terça-feira, 20 de outubro de 2009

Os saris da minha mãe


— Quando poderei vestir um sari? — perguntei à minha mãe, saltando para cima da sua cama.

A minha mãe pegou numa mala de couro, dentro da qual guarda todos os seus saris, e que está sempre debaixo da cama. A mala contém o sari de cetim amarelo que ela usou na festa do bebé da Uma Didi, o sari cor de pêssego, que é fino como uma teia de aranha, e o meu favorito, o sari vermelho do seu casamento. Só o vi uma vez, porque está cuidadosamente embrulhado num velho lençol de cama.

— Podes vestir saris quando fores mais velha — disse a minha mãe, abrindo a mala.

— Mas hoje faço sete anos e vamos ter uma festa! Por isso é que estás a usar um sari.

A minha mãe só abre esta mala em dias especiais. A mãe dela, a Nanima, usa um sari todos os dias, mesmo quando dorme. As dobras e os recantos dos saris da Nanima estão cheios de segredos. Neles encontro moedas, alfinetes de segurança, e o seu odor permanente a sabonete de sândalo.

A minha mãe corre o fecho da mala e eu tento absorver todas as cores que ela encerra.

— Ajudas-me a escolher um sari? — pede.

Claro que sim — respondo.

Talvez ela me deixe escolher um também.

— Que tal me fica este? — pergunta, segurando um sari cor de púrpura junto do rosto.

— Oh mãe, pareces uma beringela — rio.

E este?

A minha mãe desenrola um sari de seda preta que brilha como um céu estrelado.

— Esse não, porque já o usaste na festa de anos da Devi Masi.

— Não acredito que te lembres disso tudo!

Mas é verdade que me lembro de todos os saris que a minha mãe usou. Ainda me lembro do sari cor de lavanda, que ela vestiu na festa do Diwali, e do sari cor de magenta com veados bordados, que ela vestiu no dia em que a Nanima nos fez a primeira visita.

A minha mãe fica lindíssima com saris. São tão diferentes das camisolas cinzentas e das calças castanhas que veste todos os dias para ir trabalhar.

— E este? — pergunto, apontando para um sari que nunca tinha visto.

Parece uma bola de fogo laranja e as pontas vermelhas parecem ter sido mergulhadas em tinta vermelha. A minha mãe sorri:

— Usei esse sari no dia em que te trouxemos do hospital. Todos os teus tios e tias vieram dar-te as boas vindas.

— Veste-o hoje outra vez!

A minha mãe desenrola-o e molda-o ao corpo. O sari brilha como o sol poente.

Olho para as minhas roupas e sinto-me desinteressante em comparação.

— Porque não posso usar um sari?

— Os saris são para mulheres adultas. Mesmo que o dobrasses várias vezes, acabarias por tropeçar nele.

— Nunca me deixas fazer nada. Ontem, disseste-me que não podia ir para a escola com sapatos de festa, embora todos os dias calces tacões para ir trabalhar.

— Porque não usas a tua chanya choli? — sugeriu. — Disseste-me que os espelhos da saia te faziam parecer uma princesa.

— Não quero. Já tenho idade para usar um sari. Já não preciso de luz de presença no quarto e consigo servir-me de leite de manhã sem entornar uma gota.

A minha mãe ficou calada durante algum tempo. Depois disse:

— Lembro-me da primeira vez que usei um dos saris da minha mãe. Senti-me tão crescida!

— Por favor, mamã, deixa-me escolher um — sussurro. — Até sei qual quero usar.

— Bem, estás a ficar mais alta e talvez consigamos segurar as dobras com muitos alfinetes. Mas só vestes o sari hoje, porque fazes anos.

— E posso vestir outro quando fizer oito anos? Nessa altura, já serei tão alta como tu!

A minha mãe ri e começa a mostrar-me os saris, um a um. Quando só resta um no fundo da mala, exclamo:

— É esse mesmo! O azul com flores douradas nas pontas.

— Põe-te de pé em cima da cama — pede a minha mãe.

Depois, começa a enrolar o sari em volta do meu corpo. Quando tento ver-me ao espelho, avisa:

— Espera, ainda não estás pronta!

De uma latinha em forma de coração que tem no armário, tira algumas pulseiras em ouro. Coloca seis no meu braço, que caem no chão a tilintar quando o estico.

— Temos de pedir à Nanima que nos envie pulseiras que condigam com este sari — brinca a minha mãe.

— Já posso ver-me ao espelho? — peço.

— Só mais uma coisa — responde a minha mãe, abrindo uma gaveta da cómoda.

Dela retira uma pequena caixa que contém alguns bindis de cores e feitios diferentes. Pega num prateado e coloca-o bem no meio das minhas sobrancelhas.

— Já podes olhar.

Debruço-me sobre o espelho, pegando no sari com cuidado.

— Que tal?

Sinto-me a flutuar num oceano de azul. O material reluzente faz-me brilhar. É tão bonito que digo, dedilhando a borda do sari:

— Acho que estou parecida contigo, mãe!


Pooja Makhijani; Elena Gomez
Mama's Saris
New York, Hachette Book, 2007
(Tradução e adaptação)


* * * * *

GLOSSÁRIO DE PALAVRAS EM HINDI

Bindi – sinal decorativo que as mulheres hindus usam na testa. Antigamente, era sempre um sinal vermelho e simbolizava o estatuto da mulher casada. Hoje em dia, é considerado um acessório de moda e não conhece restrições de cor ou feitio.

Chanya choli – conjunto de saia larga e blusa justa, tradicionalmente usado pelas mulheres dos estados do Gurajat e do Rajastão.

Didi – termo respeitoso usado para com uma irmã mais velha, uma prima, ou uma amiga.

Diwali – significa "fiadas de luzes acesas". É o festival da renovação da vida, o Festival das Luzes, no qual é comum as pessoas usarem roupas novas. É uma altura em que as famílias acendem lâmpadas de azeite e as colocam em torno das casas, para dar as boas vindas ao novo ano.
 
Masi – a irmã da mãe.

Nanima – a mãe da mãe.

Sari – o traje tradicional das mulheres indianas. Um sari é um pano de 6,30m de comprimento e 1,20m de largura, cujos estilo, cor e textura variam muito. Pode também ser dobrado de forma diferente, conforme o estatuto, a idade, a profissão, a religião e a região da mulher.











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Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar




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