segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Uma guloseima para a Noite das Bruxas

          O saco das guloseimas estava pronto e sentia-me ansiosa por ver chegar as crianças marotas. Mas, na manhã da Noite das Bruxas tive um ataque de artrite muito forte e, à tardinha, mal me conseguia mexer. Como sabia que ia ser difícil atender todas as vezes que batessem à porta, decidi deixar o saco pendurado da parte de fora da porta e ver, na sala às escuras, o desfile das crianças mascaradas.
A primeira a chegar foi uma bailarina com três fantasminhas. Cada um pegou numa guloseima, excepto o último, que tirou do saco uma mão cheia. Foi então que ouvi a bailarina ralhar: "Não podes tirar mais do que uma!" Fiquei contente por a criança mais velha agir como se fosse a consciência do pequeno.
Seguiram-se princesas, astronautas, esqueletos e extraterrestres. Apareceram mais crianças do que as de que eu estava à espera. Como as guloseimas estavam a acabar, preparei-me para desligar a luz da entrada. Detive-me ao reparar que tinha mais quatro visitas. Os três mais velhos meteram a mão no saco e retiraram um chocolate cada. Sustive a respiração, esperançada de que ainda restasse um para uma bruxinha. Mas, quando ela retirou a mão, tudo o que segurava era apenas uma simples goma de laranja.
Os outros chamaram:
— Emily, despacha-te! Não há ninguém em casa para te dar mais guloseimas.
Mas Emily deixou-se ficar mais um pouco. Meteu a goma no saco e, imóvel, ficou a olhar para a porta. Depois, disse:
— Obrigada, casa. Gosto muito da goma de laranja.
E correu a juntar-se aos companheiros.
Uma bruxinha querida tinha-me lançado um feitiço.

Evelyn M. Gibb
  
J. Canfield; M. V. Hansen; J. Read Hawthorne; M. Shimoff
Second Chicken Soup for the Woman's Soul
Florida, HCI, 1998
(Tradução e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Dia da Biblioteca Escolar

Hiromi Uehara. Quando virá esta menina a Portugal?

O caçador de borboletas


Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, legos, jogos de computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes coloridos. O pai explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa forma, mesmo mortas, elas duram muito tempo. É assim que fazem os coleccionadores.
Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insectos mas não sabia que era possível coleccioná-los, como quem colecciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos.
Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas.
Foi para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um lugar onde se juntavam insectos de todo o tipo. Já tinha apanhado cinco borboletas que guardara dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de algodão doce – uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa.
Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se num voo curto e depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passou‑a para o frasco e ficou um longo momento a olhar para ela.
— Agora és minha — disse-lhe. — Toda a tua beleza me pertence.
A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara:
— Isso não é possível — era a borboleta que falava. — Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia ali um homem sábio e bom, chamado Buda…
Vladimir esfregou os olhos:
— Meu Deus! Estou a sonhar?
A borboleta riu-se:
— Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: “Voem!”. E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.
— Não! — disse Vladimir abanando a cabeça. — Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem coleccionadores como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça):
— Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto podes coleccionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.
Vladimir começava a achar que ela tinha razão.
— Se eu te libertar agora — perguntou — tu serás minha?
A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco com uma luz de todas as cores.
— Já sou tua — disse — e tu já és meu. Sabes? Eu colecciono caçadores de borboletas.
Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio:
— Muito boa — disse. — Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo.
José Eduardo Agualusa
Era uma vez
Revista Pais e Filhos, s/d
 A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Prémios Escolares Rotary Clube Tavira

     

O Rotary Clube Tavira convida a comunidade escolar para a cerimónia de entrega dos Prémios Escolares, Edição 2011/2012, a realizar pelas 18:30h, no dia 21 de Outubro de 2011 (sexta-feira), na Biblioteca Álvaro de Campos.

Nesta cerimónia, que conta com a atuação do Grupo Coral da Academia de Música de Tavira, serão distinguidos os melhores alunos que completaram os respetivos estudos em cada uma das escolas: Agrupamento Vertical de Escolas  D. Paio Peres Correia, Agrupamento D. Manuel I e Escola 3EB Secundária Dr. Jorge Augusto Correia.

Cláudia Rodrigues, aluna da nossa escola em 2010/2011, da turma 9ºA, vai receber um dos prémios.

Fátima Veríssimo  (Profª Bibliotecária)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Desabafo de uma senhora sobre a onda de preservação do meio ambiente

DESABAFO  

Na fila do supermercado, o caixa diz a uma senhora idosa que deveria trazer os seus próprios sacos para as compras, uma vez que os sacos de plástico não eram amigos do meio ambiente.

A senhora pediu desculpas e disse: "Não havia essa onda verde no meu tempo."

O empregado respondeu: "Esse é exatamente o nosso problema hoje, minha senhora. A sua geração não se preocupou o suficiente com  o nosso meio ambiente. "

"Você está certo", responde a velha senhora, a nossa geração não se preocupou adequadamente com o meio ambiente.
Naquela época, as garrafas de leite, garrafas de refrigerante e cerveja eram devolvidas à loja. A loja mandava de volta para a fábrica, onde eram lavadas e esterilizadas antes de cada reuso, e eles, os fabricantes de bebidas, usavam as garrafas, umas tantas outras vezes.
Realmente não nos preocupámos com o meio ambiente no nosso tempo. Subíamos as escadas, porque não havia escadas rolantes nas lojas e nos escritórios. Caminhávamos até ao comércio, em vez de utilizarmos o nosso carro de 300 cavalos de potência cada vez que precisamos de ir a dois quarteirões de distância.

Mas você está certo. Nós não nos preocupávamos com o meio ambiente. Até então, as fraldas de bebés eram lavadas, porque não havia fraldas descartáveis. Roupas secas: a secagem era feita por nós mesmos, não nestas máquinas bamboleantes de 220 volts. A energia solar e eólica é que realmente secavam as nossas roupas. Os meninos pequenos usavam as roupas que tinham sido dos seus irmãos mais velhos, e não roupas sempre novas.
Mas é verdade: não havia preocupação com o meio ambiente, naqueles dias. Naquela época tínhamos somente uma TV ou rádio em casa, e não uma TV em cada quarto. E a TV tinha uma tela do tamanho de um lenço, não um telão do tamanho de um estádio; que depois será descartado como?
Na cozinha, tínhamos que bater tudo com as mãos porque não havia máquinas elétricas, que fazem tudo por nós. Quando embalávamos algo um pouco frágil para o correio, usávamos jornal amassado para protegê-lo, não plástico bolha ou "pellets" de plástico que duram cinco séculos para começar a degradar.
Naqueles tempos, não se usava um motor a gasolina apenas para cortar a relva, era utilizado um cortador de relva, que exigia músculos. O exercício era extraordinário, e não precisavávamos de ir a um ginásio e usar passadeiras que também funcionam a eletricidade.

Mas você tem razão: não havia naquela época preocupação com o meio ambiente. Bebíamos diretamente da fonte, quando estávamos com sede, em vez de usar copos plásticos e garrafas pet que agora enchem os oceanos. Canetas: recarregávamos com tinta umas tantas vezes, em vez de comprar uma outra. Abandonámos as navalhas, ao invés de deitar fora todos os aparelhos 'descartáveis' e poluentes, só porque a lâmina ficou sem corte.
Na verdade, tivemos uma onda verde naquela época. Naqueles dias, as pessoas apanhavam o autocarro e os meninos iam nas suas bicicletas ou a pé para a escola, em vez de usar a mãe como um serviço de táxi 24 horas. Tínhamos só  uma tomada em cada quarto, e não um quadro de tomadas em cada parede para alimentar uma dúzia de aparelhos. E nós não precisávamos de um GPS para receber sinais de satélites a milhas de distância no espaço, só para encontrar a pizaria mais próxima.
Então, não dá vontade de rir que a atual geração fale tanto em meio ambiente, mas não queira abrir mão de nada e não pense em viver um pouco como na minha época?

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Leitor do Mês - Setembro 2011

O regresso a casa

          Leo já não queria voltar para casa. Estar em casa era aborrecido. O pai também já não ia voltar. Morava agora noutro sítio. E havia uma razão para isso: o pai tinha-se divorciado.
Como diz a canção, a separação dói. Quando olhava atentamente para a cara do pai, que visitava uma vez por mês, Leo não conseguia ver sinais de dor. Na da mãe, já via. Mas porquê? Ela ganhava dinheiro e, do pai, recebia a pensão para o filho. Mesmo assim, era incrivelmente avarenta. Mas não só em relação ao dinheiro. De um momento para o outro, ganhara uma inclinação para o cumprimento férreo do dever, e arrancava Leo demasiado cedo da cama, pela manhã.
— Tens de chegar a horas à escola — dizia.
Mas dizia isto num tal tom de voz que fazia Leo ir aos arames. Anteriormente a mãe não gritava, não berrava, não resmungava, bem pelo contrário, era meiga, amável, gentil. Leo não suportava a mudança… No entanto, quando se perguntava porquê, não conseguia encontrar uma resposta, e isso deixava-o ainda mais aborrecido. Preferia tapar os ouvidos quando ela falava. É certo que, dantes, o pai o levava à escola de carro e que isso tinha acabado. Mas seria razão para o arrancar tão cedo da cama?
Leo tinha pavor de ir para casa no fim da escola. Só a fome o empurrava. Quando abria a porta, o estômago contraía-se-lhe, pois sabia o que se ia seguir.
— Houve alguma coisa nova na escola? — perguntava a mãe.
— Nada — respondia.
— Tens trabalhos de casa? — continuava ela a perguntar.
— Sim — respondia ele num tom carrancudo.
— Vamos lá então começar em força! — dizia.
Força! Começar em força! Tinha mesmo dito “força”. O pai nunca o teria incomodado com palavras destas.
Quando ele estava a trabalhar à mesa, a mãe passava, espreitava por cima do ombro e pousava-lhe a mão suavemente nos cabelos. Como ele detestava aquilo! Não era nenhuma criança chorona a precisar de consolo.
— Sabes, agora temos de nos manter unidos — acrescentava em voz baixa.
Manter-se unidos? Contra o quê e contra quem? Contra o pai?
Ela que não tivesse ilusões!
Com os trabalhos de casa prontos, Leo escapava-se para a entrada em bicos de pés. Saltava para dentro das sapatilhas e punha-se à escuta. Sentada à máquina de escrever, a mãe fazia trabalhos para um escritório. Também escrevia aos sábados, por vezes até aos domingos. E de que é que isso adiantava? Para comer, continuava a haver só batatas ou flocos de aveia com espinafres. Se dava um passeio com ele, iam, quando muito, de eléctrico até à periferia. Como o aborrecia passear por terrenos apinhados a servir de armazém e deambular pelo circuito de ginástica da floresta. Que sentido tinha aquilo?
Leo abriu a porta sem fazer barulho, saiu furtivamente e correu para a estação do metro mais próxima. Algumas semanas atrás, tinha lá conhecido uns indivíduos da pior espécie que o haviam impressionado fortemente e que andavam sempre por ali à volta. Com estes indivíduos é que ele dizia palavrões, provocava as pessoas, fazia barulho e vociferava para expulsar a cólera e o desconforto que sentia.
Quando regressou a casa para jantar, não se esforçou por fazer pouco barulho.
— Onde estiveste? — perguntou-lhe a mãe.
— Lá em baixo — respondeu.
— Lá em baixo, onde?
— Fui ter com os meus colegas.
— Não achas que devias ter-me avisado?
Ele não respondeu e foi para o quarto. Depois do jantar, que simplesmente engoliu sem vontade, começou a andar de um lado para o outro como um animal dentro da jaula. A mãe apareceu e ficou a observá-lo por uns momentos.
— Vamos conversar? — perguntou.
— Deixa-me — foi a resposta.
A mãe voltou para a máquina de escrever e continuou a trabalhar. Por vezes, Leo reparava que ela tinha olhos de choro e a cara muito magra. Só que ela nunca chorava alto, não gritava, nunca dava um murro na mesa. Punha-o doido o facto de ela nunca lhe ralhar ou nunca o tratar mal. Durante a noite, quando Leo ia ao quarto de banho, notava que havia luz no quarto da mãe. Perguntava-se o que estaria ela a fazer, mas evitava ir espreitar.
No porta-moedas, Leo trazia o número de telefone do pai. Havia poucos momentos em que podia telefonar sem ser incomodado. Era principalmente quando a mãe ia ao escritório entregar o trabalho. Ficava fora uma hora e Leo pendurava-se ao telefone. Mas, nos últimos tempos, não tinha sorte. De cada vez que levantava o auscultador, ouvia o sinal de ocupado. Também se admirava por o pai nunca telefonar.
Assim que a mãe voltou, Leo foi plantar-se à porta do quarto dela.
— O telefone está estragado — disse, com um tom de censura.
— Não está estragado — respondeu, cansada, a mãe. — Está cortado.
— Cortado, porquê?
— Porque não posso pagar a conta.
— Aqui não há nada que funcione! — disse Leo, furioso, regressando ao quarto.
Enterrou a cara nas mãos, tapou com força os ouvidos mas, mesmo assim, ouvia o matraquear da máquina de escrever. Parava a máquina de escrever e era o bater da loiça ou a máquina da roupa a girar aos solavancos no quarto de banho. A mãe estava sempre a fazer alguma coisa, só ele não podia fazer nada. Nada! Esperava, esperava, mas não sabia o quê.
As notas do semestre foram uma miséria. A mãe quis vê-las. Contra isso, não podia protestar, e preparou-se para um furacão. A mãe olhou para a folha, poisou-a em cima da mesa e disse:
— O que se passa contigo? Porque me fazes isto?
— Eu? A ti? — disse ele, confuso.
— Isto entre nós não pode continuar assim — disse a mãe.
Nesse aspecto tinha razão. Assim não podia continuar. Ele já não queria.
Na altura, ele fora motivo de discussão e ficara entregue à guarda da mãe. Entregue! Podiam dizer o que quisessem. Na verdade, o lugar dele não era ali. Quando tivesse catorze anos, ia poder decidir sozinho. Ainda faltava ano e meio. Nessa altura, as coisas iam então esclarecer-se. Esclarecer as posições, como costumava dizer o pai. Sair, queria sair finalmente daquela casa tão triste e escura!
Pouco antes da Páscoa, Leo recebeu uma carta. A mãe tinha-a pousado em cima da mesa dele. Era uma carta do pai.
Queres vir fazer uma viagem a Itália comigo? — leu Leo. — Não consigo telefonar-te porque o vosso telefone está desligado. Que tal Itália? Escreve-me imediatamente.
— Sim! — berrou Leo.
Sentada atrás da máquina de escrever, a mãe assustou-se.
Leo escreveu, juntou as suas coisas e meteu tudo na mochila. Assobiava e cantarolava e já tinha a cabeça bem longe dali. Não reparava na expressão da mãe, nem no que ela estava a fazer. A mãe colocara-lhe uma escova dos dentes nova e pasta dentífrica ao lado da mochila, sabonete, toalhetes, roupa interior lavada e algumas provisões. Remexeu no armário da roupa à procura de um envelope. Dividiu o conteúdo e pôs metade das notas por baixo da saboneteira.
— Para qualquer eventualidade — disse.
— Não preciso disso — respondeu Leo.
— Nunca se sabe — opinou a mãe.
Mesmo assim, aceitou o dinheiro. Uma impressão esquisita apertava-lhe de tal forma a garganta, que nem agradeceu.
Quando saiu de casa, já não pensava nisso. Estava invadido por uma alegria efusiva, e o eléctrico, a caminho da estação do comboio, deslizava como um caracol.
Leo encontrou finalmente o pai. Só tinha olhos para ele. Atirou-se a ele e abraçou-o a rir.
— Olá, Leo! — disse o pai.
— Estou tão contente, pai!
— Também eu — respondeu o pai. — Não me trates por pai. Trata-me antes por João.
— Está bem! — gritou Leo, tão alto, que algumas pessoas se voltaram.
— Está aqui mais alguém que também vai connosco — disse o pai. — Chama-se Nora.
Leo voltou-se. Uma mulher jovem observava-o, com reserva, e deu-lhe um breve aperto de mão.
— Bom dia — disse ela, e Leo sentiu uma pontada no estômago.
— Bom dia — cumprimentou ele em voz baixa.
“Então as coisas são assim”, pensou Leo “e não como eu tinha imaginado.”
— Que caras, meninos! — exclamou o pai. — Alegrem-vos! Somos uma família!
Leo fez um sorriso forçado, mas Nora manteve-se séria.
“Pode ser que, apesar de tudo, seja agradável”, pensou Leo para se acalmar, respirando fundo.
— Como estamos de finanças, Leo? — perguntou o pai.
Leo bateu no bolso do peito e sentiu-se imediatamente mais seguro.
— Óptimo — disse o pai. — O dinheiro guardo-o eu, ou tu ainda vais perdê-lo.
De seguida, dirigiram-se ao balcão e compraram os bilhetes.
Partiram. De olhos fechados, Leo apreciava o trepidar das rodas; sonhara com a viagem de comboio, com o mar azul, com a cara risonha do pai e as brincadeiras que fariam juntos. Mas, quando estavacomacarado pai à frente dos olhos,interpôs-se-lhe a de Nora.
Leo abriu os olhos. O pai e Nora estavam sentados à sua frente, de mãos dadas e em silêncio. Mas era ele quem devia sentar-se ao lado do pai. Afinal de contas, tinha mais direito do que aquela desconhecida, que não podia saber o quanto ele tinha sofrido sem o pai.
— Já acordou — disse Nora. — Vamos, tenho fome.
Levantou-se e levou o pai com ela.
— Tens alguma coisa para comer? — perguntou o pai, apontando para a mochila de Leo.
Leo assentiu com a cabeça.
— Nós voltamos já. Toma conta da bagagem — disse o pai, dizendo-lhe adeus com a mão.
Deixaram-no e seguiram para o vagão-restaurante a rir e a tagarelar. Leo tirou as provisões da mochila. De repente, sentiu-se despido de qualquer sensação. Estava vazio. Abriu mecanicamente a lata, arranjou o pão e pegou num saquinho que tinha um pequeno papel dentro. Reconheceu a letra da mãe. SAL – estava escrito. Sentiu as orelhas a aquecer. Começou a comer sem apetite, deitou fora o lixo, mas foi incapaz de se desfazer do papelinho, que meteu no bolso do casaco junto com as moedas soltas. Depois, tentou adormecer.
Deve mesmo ter adormecido, pois, quando abriu os olhos, já era dia. O pai estava sentado à sua frente. Nora dormia com a cabeça deitada no ombro do pai. O pai sorriu a Leo.
— Já estamos quase a chegar — disse.
O hotel era à beira da praia e tinha poucos hóspedes.
Não havia ninguém na água, ainda era muito cedo. Alguns casais caminhavam pela praia de um lado para o outro, apreciando a brisa fresca; outros estavam deitados nas espreguiçadeiras, embrulhados em mantas. O pai e Nora passeavam na areia de mãos dadas, Leo seguia três passos atrás. Já era o segundo dia em que as coisas se passavam assim. Leo gostaria de ter deslizado a sua mão na mão livre do pai, mas já não era nenhuma criança pequena. Tinha vergonha e parecia‑lhe ridículo. Esperava por um sinal do pai que lhe indicasse que, finalmente, ia começar um jogo de bola, uma corrida, uma prova de esforço na água fria. Esperava em vão. Leo caminhava três passos atrás de Nora e do pai. Se eles paravam, ele parava também. Se prosseguiam, ele recomeçava. Até que Nora se virou para trás:
— Leo, não arranjas nada para fazer sozinho?
O olhar de Leo saltou de Nora para o pai. O pai olhava para o mar.
— Olha, um barco à vela! — disse.
Leo também olhou para o longe.
— Sim — disse Leo em voz baixa — posso arranjar qualquer coisa para fazer. Dás-me o meu dinheiro, pai?
— Dinheiro? Não sobrou nada. Chegou à justa para o teu bilhete.
— Vou para o hotel — disse Leo.
— Vemo-nos ao jantar — disse-lhe o pai com um sorriso.
Leo voltou para trás, caminhando devagar pela praia. Assim que ficou fora do alcance da vista do pai, desatou a correr. No quarto, procurou o bilhete decomboio e um pedaço de papel. Encontrouo bilhete,masnão tinha papel. Tirou do bolso o papelinho amarrotado onde a mãe tinha escrito a palavra SAL. Espantou-o a facilidade com que agora se separava dele.
Obrigado pelo convite, escreveu ele no papel, que prendeu no espelho.
Em seguida, tirou a mochila do cubículo onde estava o seu catre e correu para a estação do comboio. O empregado do balcão explicou-lhe, por sinais, quanto faltava para chegar o comboio. Leo trancou-se no quarto de banho da estação e ficou à espera.
Assim que o comboio chegou, atravessou furtivamente o cais, como um ladrão, e saltou para uma carruagem. O comboio partiu e Leo começou a chorar. Não sabia porquê. Não sentia dor nem alegria, somente alívio. Fechou os olhos. Através das pálpebras descidas, via a paisagem a passar e ouvia o bater das rodas. Matraqueavam como a máquina de escrever da mãe. Estava com fome, mas não tinha dinheiro. As poucas moedas que trouxera mal tinham chegado para o eléctrico!
Seguiu ao acaso pelas ruas escuras, chegou a casa e viu luz nas janelas. Abriu a porta sem fazer barulho, entrou furtivamente na sala que tinha as janelas iluminadas e susteve a respiração.
Viu a máquina de escrever com uma folha de papel metida e um maço de folhas escritas. Ao lado estava a tábua de passar a ferro; por baixo, o cesto cheio de roupa e, no chão, meias de vidro e panos de várias cores. Viu a mãe a dobrar as camisas dele, a alisar, com a mão, a roupa dele. Ele estava ali, de pé, incapaz de dar mais um passo, e esperava. Deixou cair a mochila.
A mãe assustou-se. Leo olhou para a cara amedrontada da mãe, que se alegrou em seguida ao reconhecê-lo na ombreira da porta. Levantou-se, veio junto dele e observou longa e atentamente a sua cara.
— Deves estar com fome — disse, dirigindo-se para a cozinha.
— Mãe! — disse Leo.
Há muitos meses que não pronunciava esta palavra. E como o vestíbulo estava às escuras, abraçou-a.
Wilhelm Meissel
Brigitte e Wilhelm Meissel (org.)
Fernweh
Wien, Herder Verlag, 1980
(Tradução e adaptação)
  
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

Livro do Mês - Outubro 2011 - "A Turma" (François Bégadeau)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Contra todas as expectativas


O rapaz não conseguia deixar de olhar para a rapariga e de pedir mentalmente: “Vá lá, tira os olhos do livro e olha para mim!” E, de facto, nesse momento, ela ergueu a cabeça e olhou um instante pela janela, mas logo mergulhou de novo no livro que tinha no regaço.
O eléctrico deslizava com ruído pelos carris e os poucos passageiros iam sentados individualmente nos lugares duplos, à excepção de um casal de idade. Ninguém falava e apenas se ouvia uma voz mecânica, que anunciava antecipadamente o nome da paragem seguinte. O rapaz ter-se-‑ia levantado de bom grado para se sentar ao lado dela. Talvez um olhar fosse suficiente para descobrir que género de livro ela estava a ler e, munido dessa pista, rapidamente arranjaria pretexto para uma conversa.
Mas não entrou nenhum grupo de mulheres idosas a quem ele, de livre vontade, pudesse ceder o lugar. Também não sentia coragem de se levantar e de ir sentar-se no lugar vago junto dela. Portanto, não lhe restava outra opção senão dirigir-lhe o olhar e transmitir-lhe, mentalmente, todo o poder de sugestão de que era capaz. O cabelo rasta da rapariga estava desordenado e preso com um entrançado colorido. A cara, um pouco escondida pelas madeixas, era esguia e escura; quando ela ergueu a cabeça por um momento, os seus olhos irradiaram luminosidade.
“Talvez esteja a ler um livro numa língua estrangeira”, pensou ele, “e apenas se encontre aqui de visita, ou a caminho da estação”. Se assim fosse, ambos mudariam de linha no mesmo local. Ou talvez ela fosse apanhar o comboio e afastar-se centenas ou milhares de quilómetros. O rapaz inclinou-se, mas não descobriu mala alguma junto dela. O eléctrico aproximava-se da paragem sem que ela fizesse menção de se levantar. Os seus olhos percorreram furtivamente o eléctrico apenas uma vez e ele teve a impressão de que, por um momento, estiveram fixados nele. A porta abriu-se bruscamente na paragem em que ele devia sair. Contudo, ele hesitou. “E agora?”, pensou. “Se desço, não torno a vê-la, com toda a certeza. E se ficar, será que ela vai reparar em mim?”
Algumas pessoas entraram e o eléctrico encheu-se. Para não perdê‑la de vista, o rapaz moveu-se no lugar de um lado para o outro e, por fim, acabou por se sentar no lugar do lado, porque um homem magro, com um extravagante chapéu de aba larga, se sentara exactamente à sua frente, cortando-lhe a vista. A rapariga levantou os olhos do livro e olhou para ele um instante, um instante que a ele pareceu uma eternidade. A rapariga baixou novamente o olhar para o livro aberto e ele teve o prazer de voltar a observá-la, sem ter de disfarçar. De repente, ouviu-se um burburinho. Quatro skins[1] entraram de rompante no eléctrico e um deles pegou imediatamente no chapéu largo de fitas b ordadas do passageiro sentado à frente do rapaz e pô-lo na cabeça, para gáudio dos amigos.
Quando os companheiros lhe pediram o chapéu, ele fê-lo voar pelo eléctrico e gritou:
— Agarrem-no!
Um dos rapazes apanhou o chapéu e o jogo continuou, até que o entusiasmo esmoreceu e o chapéu acabou por ficar caído no chão. O dono não fez qualquer menção de pôr fim ao abuso. A princípio, ainda se esforçara por seguir com os olhos o voo do chapéu de feltro mas, quando viu o quão estragado estava, encolheu a cabeça entre os colarinhos subidos do casaco.
O jovem observador tentou passar despercebido. O divertimento parecia ter acabado para o bando de skins e as gargalhadas, ainda há pouco sonoras, diminuíram. O chapéu continuava no chão, sem que nenhum dos passageiros se baixasse para o apanhar. Todos evitavam mexer-se para não serem notados pelo bando de “cabeças rapadas”.
As portas do eléctrico abriram-se de rompante na paragem seguinte. Sem se fazer notado, o homem do chapéu carregara no botão de abertura da porta para, de um salto, poder sair do eléctrico. O rapaz encontrava-se agora bastante desprotegido, porque estava sentado mesmo diante do bando. Entretanto, os passageiros tinham-se dispersado. A rapariga, não querendo atrair atenções, tinha os olhos literalmente colados às páginas do livro. De repente, um sonoro “Olá!” rasgou o silêncio geral forçado e um dos skins arrancou o livro da mão da rapariga.
— O que é que esta preta está a ler? — gritou, atirando o livro a outro “cabeça rapada”, que o agarrou e disse, depois de lançar uma olhadela ao título:
— Psicocaca. Nem dá para usar na sanita!
O livro foi depois ter com o homem pálido e franzino que vestia calças de montar pretas e uma camisa preta e que, ao contrário dos outros, tinha um corte de cabelo normal.
— Vamos tratar agora desta! — disse um deles, de repente, dirigindo-se para junto da rapariga de cor, acompanhado por um companheiro.
O rapaz não conseguia perceber a intenção deles. Estavam em frente da rapariga e tapavam-na com o corpo. Calculava que tentariam apalpá-la. De qualquer forma, era óbvio que tinha de a socorrer. Enquanto observava os indivíduos que, juntamente com o homem franzino, eram cinco, o rapaz reflectia. Tinha ouvido muitas vezes dizer que aquele tipo de gente não tinha pejo em acabar com as pessoas de quem não gostava e que, em situações idênticas, não era raro atirarem-nas dos eléctricos em andamento. Os olhos do jovem procuraram os do homem franzino. Este olhava fixamente na direcção oposta, como se soubesse que alguém gritaria em breve. E, de facto, a rapariga gritou:
— Tira as patas! Porcos!
O jovem assustou-se. “Agora tenho de agir!”, disse para si. E os seus olhos voltaram a procurar os do homem franzino. Um dos rapazes que incomodava a rapariga gritou para o grupo:
— Segurem aqui nas patas da idiota desta preta, que não consegue estar quieta!
Outros skins acorreram a ajudar os companheiros. O rapaz levantou‑se, mas sentiu imediatamente uma pressão que o fez sentar-se no lugar.
— Não vais ser palerma a ponto de ir ajudar aquele pedaço de lixo, pois não?
O jovem fitou a cara pálida do homem que fizera a pergunta e que o olhava de forma impenetrável. Depois, olhou em volta, em busca de ajuda. Atrás dele, duas mulheres dirigiam para fora o olhar cansado e, junto do indivíduo franzino, ia sentado, sozinho, um homem dos seus trinta anos, de ombros bastante largos, que não fazia caso algum da rapariga, que necessitava de ajuda imediata, limitando-se a olhar fixamente o vazio. O rapaz não aguentou mais e esticou o braço na direcção do botão de emergência. “Depressa, antes que algum deles me veja. O condutor vai ter de intervir e chamar a polícia”, pensou.
O homem franzino bateu-lhe na mão esticada com a lombada do livro e disse:
— Se fizeres isso, eles partem-te os ossos todos.
Naquele momento, ouviu-se um soluço e um dos indivíduos agitou um sutiã de renda como se fosse um troféu. O rapaz não aguentou mais tempo sentado. Puxou pelo braço de um dos skinheads, arregaçou-lhe a manga do blusão e gritou, numa voz cortante:
— Alto! Larguem a rapariga! Se não pararem imediatamente, eu mordo este braço e olhem que eu tenho SIDA!
O skinhead atarracado a quem o braço pertencia não se atreveu a mexer-se e o suor começou a escorrer-lhe pela testa, porque o rapaz não deixara qualquer dúvida de que lhe cravaria mesmo os dentes no braço. Os outros três recuaram um pouco e soltaram a rapariga. Quando o eléctrico parou e a porta se abriu, um dos três disse:
— Vamos mas é embora. Não gosto da preta. De certeza que também não está limpa.
— Tens razão — sibilou um dos outros.
Os dois restantes esforçaram-se por não deixar transparecer alívio.
— E agora? — perguntou o “cabeça rapada” cujo braço o rapaz ainda mantinha sequestrado.
— Primeiro saem os outros, e tu sais em último! — ordenou ele.
Os outros três saltaram antes que as portas automáticas voltassem a fechar-se e o franzino, parando no limiar da porta, cuspiu uma ameaça:
— Ainda vamos apanhar-te, cão!
Quando o condutor deu sinal de que ia fechar a porta, o rapaz empurrou o skinhead atarracado para a rua. O eléctrico fechou-se e um dos cinco bateu com a bota contra a porta. O rapaz respirou de alívio quando o eléctrico se pôs em andamento. De repente, as duas mulheres mais velhas começaram a aplaudir e os restantes passageiros imitaram-‑nas.
— Admirável! Foi admirável, jovem!
— Estupendo! É um herói!
Todos, à excepção da rapariga, voltaram a aplaudir fortemente.
O rapaz estava de pé ao lado da rapariga, que enfiava o sutiã numa mochila pequena e não sabia o que dizer. Embora pudesse sentar-se agora ao lado dela, ficou de pé. A rapariga apertou a blusa, desviando o olhar.
Quando, finalmente, o rapaz fez menção de se sentar, ela afastou-se dele, perguntando:
— Tens mesmo SIDA?
O rapaz encolheu os ombros, olhou para ela e fez um sinal afirmativo com a cabeça.

Ralph Grüneberger
Karlhans Frank (org.)
Menschen sind Menschen. Überal.
München, C. Bertelsmann Verlag, 2002
(Tradução e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias
[1] “Skin” é a abreviatura do termo inglês “skinhead”, que significa “cabeça rapada”. (N.T)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Prémio Nobel da Literatura 2011 - Tomas Tranströmer

O Prémio Nobel da Literatura 2011 foi atribuído a Tomas Tranströmer, anunciou esta quinta-feira a Academia Sueca, em Estocolmo. É o sétimo autor sueco a ser premiado pela Academia.

O poeta, de 80 anos, ganhou devido às suas «imagens translúcidas», que nos deram um «novo acesso à realidade», justificou a Academia, que desde 1996 não entregava o prémio a um poeta.

O prémio tem o valor monetário de dez milhões de coroas suecas, cerca de 1,1 milhões de euros. A cerimónia de entrega dos Prémios Nobel 2011 realiza-se no próximo dia 10 de Dezembro, na capital sueca.

Na edição anterior, em 2010, o Nobel da Literatura distinguiu o escritor de origem peruana Mário Vargas Llosa, autor de «Conversa n'A Catedral» e de «Guerra do Fim do Mundo».

Tranströmer, o poeta do surreal
O poeta sueco é também psicólogo (formado pela Universidade de Estocolmo, em 1956, e clínico até 1990) e tradutor. A sua obra ocupou um lugar de destaque na literatura dos anos 1950. De acordo com a nota da Academia dos Prémios Nobel, será o mais conhecido poeta escandinavo da actualidade para os falantes de língua inglesa.

A maior parte da sua obra está escrita em verso livre, apesar de ter feito também experiências com linguagem métrica.

O seu universo literário descreve um imaginário de magia, onde o surreal é traduzido pela poesia. A sua obra está traduzida em mais de 60 línguas. Tranströmer não tem obra traduzida em português. No entanto, está representado na coletânea «21 poetas suecos», editada pela Vega, em 1981. Neste livro escreveu poemas sobre o Funchal e Lisboa.

Tomas Tranströmer nasceu em Estocolmo em 1931. Filho de um jornalista que se divorciou da mãe, professora, quando ainda era pequeno. Por ter vivido com a mãe, teve muito pouco contacto com o pai, refere a nota biográfica divulgada pela Academia do Prémio Nobel.

Na sua infância, passou muitos Verões na ilha de Runmarö, o que veio a inspirar directamente a matriz dos seus poemas.

Os interesses de Tomas Tranströmer passaram pela pintura e pela música, mas também pela arqueologia e ciências naturais em geral.

O galardoado começou cedo a escrever, tinha 13 anos e andava na escola de latim Södra. Foi influenciado pelas leituras de poesia, género que começou a apreciar.

O primeiro livro foi publicado quando tinha 23 anos («17 dikter» - «17 Poemas», 1954). Os seus poemas são construídos a partir da sua própria experiência, das percepções psicológicas e interpretações metafísicas do seu mundo.

Em 1997, a cidade operária de Vaesteraas, onde viveu 30 anos, antes de regressar a Estocolmo nos anos 1990, criou o Prémio Transtroemer.

Em 1990 Tranströmer sofreu um acidente vascular cerebral que lhe afectou a fala, deixando-o parcialmente afásico e hemiplégico.

Vive actualmente numa ilha e continuou a escrever, tendo desde então publicado três obras. Ao todo tem cerca de 15 obras numa longa carreira dedicada à escrita e venceu numerosos prémios literários, como o Prémio Literário do Conselho Nórdico, em 1990.

A primeira obra que publicou após o AVC, seis anos depois, é um livro de poemas intitulado «A Gôndola Mágoa», que vendeu 30 mil exemplares, um número incomum em matéria de poesia.

Alguns livros publicados pelo poeta sueco:
«17 dikter» (1954) - «Seventeen Poems»
«Hemligheter på vägen» (1958)
«Den halvfärdiga himlen» (1962) - «The Half-Finished Heaven»
«Klanger och spar» (1966) - «Windows and Stones»
«Mörkerseende» (1970) - «Night Vision»
«Stigar» (1973) - «Paths»
«Östersjöar» (1974) - «Baltics»
«Sanningsbarriären» (1978)
«Det vilda torget» (1983)
«För levande och död» (1989) - «For the Living and the Dead»
«Sorgegondolen» (1996)
«Den stora gåtan» (2004)
«Galleriet: Reflected in Vecka nr.II» (2007)- um livro artistic por Modhir Ahmed
Fonte e mais informação

Outubro - Mês Internacional das Bibliotecas Escolares

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Proclamação e implantação da República Portuguesa



A implantação da República Portuguesa foi o resultado de um golpe de estado organizado pelo Partido Republicano Português que, no dia 5 de Outubro de 1910, destituiu a monarquia constitucional e implantou um regime republicano em Portugal.

A subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, os gastos da família real, o poder da igreja, a instabilidade política e social, o sistema de alternância de dois partidos no poder (os progressistas e os regeneradores), a ditadura de João Franco, a aparente incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e se adaptar à modernidade — tudo contribuiu para um inexorável processo de erosão da monarquia portuguesa do qual os defensores da república, particularmente o Partido Republicano, souberam tirar o melhor proveito. Por contraponto, o partido republicano apresentava-se como o único que tinha um programa capaz de devolver ao país o prestígio perdido e colocar Portugal na senda do progresso.

Após a relutância do exército em combater os cerca de dois mil soldados e marinheiros revoltosos entre 3 e 4 de Outubro de 1910, a República foi proclamada às 9 horas da manhã do dia seguinte da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa. Após a revolução, um governo provisório chefiado por Teófilo Braga dirigiu os destinos do país até à aprovação da Constituição de 1911que deu início à Primeira República. Entre outras mudanças, com a implantação da república, foram substituídos os símbolos nacionais: o hino nacional e a bandeira.

Da proclamação da República Portuguesa ao fim do Estado Novo
Na noite de 4 para 5 de Outubro de 1910 eclodiu em Lisboa um movimento revolucionário, que culminaria com a proclamação da República em Portugal. O rei D. Manuel II, que nessa noite oferecera um banquete em honra do Presidente da República do Brasil (Dr. Afonso Pena), no Palácio das Necessidades (hoje Ministério dos Negócios Estrangeiros). Foi aí que o monarca português foi surpreendido pelo inesperado acontecimento. Enquanto o ilustre visitante, assustado com o tiroteio, corria a refugiar-se no seu navio São Paulo, o rei permaneceu no palácio, procurando entrar em contacto com o seu Governo. Foi então que soube que diversos regimentos, entre eles, o de Artilharia 1, tinham aderido já ao movimento. No Regimento de Infantaria 16, havia também alguns aderentes que, abrindo as portas aos civis e matando o coronel Pedro Celestino da Costa e o capitão Barros, acabaram por sair para a rua, dando vivas à república, e dirigindo-se a Artilharia 1, onde o povo também entrara. Este regimento fora o centro da revolução, que se estendia agora ao Bairro de Alcântara. Um grupo de civis, dirigiu-se para o Quartel da Marinha, quase em frente do Palácio das Necessidades, onde os marinheiros aguardavam os civis, tendo o comandante do corpo de marinheiros sido ferido, ao tentar, em vão, evitar a rebelião. Entretanto, os membros da comissão revolucionária estavam reunidos em casa de Inocêncio Camacho. A revolução estalava por todos os lados, tanto nos regimentos como na rua.
Muitos civis armados batiam-se corajosamente. Do lado do Governo, tudo era indecisões, não tomando medidas concretas. Apenas o capitão Paiva Couceiro, com os seus soldados, aparecia a dar combate aos revoltosos. O tiroteio continuava, cada vez mais vivo. O Governo, desorientado, pediu pelo telefone a D. Manuel II que retirasse para Mafra, onde se lhe juntou, no dia seguinte, a rainha-mãe, D. Amélia de Orleães e Bragança, que estava no Palácio da Pena, em Sintra. Às duas horas da tarde, chegou a Mafra a notícia da proclamação da República em Lisboa e a constituição do governo provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga. A revolução republicana triunfara. A Família Real dirigiu-se para a Ericeira e embarcou para Gibraltar onde um barco de guerra inglês os transportou até ao exílio, em Inglaterra.

A revolução correu todo o País e, dentro em pouco, sem grandes resistências, a República era proclamada em todas as capitais de distrito.
Tudo começou e precipitou-se no reinado de D. Carlos.
No sistema governativo que o liberalismo havia implantado em Portugal, o "rei reinava mas não governava". O poder legislativo, representado pelo Parlamento, dominava o poder executivo e reduziu ao rei a simples chefe da Nação, mas chefe sem iniciativa. O seu papel limitava-se a chamar os ministros ao poder, de harmonia com as indicações parlamentares. As lutas partidárias haviam, porém, comprometido o regime e lançado sobre ele o descrédito, visto que os partidos, envolvidos em contendas, cuidavam mais dos seus interesses do que dos interesses de Portugal e não tomavam as medidas que o país exigia. O rei D. Carlos, que via com desgosto esta situação, resolveu intervir e entrar no caminho das reformas que lhe pareciam urgentes. Para isso fechou o Parlamento e chamou ao poder João Franco, que se solidarizou com ele e iniciou a luta contra as instituições parlamentares. Os primeiros decretos ditatoriais, apesar da sua importância, provocaram ataques violentos contra o Governo. Os partidos, afastados do poder, iniciaram uma verdadeira luta contra a ditadura franquista, enquanto os republicanos, favorecidos pela situação, aproveitavam o momento para conquistar novos adeptos entre os descontentes.


Os ódios avolumaram-se e levaram a uma conjura revolucionária em 28 de Janeiro de 1908. Esta conjura foi descoberta pela polícia, que prendeu numerosos republicanos de vulto. O desespero dos vencidos extravasou e arrastou-os a uma acção hedionda. No dia 1 de Fevereiro desse ano, quando a Família Real desembarcava no Terreiro do Paço (Lisboa), vinda de Vila Viçosa (Alentejo), o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, foram abatidos por um grupo de criminosos, que ainda feriram também o infante D. Manuel (mais tarde rei). Este crime monstruoso interrompeu bruscamente o reinado de D. Carlos I, tão glorioso nos faustos nacionais.

Subiu então ao trono o infante D. Manuel, na altura apenas com 19 anos e que nunca sonhara vir a ser rei. Sem experiência política, aceitou a solução que lhe foi imposta, demitiu João Franco e organizou um ministério de concentração, com homens pertencentes a todos os partidos. Os ministros, porém, não deram importância às eleições que se realizaram. O resultado foi dividirem-se as opiniões, com o que ganharam apenas os republicanos, que enviaram ao Parlamento numerosos deputados. Renovaram-se as lutas partidárias e voltou-se à situação anterior. A administração do país tornou-se cada vez mais precária, a anarquia mais intensa, a desorganização mais clara e deplorável. D. Manuel II procurou, em vão, deter a derrocada que ameaçava a Monarquia. E como o problema social se agravara, tentou melhorar a situação dos operários, pensou na criação de uma Repartição do Trabalho, chamou a Portugal o sociólogo Leão Poindard para estudar a vida do país e propor as medidas a adoptar. Estas iniciativas e outras a que se consagrou não acalmaram os espíritos nem diminuíram o mal-estar da sociedade portuguesa. Os republicanos intensificaram a propaganda, multiplicaram as sociedades secretas, conquistaram adeptos nos meios militares e civis, compraram armamento e prepararam-se para a revolução.

No dia 5 de Novembro de 1910 foi implantada a República Portuguesa


Governo Provisório
Proclamada a República no dia 5 de Outubro de 1910, foi organizado um governo Provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga, que tinha atribuições de Chefe de Estado. Desse ministério faziam parte: Bernardino Machado, António José de Almeida, Afonso Costa, Correia Barreto, Basílio Teles, Azevedo Gomes e António Luís Gomes.
As raízes do republicanismo português, encontram-se já na corrente esquerdista das Cortes Gerais de 1820, e depois, com progressiva evidência, na ideologia setembrista e na Patuleia, tendo por ideia-base o governo pelo e para o povo. Resultou essencialmente, da frustração em relação em relação à política dos monárquicos constitucionais e à sua relutância em levar a cabo medidas inovadoras por receio de que isso pusesse em causa os interesses que detinham. Em 1820 muitos políticos e intelectuais portugueses consideraram, por isso, que só a concretização dos ideais republicanos viabilizaria as mudanças necessárias. Tal perspectiva saiu reforçada com a implantação da República em Espanha, em 1868 e em França em 1870, com a Comuna de Paris em 1871, as lutas entre os partidários da monarquia e a divulgação de ideias socialistas. Depois das primeiras tentativas, nos anos 70, de formação de um partido republicano, só em 1880 se unem as várias tendências e se publica o primeiro programa do então chamado Partido Republicano Unitário. As comemorações do 3º centenário da morte de Camões em 1880 irão ter um papel fundamental na expansão do republicanismo e na consolidação do seu ideário expresso na publicação do manifesto-programa que irá vigorar até à implantação da República.
O derrube da Monarquia, iminente desde 1906, e apesar do fracasso de 1908, viria a resultar do empenho dos chefes do Partido Republicano, sempre à frente dos acontecimentos e da iniciativa política, da Maçonaria e da Carbonária, com pelo menos a conivência dos dissidentes progressistas. António José de Almeida, Afonso Costa e Bernardino Machado estiveram na sua direcção política; Luz de Almeida, António Maria da Silva e Machado Santos, na agitação civil; Cândido dos Reis, Machado Santos e Miguel Bombarda na acção militar, tendo o primeiro assumido a chefia e despoletado os acontecimentos de 4 de Outubro de 1910 – a dada altura da luta, julgando a causa perdida, suicidou-se. Machado Santos, crente no crescente apoio popular, na medida da sua resistência às forças monárquicas fragilizadas, entrincheirou-se na Rotunda com os seus poucos homens, acabando por sair vencedor. José Relvas proclamou às nove horas da manhã de 5 de Outubro de 1910, do edifício dos Paços do Concelho de Lisboa.

Portugal é uma República, cuja soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na respectiva Constituição. Os órgãos de soberania da República Portuguesa são o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.

As lutas políticas que se seguiram à proclamação da República produziram grande intranquilidade na sociedade portuguesa. Em Janeiro de 1915, por causa da transferência de certos membros do exército, a oficialidade de Lisboa, protestou e entregou as espadas ao Presidente da República. Passados dias, o general Pimenta de Castro constituiu um ministério quase todo composto de militares e inaugurou um governo de ditadura, de acordo com o Presidente, Dr. Manuel de Arriaga. Mas os partidos, vendo-se afastados do poder, fizeram em 14 de Maio uma revolução e triunfaram e, o Dr. Manuel de Arriaga foi forçado a resignar.

Em 5 de Dezembro de 1917, o major Sidónio Pais, antigo professor da Universidade de Coimbra e ministro de Portugal em Berlim, após uma revolução vitoriosa, constituiu um governo conservador, e, pouco depois, foi eleito Presidente da República. Desejoso de pacificar a família portuguesa e acabar com a desordem política, tomou medidas notáveis de governo e reprimiu a anarquia administrativa.
Estas providências não fizeram desaparecer os ódios partidários, ódios que tiveram como desfecho o assassinato de Sidónio Pais, no dia 14 de Dezembro de 1919, na Estação do Rossio, em Lisboa.
Depois deste acontecimento, os partidos políticos voltaram ao poder, mas não conseguiram evitar a continuação das desordens nas ruas, no Parlamento, nos serviços administrativos.
 No dia 28 de Maio de 1926, rebentou em Braga um novo movimento revolucionário, dirigido pelo general Gomes da Costa, que se propunha terminar com as lutas políticas que perturbavam a vida da Nação.
Este movimento teve apoio unânime das forças de terra e mar, alastrou por todo o País e terminou por uma vitória retumbante, coroada pela entrada triunfal de Gomes da Costa em Lisboa. Instituiu-se um governo nacional e começou um novo período da República.

Em 25 de Dezembro de 1928, o marechal Óscar Carmona, chefe do governo desde de Julho de 1926, foi eleito Presidente da República. Em 27 de Abril do mesmo ano, tomou posse de ministro das Finanças o Dr. Oliveira Salazar (professor da Universidade de Coimbra). Estes dois homens criam o chamado Estado Novo, que na opinião de Salazar: “(…) estabelece a paz, assegura firmemente a ordem, saneia a atmosfera moral, cerca de dignidade a acção política, firma o crédito do Estado”.

A Constituição de 1933: “ (…) Nação portuguesa constitui um Estado independente, cuja soberania só reconhece como limites, na ordem interna, a moral e o direito, e na internacional, os que derivam das convenções ou tratados livremente celebrados ou do direito consuetudinário livremente aceite. A soberania reside em Nação e tem por órgãos o Chefe de Estado, a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribunais.

O Chefe de Estado é o Presidente da República, eleito por sete anos, pela Nação. Compete-lhe: - Nomear e demitir o Presidente do Conselho e os ministros; marcar o dia para as eleições; convocar e dissolver a Assembleia Nacional; promulgar e fazer publicar as leis; etc.

À Assembleia Nacional, composta de deputados eleitos por quatro anos, compete fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las; tomar as contas respeitantes a cada ano económico; aprovar as convenções internacionais; etc. Tem como órgão auxiliar a Câmara Corporativa, composta por técnicos especializados nos diversos serviços, os quais devem dar parecer sobre todas a propostas e projectos de lei que forem apresentados à Assembleia Nacional.

O Governo, constituído pelo Presidente do Conselho e ministros, referenda os actos do Presidente da República, faz decretos-lei, superintende no conjunto da administração pública, etc.

Os Tribunais são compostos por juízes irresponsáveis nos seus julgamentos.

Nesta Constituição foi integrado o Acto Colonial, que regula a administração das províncias ultramarinas, define direitos e garantias dos indígenas, trata da economia e finanças das colónias, etc.

Óscar Carmona, confiou plenos poderes a Salazar, que foi senhor absoluto do País de 1932 a 1968. Desenvolveu um planeamento económico que não resolveu o problema social – a imigração dos trabalhadores portugueses acelerou-se a partir de 1960 – e reduziu ao silêncio toda a oposição política.

A partir de 1959, sobretudo, sinais mais fortes de descontentamento passaram a manifestar-se, embora toda a tentativa de rebelião fosse impiedosamente esmagada. Por outro lado, enquanto as potências coloniais davam início à descolonização do seu império, Portugal, com Salazar, permaneceu apegado ao seu império de além-mar, em grande parte africano. Dois anos antes de sua morte em 1970, doente, Salazar foi substituído por Marcelo Caetano, seu alter-ego.

Até que chegámos ao dia 24 de Abril de 1974 …