segunda-feira, 29 de junho de 2009

São Pedro (século I a.C., Betsaida, Galileia - cerca de 67 d.C., Roma)



Pedro (século I a.C.,
Betsaida, Galileia — cerca de 67 d.C., Roma) foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo, como está escrito no Novo Testamento e, mais especificamente, nos quatro Evangelhos. São Pedro foi o primeiro Bispo de Roma, sendo por isso, considerado o primeiro Papa pela Igreja Católica.

Nome e importância
Segundo a
Bíblia, seu nome original não era Pedro, mas Simão. Nos livros dos Actos dos Apóstolos e na Segunda Epístola de Pedro, aparece ainda uma variante do seu nome original, Simeão. Cristo mudou seu nome para כיפא, Kepha, que em aramaico significa "pedra", "rocha", nome este que foi traduzido para o grego como Πέτρος, Petros, através da palavra πέτρα, petra, que também significa "pedra" ou "rocha", e posteriormente passou para o latim como Petrus, também através da palavra petra, de mesmo significado.
A mudança de seu nome por Jesus Cristo, bem como seu significado, ganham importância de acordo com Igreja Católica em Mt 16, 18, quando Jesus diz: "E eu te declaro: tu és Kepha e sobre esta kepha edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão nunca contra ela." Jesus comparava Simão à rocha. Pedro foi o fundador, junto com
São Paulo, da Igreja de Roma (a Santa Sé), sendo-lhe concedido o título de Príncipe dos Apóstolos e primeiro Papa (um tanto anacronicamente, visto que tal designação só começaria a ser usada cerca de dois séculos mais tarde – Pedro foi o primeiro Bispo de Roma); essa circunstância é importante, pois daí provém a primazia do Papa sobre toda a Igreja Católica.

Dados biográficos
Antes de se tornar um dos doze discípulos de Cristo, Simão era pescador. Teria nascido em Betsaida e morava em
Cafarnaum. Era filho de um homem chamado João.
Segundo o relato no
Evangelho de São Lucas, Pedro teria conhecido Jesus quando este lhe pediu que utilizasse uma das suas barcas, de forma a poder pregar a uma multidão de gente que o queria ouvir. Pedro, que estava a lavar redes com São Tiago e João, seus sócios, concedeu-lhe o lugar na barca que foi afastada um pouco da margem.
No final da pregação, Jesus disse a Simão que fosse pescar de novo com as redes em águas mais profundas. Pedro disse-lhe que tentara em vão pescar durante toda a noite e nada conseguira mas, em atenção ao seu pedido, fá-lo-ia. O resultado foi uma pescaria de tal monta que as redes iam rebentando, sendo necessária a ajuda da barca dos seus dois sócios, que também quase se afundava puxando os peixes. Numa atitude de humildade e espanto Pedro prostrou-se perante Jesus e disse para que se afastasse dele, já que é um pecador. Jesus encorajou-o, então, a segui-lo, dizendo que o tornará "pescador de homens".
Nos Evangelhos Sinóticos o nome de Pedro sempre encabeça a lista dos discípulos de Jesus, o que na interpretação da Igreja Católica Romana deixa transparecer um lugar de primazia sobre o Colégio Apostólico. Não se descarta que
Pedro, assim como seu irmão André, antes de seguir Jesus, tenha sido discípulo de João Batista.
Outro dado interessante era a estreita amizade entre
Pedro e João Evangelista, fato atestado em todos os evangelhos, como por exemplo, na Última Ceia, quando pergunta ao Mestre, através do Discípulo Amado, quem o haveria de trair ou quando ambos encontram o sepulcro de Cristo vazio no Domingo de Páscoa. Fato é que tal amizade perdurou até mesmo após a Ascensão de Jesus, como podemos constatar na cena da cura de um paralítico posto nas portas do Templo de Jerusalém.
Segundo a tradição defendida pela Igreja Católica Romana, o apóstolo Pedro, depois de ter exercido o episcopado em Antioquia, teria se tornado o primeiro Bispo de Roma. Segundo esta tradição, depois de solto da prisão em Jerusalém, o apóstolo teria viajado até
Roma e aí permanecido até ser expulso com os judeus e cristãos pelo imperador Cláudio, época em que haveria voltado a Jerusalém para participar da reunião de apóstolos sobre os rituais judeus no chamado Concílio de Jerusalém. A Bíblia atesta que após esta reunião, Pedro ficou em Antioquia (como o seu companheiro de ministério, Paulo, afirma em sua carta aos gálatas. A tradição da Igreja Católica Romana afirma que depois de passar por várias cidades, Pedro haveria sido martirizado em Roma entre 64 e 67 d.C. Desde a Reforma, teólogos e historiadores protestantes afirmaram que Pedro não teria ido a Roma, esta tese foi defendida mais proeminentemente por Ferdinand Christian Baur da Escola Tübingen. Outros, como Heinrich Dressel, em 1872, declararam que Pedro teria sido enterrado em Alexandria, no Egipto ou em Antioquia. Hoje, porém os historiadores concordam que Pedro realmente viveu e morreu em Roma. O historiador luterano Adolf Harnack afirmou, que as teses anteriores foram tendenciosas e prejudicaram o estudo sobre a vida de São Pedro em Roma. Sua vida continua sendo objecto de investigação, mas o seu túmulo está localizado na Basílica de São Pedro no Vaticano, o qual foi descoberto em 1950 após anos de meticulosa investigação.


O primado de Pedro segundo a Igreja Católica
Toda a primeira parte do Evangelho gira em torno da pergunta: quem é Jesus? Simão foi o primeiro dos discípulos a responder essa pergunta: Jesus é o filho de Deus. É esse acontecimento que leva Jesus a chamá-lo de Pedro.
Encontramos o relato do evento no
Evangelho de São Mateus, 16:13-19: Jesus pergunta aos seus discípulos (depois de se informar do que sobre ele corria entre o povo): "E vós, quem pensais que sou eu?".
Simão Pedro, respondendo, disse: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Jesus respondeu-lhe: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim Meu Pai que está nos céus. Também Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei Minha Igreja, e as portas de Hades nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as
chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus. E o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 16:19).
O
Evangelho de João, bem como o de Lucas, também falam a respeito do primado de Pedro dever ser exercido particularmente na ordem da Fé, e que Cristo o torna chefe: Jesus disse a Simão (Pedro): "Simão, filho de João, tu Me amas mais do que estes? "Ele lhe respondeu: "Sim, Senhor, tu sabes que te amo". Jesus lhe disse: "Apascenta Meus cordeiros". Segunda vez disse-lhe: "Simão filho de João, tu Me amas? - "Sim, Senhor”, disse ele, “tu sabes que te amo". Disse-lhe Jesus: "Apascenta Minhas ovelhas". Pela terceira vez lhe disse: "Simão filho de João, tu Me amas? Entristeceu-se Pedro porque pela terceira vez lhe perguntara “Tu Me amas?” e lhe disse: "Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que te amo". Jesus lhe disse: "Apascenta Minhas ovelhas.
Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; Eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos.
Mais do que em Mt 16, 17:19 esse texto é mais claro no que se refere ao primado que Cristo confere a Pedro no próprio seio dos apóstolos; um papel de direcção na Fé.

O apóstolo Pedro, o primeiro Bispo de Roma
A comunidade de Roma foi fundada e evangelizada pelos apóstolos Pedro e Paulo e é considerada a única comunidade cristã do mundo fundada por mais de um apóstolo e a única do Ocidente instituída por um deles. Por esta razão desde a antiguidade a comunidade de Roma (chamada actualmente de
Santa Sé pelos católicos) teve o primado sobre todas as outras comunidades locais (dioceses); nessa visão o ministério de Pedro continua sendo exercido até hoje pelo Bispo de Roma, assim como o ministério dos outros apóstolos é cumprido pelos outros Bispos unidos a ele, que é a cabeça do colégio apostólico, do colégio episcopal. A sucessão de Pedro começou com São Lino (67) e, actualmente é exercida pelo papa Bento XVI.
Segundo essa visão, o próprio apóstolo Pedro atestou que exerceu o seu ministério em Roma ao concluir a sua primeira epístola: "A [Igreja] que está em Babilónia, eleita como vós, vos saúda, como também Marcos, meu filho.” Trata-se da
Igreja de Roma. Assim também o interpretaram todos os autores desde a Antiguidade, como abaixo, como sendo a Roma Imperial (decadente). O termo não pode referir-se à Babilónia sobre o Eufrates, que jazia em ruínas ou à Nova Babilónia (Selêucia) sobre o rio Tigre, ou à Babilónia Egípcia cerca de Mênfis, tampouco a Jerusalém; deve, portanto referir-se a Roma, a única cidade que é chamada Babilónia pela antiga literatura Cristã.
Os historiadores actualmente acreditam que a tradição católica está correcta, igualmente muitas tradições antigas corroboram com a versão de que Pedro esteve em Roma e que ali teria sido martirizado:
· Assim nos refere o bispo Dionísio de Corinto, em extracto de uma de suas cartas aos romanos (
170):
"Tendo vindo ambos a
Corinto, os dois apóstolos Pedro e Paulo nos formaram na doutrina evangélica. A seguir, indo para a Itália, eles vos transmitiram os mesmos ensinamentos e, por fim, sofreram o martírio simultaneamente."
· Gaio, presbítero romano, em 199:
"Nós aqui em Roma temos algo melhor do que o túmulo de Filipe. Possuímos os troféus dos apóstolos fundadores desta Igreja local. Vai à Via Óstia e lá encontrareis o troféu de Paulo; vai ao
Vaticano e lá vereis o troféu de Pedro."
Gaio dirigiu-se nos seguintes termos a um grupo de hereges: "Posso mostrar-vos os troféus (túmulos) dos Apóstolos. Caso queirais ir ao Vaticano ou à Via Ostiense, lá encontrareis os troféus daqueles que fundaram esta Igreja."
·
Orígenes (185-253) responsável pela Escola catequética em Alexandria afirmou:
"Pedro, ao ser martirizado em Roma, pediu e obteve fosse crucificado de cabeça para baixo"
"Pedro, finalmente tendo ido para Roma, lá foi crucificado de cabeça para baixo."
·
Ireneu (130 - 202), Bispo de Lião (actual Turquia) referiu:
"Para a maior e mais antiga a mais famosa Igreja, fundada pelos dois mais gloriosos Apóstolos, Pedro e Paulo." e ainda "Os bem-aventurados Apóstolos portanto, fundando e instituindo a Igreja, entregaram a
Lino o cargo de administrá-la como bispo; a este sucedeu Anacleto; depois dele, em terceiro lugar a partir dos Apóstolos, Clemente recebeu o episcopado."
"
Mateus, achando-se entre os hebreus, escreveu o Evangelho na língua deles, enquanto Pedro e Paulo evangelizavam em Roma e aí fundavam a Igreja."
· Formado como jurista
Tertuliano (155-222 d.C.) falou da morte de Pedro em Roma:
"A Igreja também dos romanos publica - isto é, demonstra por instrumentos públicos e provas - que Clemente foi ordenado por Pedro."
"Feliz Igreja, na qual os Apóstolos verteram seu sangue por sua doutrina integral!" - e falando da Igreja Romana, "onde a paixão de Pedro se fez como a paixão do Senhor."
"Nero foi o primeiro a banhar no sangue o berço da fé. Pedro então, segundo a promessa de Cristo, foi por outrem cingido quando o suspenderam na Cruz."
·
Eusébio (263-340 d.C.) Bispo de Cesáreia, escreveu muitas obras de teologia, exegese, apologética, mas a sua obra mais importante foi a História Eclesiástica, onde ele narra a história da Igreja das origens até 303. Refere-se ao ministério exercido por Pedro:
"Pedro, de nacionalidade
galileia, o primeiro pontífice dos cristãos, tendo inicialmente fundado a Igreja de Antioquia, se dirige a Roma, onde, pregando o Evangelho, continua vinte e cinco anos Bispo da mesma cidade."
·
Epifânio (315-403 d.C.), Bispo de Constância (também foi Bispo de Salamina e Metropolita do Chipre) fala da sucessão dos Bispos de Roma:
"A sucessão de Bispos em Roma é nesta ordem: Pedro e Paulo, Lino,
Cleto, Clemente etc..."
· Doroteu:
"Lino foi Bispo de Roma após o seu primeiro guia, Pedro."
·
Optato de Milevo:
"Você não pode negar que sabe que na cidade de Roma a cadeira episcopal foi primeiro investida por Pedro, na qual Pedro, cabeça dos Apóstolos, a ocupou."
·
Cipriano (martirizado em 258), Bispo de Cartago (norte da África), escreveu a obra "A Unidade da Igreja" (De Ecclesiae Unitate), onde diz:
"A cátedra de Roma é a cátedra de Pedro, a Igreja principal, de onde se origina a unidade sacerdotal."
·
Santo Agostinho (354-430):
"A Pedro sucedeu Lino."


Os textos escritos pelo apóstolo
O
Novo Testamento inclui duas epístolas cuja autoria é atribuída a Pedro: A "Primeira epístola de São Pedro e a Segunda epístola de São Pedro.

Indícios arqueológicos
A partir da década de 1950 intensificaram-se as escavações no subsolo da
Basílica de São Pedro, lugar tradicionalmente reconhecido como provável túmulo do apóstolo e próximo de seu martírio no muro central do Circo de Nero. Após extenuantes e cuidadosos trabalhos, inclusive com remoção de toneladas de terra que datava do corte da Colina Vaticana para a terraplanagem da construção da primeira basílica na época de Constantino, a equipe chefiada pela arqueóloga italiana Margherita Guarducci encontrou o que seria uma necrópole atribuída a São Pedro, inclusive uma parede repleta de grafitos com a expressão Petrós Ení, que, em grego, significa "Pedro está aqui".
Também foram encontrados, em um nicho, fragmentos de ossos de um homem robusto e idoso, entre 60-70 anos, envoltos em restos de tecido púrpura com fios de ouro que se acredita, com muita probabilidade, serem de São Pedro. A data real do martírio, de acordo com um cruzamento de datas feito pela arqueóloga, seria 13 de Outubro de 64 d.C. e não 29 de Junho, data em que se comemorava o traslado dos restos mortais de São Pedro e
São Paulo para a estada dos mesmos nas Catacumbas de São Sebastião durante a perseguição do imperador romano Valeriano em 257.


Fonte e mais informação
Wikipedia
Centro Virtual Camões
Portal de Turismo do Algarve
Júnior.TE

sábado, 27 de junho de 2009

O homem que tinha uma árvore na cabeça - 2ª parte

O homem que tinha uma árvore na cabeça
… continuação
Distraído como era, não reparou certa vez que o tronco da árvore que tinha escolhido era um corpo de homem e que esse homem era Arbóreo. Por isso, foi com enorme surpresa que ouviu sair do meio dos ramos e das folhas largas uma voz que dizia:
– Não se assuste que eu não sou uma árvore igual às outras. Sou um homem-árvore.
Kepler imaginou que alguém lhe estava a pregar uma partida. Mas quem seria, se em Praga praticamente não conhecia ninguém?
– Vamos deixar-nos de brincadeiras – sugeriu ele – que eu estou com pouca disposição para entrar nelas.
– Não se trata de uma brincadeira – esclareceu Arbóreo. – Eu tenho uma árvore na cabeça e talvez o senhor, que tem ar de ser pessoa de ciência, me possa ajudar a decifrar este mistério.
Kepler olhou com atenção e verificou que não se tratava, na realidade, de uma partida. Era mesmo um homem com uma árvore na cabeça. E era uma árvore de ramos grossos e compridos, com bonitas folhas de um verde acastanhado. Como se poderia explicar um fenómeno tão estranho?
– Gostava de o ajudar – respondeu Kepler – mas confesso que nunca os meus olhos observaram um caso assim. Nem disponho de meios nem de conhecimentos para encontrar uma resposta que o satisfaça, até porque sou um homem de ciência e aos homens de ciência só as respostas bem fundamentadas podem servir.
– Mas eu – lamentou-se Arbóreo – vivo numa grande infelicidade. Quando a árvore começou a crescer não dei grande importância ao caso. Pensei até que ser diferente, numa cidade como esta, me podia trazer vantagens de vária ordem. Mas depois vi que me tinha enganado. Comecei a dar nas vistas e a tornar-me suspeito. Hoje não tenho casa onde possa morar e os meus únicos amigos são os pássaros, algumas crianças e as estrelas que iluminam a noite imensa.
Ao ouvir da boca de Arbóreo a palavra "estrelas", Kepler sentiu que o coração lhe batia mais depressa dentro do peito. Era para ele uma palavra mágica, carregada de sentidos. Sendo ele astrónomo, ou seja um cientista dos astros e dos grandes mistérios do Universo, um homem deslumbrado com o brilho pálido das galáxias perdidas na noite, não podia ficar indiferente àquela palavra.
– És amigo das estrelas? – perguntou.
– Claro que sou – respondeu Arbóreo com convicção – e tanto assim é que, quando me sinto mais sozinho e desconsolado, são elas que vêm dar-me novo ânimo e apontar-me novos caminhos.
– Isso quer dizer – concluiu Kepler – que temos em comum a paixão pelas estrelas e, se calhar, também pelos planetas.
– Também pelos planetas – confirmou Arbóreo.
– Sendo assim – adiantou o astrónomo – talvez eu possa ajudar-te, ou pelo menos, tentar ajudar-te com o pouco que sei.
O diálogo tornara-se de tal maneira cordial que, sem darem por isso, tinham começado a tratar-se por tu, que é o tratamento familiar que os amigos dão uns aos outros. Tinham-se, portanto, tornado amigos.
Nessa noite, num recanto abrigado do jardim, Arbóreo dormiu descansado e sonhou com estrelas, com muitas estrelas, e com um amigo que cavalgava pelo meio delas à garupa de um cometa extraordinariamente veloz. O amigo era Kepler.
Por sua vez, Kepler tinha um outro amigo. Era um homem rico, solitário e estranho. Era dinamarquês e vivia exilado na corte do imperado católico Rudolfo II. Chamava-se Tycho Brahe e estava mais avançando que Kepler no estudo dos segredos mais secretos do Universo.
Quando voltou a encontrar-se com Arbóreo, Kepler contou-lhe:
– Escrevi ao meu amigo Tycho e expliquei-lhe o teu caso. Se somos capazes de decifrar mistérios dos planetas e das estrelas, também havemos de descobrir por que razão pode um homem viver com uma árvore na cabeça.
Arbóreo, que não estava interessado em que a fama do seu estranho caso desse a volta ao mundo, perguntou-lhe quem era esse tal Tycho. E Kepler explicou-lhe:
– É um cientista. Um cientista como eu… bem, como eu não, porque tem um nariz de ouro.
– Um nariz de ouro! – exclamou o homem-árvore.
– Sim, um nariz de ouro. Explico-te porquê. Ele, quando era jovem, era brigão e atrevido e, num duelo que travou, o adversário, com um golpe certeiro, arrancou-lhe o nariz. Imaginas o que é viver sem nariz? Aí ele, como era muito rico, decidiu arranjar um nariz postiço e mandou que o fizessem em ouro. É um sinal da sua grande fortuna e da sua diferença em relação aos outros homens.
– Que duelo mais estúpido! – comentou Arbóreo, indignado.
– E queres saber qual a causa do duelo? É que disputavam ambos o título de melhor matemático do reino.
– Mas então ele é astrónomo ou matemático?
– É matemático, como eu, porque o estudo dos astros ainda não é considerado como uma ciência e sim como a soma de conhecimentos de uns adivinhos que lêem no céu o destino dos outros. E não há nada mais errado do que isso. A astronomia é uma ciência e é assim que a queremos ver tratada.
Kepler não chegou a receber de Tycho Brahe uma resposta satisfatória sobre o caso de Arbóreo porque, entretanto, Tycho adoeceu gravemente, morrendo ao fim de poucas semanas. Sofria de uma infecção grave e não seguiu os conselhos dos médicos.
Kepler sentiu muito a sua perda, que só foi aliviada por ter recebido em herança os cadernos com as notas das suas invenções de mais de trinta anos e os instrumentos ópticos com que observava os planetas e os astros.
Foi com base nessas notas, conforme explicou a Arbóreo, que Kepler, à custa de muito estudo e de muitas noites sem dormir, estabeleceu as leis do movimento planetário, que viriam a tornar o seu nome famoso na história da ciência.
Ao mesmo tempo que os ramos lhe cresciam na cabeça, arqueando-se e caindo em volta do seu corpo, vergados ao peso dos frutos, das folhas e dos pássaros que neles procuravam abrigo, Arbóreo percebia que as ideias de Kepler também não paravam de crescer e de se iluminar, como se tivessem luz própria.
O astrónomo fez dele seu confidente, porque, sabendo-o amigo das estrelas, podia confiar nele e revelar-lhe muitos dos seus projectos e segredos.
Foi assim que ficou a saber que Kepler se preparava para publicar um livro chamado «As Harmonias do Mundo», no qual dava explicações novas para muitas das coisas que aconteciam no Universo. Tinha uma especial predilecção pela palavra «harmonia», porque era dela que dependiam, segundo dizia, a beleza e a ordem de todo o movimento planetário. E pensava outras coisas bonitas.
– O Universo – disse um dia a Arbóreo – é uma sinfonia de vozes e a cada planeta corresponde uma nota de música. Para a Terra há duas notas, o Fá e o Mi, que se repetem eternamente, até ao fim dos tempos.
Ao escutar estas palavras, Arbóreo murmurou baixinho:
– Quem diz coisas assim tão belas só pode ser um poeta.
E nunca chegou verdadeiramente a perceber que, afinal, os astrónomos também são poetas, poetas da luz e da sombra, do brilho e da noite.
*
Quando Kepler concluiu a investigação que o conduziu à descoberta da terceira lei do movimento planetário, quase não teve tempo para festejar o acontecimento, porque, passados poucos dias, deu-se em Praga o incidente que originou a terrível Guerra dos Trinta Anos.
Tanto Kepler como Arbóreo odiavam a guerra, porque sabiam que ela não costuma poupar nem vidas nem ideias, que semeia o terror e a destruição, que só espalha fome, doença e desamparo. Ambos viriam a morrer em consequência desse conflito e estavam condenados a sofrer bastante antes que o fim chegasse.
O rei que protegia Kepler e apoiava o seu trabalho científico foi deposto e assim o astrónomo teve de se exilar, como já acontecera a muitos outros cientistas do seu tempo. Aqueles que passaram a governar Praga nesses dias exigiram-lhe que aceitasse a sua doutrina e, como Kepler tivesse recusado, ordenaram-lhe que partisse.
Ele hesitou bastante antes de o fazer. Tinha a mulher e o filho doentes, atingidos por uma epidemia espalhada pelos soldados, que já matara muitos milhares de pessoas, e recebera a notícia de que sua mãe, Catarina Kepler, fora presa sob a acusação de praticar bruxaria. «A minha mãe não é bruxa, não pode ser verdade», pensou, mordendo os lábios de revolta.
Foi nesse estado de desânimo que procurou Arbóreo para desabafar.
– Que hei-de eu fazer, meu amigo? Tudo escurece à minha volta como se tivesse chegado a noite do mundo e nunca mais voltasse a haver dia.
– É preciso que tenhas confiança e não percas a calma. Melhores dias hão-de chegar, podes estar certo.
– Onde descobriste tu isso? – perguntou Kepler com uma ironia amarga. – Não me digas que o leste nos astros!
– Não – respondeu Arbóreo, com firmeza – aprendi-o contigo.
– A epidemia está prestes a roubar-me aqueles que mais amo, minha mãe pode ser levada à fogueira. É terrível quando os homens usam o ferro e o fogo para imporem as suas razões. Que vai ser de mim?
– Que vai ser de nós? Também a mim já me procuraram, ameaçando-me com a prisão se não explicar o mistério da árvore que tenho na cabeça. Por isso, como vês, também eu não vivo melhores dias.
Olhando em toda a volta para ver se estava em segurança, Kepler tirou um livro que trazia escondido debaixo da roupa e entregou-o a Arbóreo.
– Guarda-o, por favor, no meio dos teus ramos, e não o dês a ninguém. Se te perguntarem como foi aí parar, diz-lhes que foi uma estrela quem to ofereceu.
continua…
O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Dom Paio em actividade

DPaio em actividade

Boas Férias!!!


A Equipa da Biblioteca e Centro de Recursos do Agrupamento de Escolas Dom Paio Peres Correia deseja a toda a comunidade escolar e seus familiares, a todas as BECRE's e a todos os utilizadores e colaboradores deste blogue, umas Boas Férias Grandes, e para o ano há mais.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Concerto de Final de Ano Lectivo 2008/2009







O concerto foi organizado pelos professores do grupo de Educação Musical e pelos seus alunos e contou com a colaboração da Biblioteca, que cedeu o espaço, e com o grupo de Educação Física, que abriu um "furinho" nas suas actividades, o que permitiu a realização deste concerto.
Antes do concerto, procedeu-se à entrega dos prémios aos melhores leitores de cada mês e à leitora do ano.

São João Baptista


João Batista nasceu na cidade de Judá, quando os pais, Zacarias e Isabel, já eram idosos. Ele era um filho muito desejado, uma vez que Isabel era estéril e Zacarias, mudo. Ambos eram de estirpe sacerdotal. Isabel haveria de dar à luz um menino, cujo nome significaria "Deus é propício". Assim foi avisado Zacarias pelo Anjo Gabriel que o visitou anunciando a chegada do tão esperado herdeiro.
No ano 27, João apareceu como profeta e quando iniciou sua pregação muitos chegaram a acreditar que ele era o próprio Messias. Vestia-se como os sábios eremitas essênios da época, os quais usavam uma túnica grosseira feita de pele de camelo atada a um cinto de couro (representação da liberdade, da escolha do destino de cada um), e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Para que se salvassem do pecado, as pessoas recebiam, por intermédio desse profeta, a ablução nas águas do rio Jordão (acto comum entre os essênios), prática chamada de baptismo, razão por que passou ele a ser conhecido como João Batista.
Fazia seus sermões e muitos eram aqueles que o ouviam e acompanhavam. Ele afirmava que o Reino de Deus estava próximo, baptizava a todos e pedia que repartissem seus alimentos e roupas com os mais pobres. Chegou a baptizar o próprio Cristo, embora se achasse indigno até mesmo de lhe desatar as sandálias.
No momento em que Jesus saiu da água, na cerimónia do baptismo, abriu-se sobre Ele uma nuvem e o Espírito Santo se manifestou através de uma pomba, não como uma pomba real, mas uma visão, algo muito pessoal entre Deus e Jesus. Jesus, então o definiu: "Ele é mais do que um profeta. Jamais surgiu entre os nascidos de uma mulher alguém maior que João Batista".Foi depois do baptismo que Jesus entendeu que começava então sua verdadeira missão. Passados de alguns meses, João foi preso mas, mesmo no cárcere, acompanhava os trabalhos de Jesus, fazendo perguntas por intermédio de mensageiros (Lucas 7, 19-29). Morreu degolado sob o governo do rei Herodes, por defender a moralidade e os bons costumes, por isso é reconhecido nos dias de hoje como um dos Santos mais populares em todo o mundo cristão. O dia 24 de Junho foi consagrado a S. João pois crê-se que ele nasceu nesta data.
São João é o santo que mais se festeja na Europa, sendo também o padroeiro de muitas terras em Portugal e no Brasil.
Há inúmeras tradições associadas às festas de S. João que variam de terra para terra, de região para região, havendo mesmo quem considere que a noite de S. João é uma noite mágica, propícia a milagres e adivinhações. Enfim, o imaginário à volta da figura deste santo é riquíssimo e variado.

Fonte
www.infonet.com.br
Wikipedia
O Leme

domingo, 21 de junho de 2009

21 de Junho, O Verão

O Verão é uma das quatro estações do ano. Neste período, as temperaturas permanecem elevadas e os dias são longos. Geralmente, o verão é também o período do ano reservado às férias.
O Verão do hemisfério norte é chamado de "Verão boreal", e o do hemisfério sul é chamado de "Verão austral". O "Verão boreal" tem início com o
solstício de Verão do Hemisfério Norte, que acontece cerca de 21 de Junho, e finda com o equinócio de Outono nesse mesmo hemisfério, por volta de 23 de Setembro. O "Verão austral" tem início com o solstício de Verão do Hemisfério Sul, que acontece cerca de 21 de Dezembro, e finda com o equinócio de Outono, por volta de 20 de Março nesse mesmo hemisfério.
Nos tempos primitivos, era comum dividir o ano em cinco estações, sendo o verão dividido em duas partes: o verão propriamente dito, de tempo quente e chuvoso (geralmente começava no fim da primavera), e o estio, de tempo quente e seco — palavra da qual deriva o termo "estiagem". Actualmente, usa-se a palavra "estio" como sinónimo raro para verão.

Fonte e mais informação
Wikipedia
Wikiquote
Expresso

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O homem que tinha uma árvore na cabeça - 1ª parte

O homem que tinha uma árvore na cabeça
Era uma vez um homem que tinha uma árvore na cabeça. No princípio era apenas um arbusto com folhas esguias e acastanhadas. Depois os ramos começaram a engrossar e as folhas a ganhar largura e uma cor mais viçosa. Era uma verdadeira árvore, alta, pujante e bonita. O homem, quando o arbusto começou a ganhar forma no meio da sua cabeça, ficou assustado. Quem é que não ficava? Depois foi-se habituando. Quando o arbusto se transformou em árvore, passou a senti-la como coisa sua, como uma parte de si mesmo. Apenas o incomodava o peso que tinham o tronco e os ramos, obrigando-o, por vezes, a vergar o pescoço em direcção à terra.
O homem não era alto nem forte. A sua pele era pálida e faltava uma luz que iluminasse os seus olhos e tirasse deles a tristeza que os tornava mortiços e graves. Era um homem de muito poucas falas e, talvez por isso, poucas pessoas sabiam o seu nome. Chamava--se Tenório, mas, como tinha uma árvore na cabeça, passaram a tratá-lo por outro nome, mais engraçado e fácil de decorar: Arbóreo.
O homem não gostava do nome, mas não tinha possibilidade de escolher outro. Fora inventado pela maioria das pessoas que o conheciam, que com ele se cruzavam na rua, que o viam debruçado à janela, que o confundiam com a mancha verde das florestas e dos jardins. Que havia ele de fazer? Chamavam-lhe Arbóreo e era por esse nome, e só por ele, que ia ficar conhecido.
Um dia Arbóreo, quando a Primavera estava à porta, gostou do cheiro adocicado que lhe entrava pelas narinas e pensou: de onde virá este cheiro tão doce, tão bom? Não encontrou resposta. Aquele cheiro abria-lhe o apetite e dava-lhe um grande bem-estar. De onde viria ele?
Levou a mão até aos ramos da árvore que tinha na cabeça e sentiu umas formas macias e arredondadas. Como na terra onde vivia existiam poucos espelhos, correu até ao rio e, esperando que as águas estivessem calmas, viu nelas a sua imagem reflectida. Então exclamou: «São frutos!»
Eram realmente frutos, embora não fossem nem pêssegos, nem peras, nem maçãs. Eram redondos e sumarentos. Eram diferentes de todos os que até então tinha cheirado ou comido. Que frutos seriam?
Enquanto trincava uns e arrancava outros com cuidado para os guardar num pequeno saco de pano que levava na mão, pensou: «É engraçado, têm o mesmo gosto de certas ideias que me passam pela cabeça». E não estava longe da verdade. É que, se os frutos nasciam da árvore que tinha na cabeça, era natural que tivessem um paladar parecido com o de certas ideias.
Uma das coisas que Arbóreo gostava de fazer era dormir a sesta debaixo das árvores de copas largas que havia na cidade onde morava. Agora já não precisava de as procurar. Podia dormir à sua própria sombra. Não era uma sombra grande, mas dava perfeitamente para se refrescar e para ouvir em sossego o chilrear dos pássaros.
Os pássaros. Sim, os pássaros. Gostavam de vir poisar nos seus ramos, buscar o abrigo das suas folhas largas e verdes, encontrar um sítio descansado para passarem a noite.
Arbóreo sabia de cor o canto dos pássaros e percebia neles uma fala que era diferente da que usavam as pessoas, mas que servia para se entenderem.
Eram bonitos os pássaros. Uns eram pintassilgos, outros melros, outros ainda tentilhões ou pardais. Todos tinham as suas rotas, os seus hábitos, os seus modos de aproveitar os embalos do vento.
Arbóreo gostava de ser acordado pelo chilreio da passarada e pelo riso das crianças que atravessavam os grandes terreiros da cidade a brincar a tudo aquilo que lhes dava na cabeça, inventando guerras, perseguições e casamentos, duelos e julgamentos.
– Vamos roubar um dos frutos da cabeça de Arbóreo – gritou um miúdo sardento, enquanto ele dormia debaixo do cogumelo da sua copa larga.
Logo os outros, que com ele andavam em fingimentos de guerra e de paz, se apressaram a fazer coro:
– Vamos deixá-lo careca de frutos!
Foi com o som áspero desta frase que Arbóreo acordou, interrogando os seus visitantes.
– Que vem a ser isso de careca de frutos?
– Se quem não tem cabelos na cabeça é careca – respondeu um deles – quem deixa de ter frutos fica careca de frutos.
Os governantes da cidade não gostavam que Arbóreo tivesse uma árvore na cabeça, porque era o tipo de liberdades que não costumavam conceder aos seus cidadãos. Para se ter uma árvore na cabeça, um castelo no nariz ou um diamante num olho, era preciso ter uma autorização especial. Arbóreo não tinha. Por isso recebeu a visita nocturna de um grupo de soldados que o levaram até ao palácio do governador para ser interrogado.
– Como foi que te apareceu uma árvore na cabeça? – inquiriu o chefe dos guardas.
– Isso gostava eu de saber – respondeu Arbóreo, com a voz entaramelada pela aflição em que estava. É que nunca se tinha visto em apuros daqueles, à frente de homens fardados e carrancudos, a ter de responder a perguntas para as quais não encontrava resposta. E tudo isso porque tinha uma árvore na cabeça.
– Diz-se que à tua sombra – acusou o chefe dos guardas – costumam reunir-se os que conspiram contra os nossos governantes.
– Como – perguntou Arbóreo, espantado – se a sombra que a minha árvore dá é tão pequenina que só chega para mim?
– Os conspiradores – respondeu o inquiridor – também não são muito grandes.
– Mas – insistiu Arbóreo – eu garanto que nunca os vi debaixo da minha sombra e que, mesmo que os tivesse visto, dificilmente teria percebido o que diziam.
Registadas todas estas palavras num grande livro de capa negra, reuniram-se os guardas para decidirem que destino haviam de dar a Arbóreo, acabando por libertá-lo ao fim de algumas horas.
– Acreditamos que não tens grandes culpas – disseram-lhe – mas, ainda assim, ficarás sob vigilância, não vás envolver-te nalguma conspiração.
Quando Arbóreo deixou o palácio do governador, estava contente por se encontrar de novo em liberdade, mas, ao mesmo tempo, sentia tristeza por ter estado preso sem razão. Talvez por isso, o sol que envolvia a cidade, lhe pareceu pálido e envergonhado, num trapézio de nuvens pequeninas, lá em cima no meio do grande azul da tarde.
A cidade onde Arbóreo vivia chamava-se Praga e era uma das cidades mais belas do seu tempo, com monumentos altos e limpos, com pontes arqueadas sobre as águas do rio e com parques e bairros cheios de cor e de alegria. Ali chegou, por esses dias, um estudioso dos astros chamado Kepler, que vinha com a família de uma outra cidade chamada Graz, onde tinha havido grande agitação provocada pela perseguição que o arquiduque católico moveu contra os protestantes. Guerras de religião.
Entre as escolas mandadas encerrar encontrava-se aquela onde Kepler era professor, diga-se, com muitos conhecimentos sobre muitas matérias, mas bastante distraído e pouco organizado na maneira de explicar as suas ideias.
Com o astrónomo viajavam a mulher, pessoa doente e infeliz e uma enteada. Haveres tinham poucos, o que fazia com que não pudessem dispor de criados. De resto, como a saída de Graz tinha sido feita à pressa, transportaram para Praga apenas algumas mudas de roupa e duas ou três peças de mobiliário. Nada mais.
Em Praga, Kepler encontrou boas condições para trabalhar e para fazer os seus estudos e investigações. Era um homem de poucas falas, com ar sonhador e uma maneira estranha de olhar o céu e os corpos celestes. No fundo, era esse o mundo que ele compreendia.
E houve um dia em que o seu caminho se cruzou com o de Arbóreo. Foi assim: Kepler, aborrecido com o mau ambiente que tinha em casa, provocado pela incompreensão da mulher em relação ao seu trabalho de astrónomo, gostava de dar longos passeios pelos jardins da cidade Atravessava a Ponte Carlos, percorria com passo lento a íngreme Rua dos Alquimistas, e depois ia sentar-se à sombra de uma árvore a fazer mentalmente os seus cálculos e difíceis operações matemáticas.
continua…
O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar

Concerto de Final de Ano Lectivo

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terça-feira, 16 de junho de 2009

Parabéns, vencedores BLiBiE 2008/09!

Parabéns, vencedores BLiBiE 2008/09!

"Os Prémios BLiBiE (um BLiBiE é um Blogue de Livros/Leitura, de Bibliotecas ou de Educação) pretendem divulgar e incentivar a utilização da importante ferramenta que é um blogue na área da Promoção da Leitura e na Educação.A votação acabou ontem e estes são os vencedores:* Melhor Blogue de Livros (feito por Leitores ou Autores):Estante de Livros (31% dos Votos)* Melhor Blogue de uma ..."



Terminou a votação para a categoria de Melhor Blogue de Biblioteca Escolar, para a qual fomos nomeados, onde atingimos o 2º lugar (consultar caixa de votação).
Agradecemos a todos os que nos visitaram e votaram em nós, esperando que numa próxima oportunidade sejam muitos mais.

sábado, 13 de junho de 2009

Um tostãozinho para o Santo António


Andava um garoto a pedir um tostãozinho para o Santo António. Uns davam, outros não.
Até que passou por ele um senhor de sobretudo comprido, até aos pés, e de sandálias, vejam bem. E se estava frio!
O garoto, cá de baixo, reparou no desconcerto, não deu importância. E vá de pedir:
— Dê-me um tostãozinho para o Santo António...
O senhor do sobretudo castanho todo esfarrapado debruçou-se para o miúdo e, sorrindo, disse-lhe assim:
— Tanto andas tu a pedir como eu. Hoje ainda não me deram nada.
— A mim já — respondeu o garoto. — Quer ver?
E mostrou-lhe, na palma da mão, umas tantas moedas. O mendigo contou-as.
— Davam e sobravam para pagar uma sopa e um pão, ali, na taberna da esquina — observou o mendigo.
— Mas eu não tenho fome — preveniu o garoto. — A minha mãe deu-me de almoçar, ainda agora.
O senhor mendigo suspirou e disse:
— Pois a minha mãe já morreu. Deve ser por isso que ainda não comi nada, hoje...
O mocinho olhou para o homem, a certificar-se se seria verdade o que ele dizia. Os olhos tristes do mendigo garantiram-lhe que sim.
Foi a vez de o garoto suspirar:
— Este dinheiro era para eu comprar berlindes...
O homem de sandálias admirou-se:
— Mas tu, há bocadinho, não pedias para o Santo António?
O garoto riu-se:
— É um costume. Quero eu lá saber do Santo António! É tudo para os berlindes.
O mendigo não estranhou a revelação. Percebia-se, a conversa ia ficar por ali. Despediu-se:
— Ainda tenho hoje muito que andar. Adeus e boa colheita.
O rapazinho viu-o descer a ruela, num passo cansado. Então, num impulso, correu atrás dele e puxou pela ponta da corda, que o homem trazia à roda da cintura:
— Tome lá para um pão e para uma sopa. Mas não vá ali àquela casa da esquina, que são uns mal-encarados. Na outra rua abaixo, há mais onde comer.
O homem de sandálias e sobretudo roto, que lhe davam um ar de frade de antigamente, agradeceu as moedas e o conselho e seguiu caminho.
O garoto voltou ao seu poiso. E quando, pouco depois, porque estava frio, meteu as mãos nos bolsos, encontrou-os atulhados de berlindes...


António Torrado
O mercador de coisa nenhuma
Porto, Livraria Civilização Editora, 1994

Mais em
Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola S/3 Daniel Faria – Baltar

Santo António de Lisboa


Ao assinalar-se mais uma noite de Santo António, aqui vai um brevíssimo resumo da vida desse grande português que é reconhecido e celebrado um pouco por todo o mundo.



Fernando de seu nome de baptismo, Santo António de Lisboa, ou Santo António de Pádua, nasceu por volta de 1195, em Lisboa, e morreu a 13 de Junho de 1231, em Pádua, na Itália. Aos vinte anos professou a vida religiosa entre os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no Mosteiro de S. Vicente de Fora. Ordenado sacerdote em 1220, fez-se frade franciscano no eremitério de Santo Antão dos Olivais, partindo depois para Marrocos em missão de apostolado aos muçulmanos. Foi dos mais categorizados representantes da cultura cristã no período de transição da pré-escolástica para a escolástica. Figura notável pela sua erudição, impôs-se também pelo exemplo na pregação solene e doutrinal, na discussão com os hereges e no ensino nas escolas conventuais. Por isso, é ainda hoje considerado uma das personalidades franciscanas mais significativas. Foi canonizado pelo papa Gregório IX, em 30 de Maio de 1233. Em Pádua foi erigida uma conhecida basílica em sua memória, e lá se encontram as suas relíquias.

Fonte:
Santo António de Lisboa. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2008.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Criança Misteriosa (cont)

… continuação
– Viva, viva! O Príncipe Faisão deu bicadas em Master Inkspot até morrer!
– Oh, mãe! – choramingou Christlieb. – Oh, Master Inkspot não é na realidade Master Inkspot. Ele é Pepser, o Rei dos Duendes. Ele é uma mosca grande e horrível, usa cabeleira postiça e calça sapatos e meias!
Os pais iam ficando cada vez mais espantados com aquilo que as crianças lhes contavam sobre a história da mãe da criança misteriosa, que era a rainha das fadas, sobre Pepser o Rei dos Duendes, e sobre o Príncipe Faisão.
– Quem vos terá contado tamanho disparate? Ou será que sonharam? – perguntou Sir Thaddeus. Mas depois ficou muito sério e pensativo.
– Félix! Félix! – disse por fim. –Tu és um rapaz sensato e também posso dizer-te que, desde o princípio, achei este tutor uma pessoa esquisita: A tua mãe também não gosta dele. Diz que é muito guloso, sempre à volta de coisas doces, sempre a resmungar e a praguejar de uma forma muito desagradável. Portanto, não ficará por muito mais tempo connosco. Mas, meu rapaz, suponhamos que realmente existem coisas como duendes: mesmo assim, poderia um tutor ser uma mosca?
Félix olhou fixamente para Sir Thaddeus e disse:
– Nunca tinha pensado nisso, pai, e atrevo-me a dizer que eu próprio nunca o suporia se a criança misteriosa não mo tivesse contado – e se eu não o tivesse visto com os meus próprios olhos. Mas agora sei que Pepser é uma mosca nojenta e fingia apenas ser o tutor Inkspot! Acho que uma pessoa não pode mudar a sua natureza! E pensa ainda como ele é guloso. Sempre atrás de coisas doces, tal como diz a mãe! Não é exactamente como uma mosca? E o seu praguejar e zumbir constante?
– Silêncio! – disse Sir Thaddeus de Brakel, quase zangado. – O que quer que seja Master Inkspot, uma coisa é certa: nenhum Príncipe Faisão lhe deu bicadas até à morte, pois aí vem ele, a chegar da floresta!
Nesse mesmo instante, as crianças gritaram e correram para dentro, à procura de segurança. Era mais do que certo que Master Inkspot regressava da floresta. Vinha com um olhar muito zangado, com os olhos a brilharem imenso e a peruca mal posta. Zumbia e praguejava, cambaleando pelo caminho e sempre a bater com a cabeça nas árvores. Chegou à porta de casa e atirou-se avidamente à tigela do leite. Esta entornou-se e ele sugou o leite, fazendo um barulho horrível.
– Santo Deus, Master Inkspot! – disse a mulher de Sir Thaddeus de Brakel. – O que está a fazer?
– Está louco, senhor? – perguntou Sir Thaddeus. – Vem o Diabo atrás de si, ou quê?
Sem lhe dar importância, o tutor bebeu o leite todo e atirou-se ao pão e à manteiga, afastando as abas do casaco das suas magras pernas. Depois, resmungando mais alto do que nunca, atirou-se contra a porta, mas não conseguiu entrar em casa. Cambaleava como se estivesse bêbedo, indo contra os vidros das janelas, fazendo-os estalar.
– Então, então! – exclamou Sir Thaddeus. – Isso não é maneira de se comportar! Arrepender-se-á por isto! Espere e verá!
Tentou apanhar o tutor pelas pontas do casaco, mas ele fugiu. Depois, Félix saiu a correr de casa com um grande mata-moscas e entregou-o ao pai.
– Pega, pai! – gritou. – Pega nisto e mata aquele horrível Pepser!
E foi o que Sir Thaddeus tentou fazer, indo atrás do tutor! Félix, Christlieb e a mãe abanavam panos, fazendo o tutor andar às voltas, enquanto Sir Thaddeus tentava acertar-lhe. Infelizmente todos falharam, uma vez que Master Inkspot, zumbindo de uma forma selvagem, não ficou quieto um único momento.
Finalmente, Sir Thaddeus conseguiu agarrar o tutor pelas abas do seu casaco, e ele caiu resmungando. Quando Sir Thaddeus estava quase a bater-lhe pela segunda vez, ele levantou-se, mais forte do que nunca, e fugiu para a floresta, a zumbir e a resmungar. E nunca mais foi visto.
– Estamos todos livres daquele desagradável Master Inkspot! – disse Sir Thaddeus. – Jamais voltará a nossa casa!
– Estou certa que não! – concordou a mulher. – Um tutor com maneiras tão rudes, tão fanfarrão em relação aos seus conhecimentos, e a saltar para dentro de uma tigela de leite... Que lindo tutor, devo dizer!
Félix e Christlieb gritaram de alegria.
– Hurra! O pai atingiu o Master Inkspot com o mata-moscas e agora ele foi embora de vez! – Hurra, hurra!
Todos pareciam estar bem, mas, apesar das crianças esperarem voltar a ver a criança misteriosa, esta não voltou a aparecer. E, quando iam para a floresta, esta parecia estar assombrada pelos brinquedos estragados que tinham deitado fora. Todos aqueles brinquedos eram criaturas e servos do Duende Pepser (ou Master Inkspot, o tutor), que ainda se ouvia zumbir pela floresta. Félix e Christlieb desistiram de passear, e o pai, Sir Thaddeus, não se sentia bem.
– Não sei o que se passa – disse ele um dia à mulher – mas quase me atrevo a dizer que foi o maldito Master Inkspot a causa de tudo isto. A partir do momento em que o atingi com o mata-moscas e o afugentei, os meus braços ficaram pesados como chumbo.
Na verdade, Sir Thaddeus de Brakel andava cada vez mais pálido e cansado. Já não ia trabalhar para o campo como costumava fazer. Sentava-se durante horas, perdido nos seus pensamentos, e depois pedia a Félix e Christlieb que lhe contassem tudo o que sabiam sobre a criança misteriosa. Eles falavam com entusiasmo, e ele sorria melancólico, enquanto os olhos se lhe enchiam lágrimas.
Félix e Christlieb estavam tristes por nunca mais verem a criança misteriosa, e tinham medo de entrar na floresta por causa dos bonecos sinistros. O pai apercebeu-se disso.
– Venham, vamos todos juntos à floresta, e as criaturas diabólicas de Master Inkspot não lhes farão mal! – disse-lhes, numa bela manhã. Levou as crianças pela mão e entraram na floresta. Estava mais bela do que nunca, com um cheiro doce, o chilrear dos pássaros e um lindo sol. Sentaram-se na relva, por entre flores perfumadas.
– Queridos filhos – disse Sir Thaddeus – devo dizer-vos agora, uma vez que o não posso esconder por muito mais tempo, que eu próprio sabia que uma estranha e maravilhosa criança vos mostrava coisas espantosas aqui na floresta. Quando tinha a vossa idade, essa criança também me apareceu e passámos bons momentos juntos. Não me lembro como foi que ela me deixou, nem tão-pouco como não me lembrei dela quando vocês me contaram a história e eu não acreditei. Contudo, sempre tive a sensação de que falavam a verdade. Mas agora tenho recordado aqueles dias felizes da minha infância e aquela querida e misteriosa criança. Sinto um aperto no peito que, decerto, destruirá o meu coração! Pressinto que é a última vez que me sento debaixo destas árvores. Queridos filhos, em breve vos deixarei. Quando eu morrer, recordem sempre a criança misteriosa!
Félix e Christlieb ficaram assustados. Soluçavam e choravam:
– Oh não, pai, tu não vais morrer! Vais ficar connosco por muito, muito tempo, e também brincarás com a criança misteriosa!
Contudo, no dia seguinte, Sir Thaddeus ficou na cama doente, e um homem alto e magro veio tirar-lhe as pulsações e dizer que tudo iria ficar bem. Mas, ao terceiro dia, Sir Thaddeus estava morto, e a mulher e os filhos choravam-no.
Não muito depois, quando ele foi enterrado, dois homens horríveis, parecidos com Master Inkspot, bateram à porta e disseram à mulher de Sir Thaddeus que iriam tomar posse da propriedade. O Conde Cyprian emprestara ao seu primo afastado mais do que a propriedade valia e queria o seu dinheiro de volta. Assim, a pobre mulher, agora sem nada, teve de deixar a bonita propriedade de Brakelheim. Decidiu ir para casa de uns parentes que não viviam muito longe. Os três embrulharam as poucas roupas com que lhes permitiram ficar, e deixaram a casa, banhados em lágrimas.
Quando caminhavam há algum tempo na floresta, ouviram o murmúrio do ribeiro, que em breve teriam de atravessar. Subitamente, a pobre mãe das crianças caiu sob o peso amargo das suas mágoas. Félix e Christlieb ajoelharam-se, a chorar.
– Oh, que pobres crianças somos! Será que ninguém tem pena de nós?
Ao longe, o murmúrio do rio transformou-se numa agradável melodia, os arbustos abanaram com um misterioso ruído e, em breve, toda a floresta estava banhada por uma luz cintilante. A criança misteriosa saiu das folhas perfumadas, rodeada por uma luz tão brilhante que as crianças tiveram de fechar os olhos. Depois, sentiram um toque suave e ouviram a sua voz dizer:
– Não se aflijam, queridos amigos! Acham que já não gosto de vocês ou que vos deixarei? Podem não me ver com os vossos olhos, mas estarei sempre convosco e farei tudo para vos tornar felizes. Mantenham-me no vosso coração, tal como têm feito até agora, e nem o maquiavélico Pepser nem outro inimigo poderão magoar--vos! Gostem sempre de mim e gostem profundamente!
– Assim faremos, assim faremos! – disseram Félix e Christlieb. – Nós amamos-te do fundo do nosso coração!
Quando puderam voltar a abrir os olhos, a criança misteriosa tinha desaparecido, mas deixara todo o seu aroma e alegria dentro deles. Devagar, a mãe levantou-se.
– Oh, queridos filhos! – disse.– Sonhei convosco! Pareceu-me ver-vos em frente de uma luz dourada e cintilante, o que me reconfortou profundamente!
Havia alegria no olhar das crianças e as suas faces estavam rosadas. Elas disseram à mãe como a criança misteriosa ali aparecera para os reconfortar, e ela disse:
– Não sei porquê, mas hoje acredito na vossa história. Não sei como ela consegue aliviar a minha dor, mas de facto assim é! Vamos ter coragem e continuar.
A sua parente recebeu-os muito amavelmente, e tudo se passou como a criança misteriosa prometera! Tudo o que Félix e Christlieb faziam corria tão bem, que a mãe se enchia de felicidade.
Continuaram a brincar em sonhos com a criança misteriosa, e esta nunca deixou de partilhar com eles as coisas extraordinárias da sua terra.
FIM
E.T.A. Hoffmann
A criança misteriosa
Porto, Edinter, 1991
texto adaptado


O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar