repetia palavras e ruídos que ouvia em seu redor. E diga-se de passagem que conhecia algumas palavras bastante desagradáveis: "Estúpida!", "Palerma!", "Gordo!" e "Cocó!"
Certa manhã, Reflexo de Lua pôs ao ombro uma canga carregada de lampiões que ia vender no mercado da aldeia vizinha. Glu-Glu, que gostava de passear, acompanhou-a, repetindo as suas palavras favoritas sempre que cruzava alguém na estrada. Todos se riam.
Durante a sua caminhada, Reflexo de Lua olhava as jovens mães com pena. À saída do porto, parou diante de um pequeno altar, dedicado a Quan Âm, a Deusa Celeste. Com pauzinhos de incenso entre as mãos unidas, murmurou esta oração: "Suplico-te, Deusa Celeste, concede-nos a alegria de acolher uma criança no nosso lar!" Enquanto murmurava estas palavras, o incenso ascendia ao céu em espirais perfumadas…
No mercado, havia muita gente. Os lampiões de Reflexo de Lua vendiam-se bem. Glu-Glu fazia o seu número e a bolsa da dona enchia-se depressa.
A dois passos de ali, dois malfeitores planeavam um golpe, sentados num banco da vendedeira de chá verde.
— Já viste a massa que ela juntou? E o que podemos ganhar com aquele pássaro esperto? — dizia um.
— Vamos preparar-lhe uma bela surpresa — sugeriu o outro.
Quando Reflexo de Lua empreendeu o caminho de regresso a casa, já a lua estendia o seu leque de lantejoulas sobre o mar.
— Vamos depressa! — disse a Glu-Glu, que repetiu "Vamos depressa, palerma!"
No meio do caminho deserto, duas sombras precipitaram-se sobre a mulher e atiraram-na ao chão. Um dos homens roubou-lhe a bolsa, enquanto o outro enfiava o pássaro num saco de juta. Uma voz metálica ergueu-se do fundo do saco bradando "Seu cocó!"
Os dois ladrões desapareceram na noite. Reflexo de Lua levantou-se e viu a gaiola vazia.
— Esperem! Levem ao menos a gaiola! O pássaro vai sentir-se mal dentro do saco!
Mas os bandidos fizeram ouvidos de mercador e mesmo a voz metálica de Glu-Glu deixou de ouvir-se.
A vida continuou o seu ritmo na loja. Oceano e Dona Ameixa ficaram felizes por ver que Reflexo de Lua não tinha sido ferida, mas a loja estava demasiado calma sem o incessante palrar de Glu-Glu…
Algumas semanas mais tarde, Oceano e Reflexo de Lua viajaram até à velha cidade imperial, Hué. Junto do Rio dos Perfumes, ficava o pagode da Deusa Celeste, que operava grandes milagres. Quem sabe se lhes concederia o desejo de um filho…
Enquanto isto, numa velha casa arruinada, no meio dos arrozais, os dois malfeitores estavam exasperados com o pássaro e gritavam insultos um ao outro, que Glu-Glu se encarregava de repetir, o que aumentava ainda mais a confusão.

Depois de uma viagem de vários dias, o jovem casal, envolto numa nuvem de incenso, pôde enfim suplicar:
— Deusa cheia de bondade, concede-nos a felicidade de acolher uma criança na nossa humilde casa.
E a Deusa pareceu sorrir para eles…
Deixaram o pagode, cheios da esperança que o sorriso da Deusa lhes transmitira. No caminho de regresso a casa, ouviram uma voz familiar que dizia:
— Cabeça de burro! Estúpido! Palerma! Gordo!
As exclamações vinham de dentro de uma loja de pássaros. Um velho barbudo gesticulava e ameaçava a ave:
— Ou te calas ou prego-te o bico!
O casal aproximou-se e Glu-Glu, cheio de alegria porque os reconhecera, saltou no poleiro.
Ao ver que o casal se interessava pelo pássaro, o velho exclamou:
— Como ele parece gostar de vós, levai-o convosco. É um favor que me fazeis…
O vendedor abriu a gaiola e deu o animal a Oceano. Tinha-o comprado a dois meliantes que tinham pressa em desembaraçar-se dele. Como os compreendia agora!
Os esposos agradeceram e libertaram Glu-Glu, que lhes fez uma festa.
Alguns meses após a peregrinação ao santuário, o ventre de Reflexo de Lua ficou redondinho como um lampião. O marido e a mãe cumularam-na de atenções. Até o pássaro se calava sempre que percebia que ela precisava de repousar.
Quando caiu a chuva das primeiras monções, nasceu uma menina na loja dos lampiões. A Dona Ameixa coube a honra de escolher um nome para a criança.
— Esta criança foi-nos dada pelo céu como se fosse uma flor das monções. Chamar-lhe-emos Flor de Água. Louvemos a Deusa Celeste pela sua infinita bondade!
— Flor de Água! Flor de Água! — repetiu Glu-Glu, encantado.
E desde esse dia que todos viveram felizes no meio dos lampiões e das lanternas.


Marcelino Truong
Fleur d'eau
Paris, Gautier-Languereau, 2003
(Tradução e adaptação)




O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar


Os saris da minha mãe


— Quando poderei vestir um sari? — perguntei à minha mãe, saltando para cima da sua cama.

A minha mãe pegou numa mala de couro, dentro da qual guarda todos os seus saris, e que está sempre debaixo da cama. A mala contém o sari de cetim amarelo que ela usou na festa do bebé da Uma Didi, o sari cor de pêssego, que é fino como uma teia de aranha, e o meu favorito, o sari vermelho do seu casamento. Só o vi uma vez, porque está cuidadosamente embrulhado num velho lençol de cama.

— Podes vestir saris quando fores mais velha — disse a minha mãe, abrindo a mala.

— Mas hoje faço sete anos e vamos ter uma festa! Por isso é que estás a usar um sari.

A minha mãe só abre esta mala em dias especiais. A mãe dela, a Nanima, usa um sari todos os dias, mesmo quando dorme. As dobras e os recantos dos saris da Nanima estão cheios de segredos. Neles encontro moedas, alfinetes de segurança, e o seu odor permanente a sabonete de sândalo.

A minha mãe corre o fecho da mala e eu tento absorver todas as cores que ela encerra.

— Ajudas-me a escolher um sari? — pede.

Claro que sim — respondo.

Talvez ela me deixe escolher um também.

— Que tal me fica este? — pergunta, segurando um sari cor de púrpura junto do rosto.

— Oh mãe, pareces uma beringela — rio.

E este?

A minha mãe desenrola um sari de seda preta que brilha como um céu estrelado.

— Esse não, porque já o usaste na festa de anos da Devi Masi.

— Não acredito que te lembres disso tudo!

Mas é verdade que me lembro de todos os saris que a minha mãe usou. Ainda me lembro do sari cor de lavanda, que ela vestiu na festa do Diwali, e do sari cor de magenta com veados bordados, que ela vestiu no dia em que a Nanima nos fez a primeira visita.

A minha mãe fica lindíssima com saris. São tão diferentes das camisolas cinzentas e das calças castanhas que veste todos os dias para ir trabalhar.

— E este? — pergunto, apontando para um sari que nunca tinha visto.

Parece uma bola de fogo laranja e as pontas vermelhas parecem ter sido mergulhadas em tinta vermelha. A minha mãe sorri:

— Usei esse sari no dia em que te trouxemos do hospital. Todos os teus tios e tias vieram dar-te as boas vindas.

— Veste-o hoje outra vez!

A minha mãe desenrola-o e molda-o ao corpo. O sari brilha como o sol poente.

Olho para as minhas roupas e sinto-me desinteressante em comparação.

— Porque não posso usar um sari?

— Os saris são para mulheres adultas. Mesmo que o dobrasses várias vezes, acabarias por tropeçar nele.

— Nunca me deixas fazer nada. Ontem, disseste-me que não podia ir para a escola com sapatos de festa, embora todos os dias calces tacões para ir trabalhar.

— Porque não usas a tua chanya choli? — sugeriu. — Disseste-me que os espelhos da saia te faziam parecer uma princesa.

— Não quero. Já tenho idade para usar um sari. Já não preciso de luz de presença no quarto e consigo servir-me de leite de manhã sem entornar uma gota.

A minha mãe ficou calada durante algum tempo. Depois disse:

— Lembro-me da primeira vez que usei um dos saris da minha mãe. Senti-me tão crescida!

— Por favor, mamã, deixa-me escolher um — sussurro. — Até sei qual quero usar.

— Bem, estás a ficar mais alta e talvez consigamos segurar as dobras com muitos alfinetes. Mas só vestes o sari hoje, porque fazes anos.

— E posso vestir outro quando fizer oito anos? Nessa altura, já serei tão alta como tu!

A minha mãe ri e começa a mostrar-me os saris, um a um. Quando só resta um no fundo da mala, exclamo:

— É esse mesmo! O azul com flores douradas nas pontas.

— Põe-te de pé em cima da cama — pede a minha mãe.

Depois, começa a enrolar o sari em volta do meu corpo. Quando tento ver-me ao espelho, avisa:

— Espera, ainda não estás pronta!

De uma latinha em forma de coração que tem no armário, tira algumas pulseiras em ouro. Coloca seis no meu braço, que caem no chão a tilintar quando o estico.

— Temos de pedir à Nanima que nos envie pulseiras que condigam com este sari — brinca a minha mãe.

— Já posso ver-me ao espelho? — peço.

— Só mais uma coisa — responde a minha mãe, abrindo uma gaveta da cómoda.

Dela retira uma pequena caixa que contém alguns bindis de cores e feitios diferentes. Pega num prateado e coloca-o bem no meio das minhas sobrancelhas.

— Já podes olhar.

Debruço-me sobre o espelho, pegando no sari com cuidado.

— Que tal?

Sinto-me a flutuar num oceano de azul. O material reluzente faz-me brilhar. É tão bonito que digo, dedilhando a borda do sari:

— Acho que estou parecida contigo, mãe!


Pooja Makhijani; Elena Gomez
Mama's Saris
New York, Hachette Book, 2007
(Tradução e adaptação)


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GLOSSÁRIO DE PALAVRAS EM HINDI

Bindi – sinal decorativo que as mulheres hindus usam na testa. Antigamente, era sempre um sinal vermelho e simbolizava o estatuto da mulher casada. Hoje em dia, é considerado um acessório de moda e não conhece restrições de cor ou feitio.

Chanya choli – conjunto de saia larga e blusa justa, tradicionalmente usado pelas mulheres dos estados do Gurajat e do Rajastão.

Didi – termo respeitoso usado para com uma irmã mais velha, uma prima, ou uma amiga.

Diwali – significa "fiadas de luzes acesas". É o festival da renovação da vida, o Festival das Luzes, no qual é comum as pessoas usarem roupas novas. É uma altura em que as famílias acendem lâmpadas de azeite e as colocam em torno das casas, para dar as boas vindas ao novo ano.
 
Masi – a irmã da mãe.

Nanima – a mãe da mãe.

Sari – o traje tradicional das mulheres indianas. Um sari é um pano de 6,30m de comprimento e 1,20m de largura, cujos estilo, cor e textura variam muito. Pode também ser dobrado de forma diferente, conforme o estatuto, a idade, a profissão, a religião e a região da mulher.











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Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar