As noites de sexta-feira em casa da avó Nana começam logo de manhã cedo na
cozinha. Nós comemos pão com doce de pêssego, que é o nosso preferido.
Nana bebe chá, que está muito quente, e sopra para dentro da taça antiga de porcelana chinesa, fazendo pequenas ondas.
— Hoje não tenho escola! — digo a cantar. — Que sorte que eu tenho!
— Hoje não tens escola! — responde. — Que sorte que EU tenho!
— Agora fala-me da noite de hoje – peço.
— Vem a família toda! Vem para o Sabbath e nós temos muito que fazer!
Nana apressa-se a fazer a cama e a limpar os quartos. Eu estou encarregada de alisar as almofadas.
Nana lava as porcelanas chinesas e passa a ferro os vincos da renda da toalha de mesa.
Eu dobro guardanapos com bordos de renda.
Nana inspecciona se faltam botões no seu vestido de Sabbath, azul marinho, de gola branca e punhos brancos também.
— É altura de fazer a tarte? — pergunto.
— Daqui a pouco, Jennie.
Eu puxo e volto a puxar o lustro a dois candelabros.
— Já é altura agora?
— É – diz Nana, estendendo a massa, e eu deito açúcar nas maçãs para a tarte. Em seguida, ela entrança os challah (Challah – Pão tradicional para o Sabbath e outras festas judaicas.) e mete-os no forno.
Ao meio-dia comemos sandes no parque, perto do rio. Bebemos também uma chávena de cacau.
O céu está cinzento e o vento sopra do rio, levantando-nos o cabelo, e nós dançamos para nos mantermos quentes, com os ponchos vestidos e as luvas calçadas.
Depois, andamos pela cidade de mãos dadas, à procura de flores roxas, que são as nossas preferidas.
— Oh, obrigada! — diz Nana.
— Obrigada — repito, saltitando pelo passeio com as flores.
Quando regressamos a casa de Nana, pomo-las numa jarra alta com água.
— É altura de nos vestirmos? — pergunto.
— Daqui a pouco, Jennie.
Mais para o fim da tarde, a casa está toda esfregada, a sopa de cevada já ferve e os challah estão a arrefecer. O frango aloura no forno e as batatas também.
— Agora já é altura?
— É — diz Nana.
Nós vestimos os nossos vestidos, ambos azul-marinho. Os sapatos também são azuis. Nana põe batom nos lábios, olhando-se ao espelho.
Pomos a mesa, contamos os talheres de prata e as taças da sopa, os copos que cintilam.
Nana pica o frango para ver se está tenro.
Lá fora escurece.
— Nana, olha! Neve!
A campainha da porta toca e a família precipita-se para dentro, abraçando Nana.
Também me abraçam a mim, pincipalmente os meus pais, e eu faço cócegas ao meu irmão bebé, o Lewis, metido no fatinho de bebé.
A campainha toca de novo e entra mais família de rompante. Os tios, as tias e os primos. Toda a gente fala ao mesmo tempo, tiram os sapatos aos pontapés, atiram os
sobretudos para cima das cadeiras.
No forno, a minha tarte já começa a cheirar.
— Já é altura? — pergunto.
— Agora é — diz Nana, e finalmente chega o melhor momento da noite.
Nana acende as velas e os nossos vestidos tocam um no outro; ela murmura orações de Sabbath e todos ficam em silêncio. Até o Lewis.
Daí a pouco, estamos a mastigar os challah e a passar taças de sopa, e todos falam ao mesmo tempo sentados à comprida mesa de jantar.
Lá fora, o vento uiva. A neve levanta-se em lindos rodopios brancos.
Mas aqui dentro as velas tremulam. Um cântico de Sabbath está no ar. É altura da tarte, e nós estamos todos juntos na sexta-feira de Nana.
Amy Hest
The Friday nights of Nana
Cambridge, Candlewick Press, 2001
Tradução e adaptação
O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar
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