segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A flor da alegria

O João e a Rosalinda viviam na mesma cidade, na mesma rua e em casas mesmo encostadinhas. Tão encostadinhas que só um muro separava os dois quintais – o quintal do João e o quintal da Rosalinda. Mas como os dois amigos passavam o tempo a saltar o muro – ora salto eu para o quintal da Rosalinda, ora salto eu para o quintal do João – os pais de ambos resolveram deitar abaixo o muro e ficaram com um grande e belo quintal para todos.
E era no quintal, debaixo da laranjeira grande, que os dois amigos mais gostavam de brincar. E que brincadeiras! Ele eram corridas, ele eram gargalhadas, ele eram cantigas! Até a D. Gertrudes, avó da Rosalinda, dizia rindo também:
— Ai, estes risos! Como eles me fazem bem!
Mas um dia... a Rosalinda não apareceu debaixo da laranjeira grande. Preocupado, João foi logo a correr a casa da amiga. Estaria doente?
Foi a mãe de Rosalinda que abriu a porta e disse:
— A Rosalinda está na sala. Já chamámos o médico. Não tem febre, não tem dores, parece que nem tem nada, mas está tão triste! É que, sabes, a tristeza pode ser uma doença.
Então João entrou na sala e encontrou a amiga sentada numa cadeira, com a cabecinha muito direita, as trancinhas negras caídas nos ombros, os olhos parados, as mãos imóveis... e caído aos seus pés o Bebé, seu boneco preferido, com uma lágrima redondinha como uma pérola a deslizar nas suas bochechas rosadinhas.
Era isso, então, concluiu o João. A Rosalinda estava doente de tristeza.
Nessa noite, João deitou-se, muito triste também, a pensar na amiga. Os seus olhos fecharam-se e ele ouviu, vinda não sabia de onde, uma voz misteriosa que dizia:
— Só tu podes salvar Rosalinda. Sobe ao pico mais alto das Montanhas da Neve e lá encontrarás a Flor da Alegria. Colhe-a e trá-la contigo, pois só ela pode salvar a tua amiga.
Então João pôs-se a caminho das Montanhas da Neve. Quando se preparava para começar a subida, apareceu-lhe no caminho um dragão, com a sua cauda de serpente e as suas asas a vibrar de fúria:
— Não sabes que eu sou o guardião destas Montanhas? Não sabes que nunca ninguém por aqui conseguiu passar?
— Mas eu tenho de subir ao pico mais alto das Montanhas da Neve para colher a Flor da Alegria e salvar a minha amiga Rosalinda que está doente de tristeza — explicou o João.
O dragão, indeciso, coçou com as suas fortes garras a cabeça coberta de escamas e, mais brando, disse:
        — É bonito isso da Amizade! Olha, poderás subir ao pico mais alto das Montanhas para colheres a Flor da Alegria, mas terás de vencer três provas muito difíceis para mostrares que és mesmo amigo da Rosalinda. É que a Amizade não é coisa fácil, sabes?
E João, ao recordar a carinha triste da amiga, encheu-se todo de coragem e prometeu ao dragão:
— Faço tudo, mesmo tudo o que for preciso, para salvar Rosalinda.
— Isso que disseste é bonito também. Agora vou dizer-te as três provas que terás de vencer para chegares ao pico mais alto das Montanhas da Neve: entrar na Caverna dos Leões Ferozes; trazer a coroa de diamantes da Rainha das Fadas que está no ramo mais alto da mais alta árvore do Bosque dos Abetos; e, por fim, atravessar o Lago das Águas Verdes. Então encontrarás a Flor da Alegria — e o dragão desapareceu numa nuvem de fogo.
E o João continuou a caminhar.
Numa clareira, encontrou um leão bebé, de pêlo dourado, que brincava, pulava e rebolava sobre um tapete macio feito de musgo verde e folhas caídas das árvores.
João parou um bocadinho a olhar encantado o leãozinho quando ouviu, atrás de si, um barulhinho leve. Era um tigre felino, de pêlo amarelo e pescoço listrado de preto, que se preparava para atacar o leão bebé. Então, sem pensar no perigo, João deu um salto, agarrou o leãozinho e escondeu-se com ele numa caverna escura que se abria mesmo ao lado da clareira. Do lado de fora, o tigre bem tentava atacá-los, mas a entrada da caverna era estreita e ele não conseguia entrar. Por fim, foi-se embora, rugindo um forte rugido de cólera.
Quando o nosso herói se preparava para partir, apareceram, vindos do outro lado da caverna, o Pai Leão, a Mãe Leoa e, pulando à volta deles, três filhotes, irmãos do leão bebé.
— Obrigada por salvares o nosso filho — disse a Mãe Leoa, aconchegando a si o leãozinho, com a sua pata macia.
— Ele é muito desobediente. Saiu sozinho da caverna e só a tua coragem o salvou — disse o Pai Leão, agitando a sua farta juba, em sinal de agradecimento. Que podemos fazer por ti, amigo?
E o João falou:
— Eu tenho de entrar na caverna dos Leões Ferozes para subir ao pico mais alto das Montanhas da Neve e aí colher a Flor da Alegria para salvar a minha amiga Rosalinda que está doente de tristeza.
— Mas a caverna dos Leões Ferozes é esta. E, olha, nós não somos ferozes. Só atacamos os outros animais para nos defendermos ou quando temos muita fome. Agora vamos contigo até ao outro lado da caverna. É lá que fica o caminho para o pico mais alto das Montanhas da Neve.
E os leões acompanharam o João até à saída da caverna e despediram-se com grande amizade.
João olhou para o alto pico coberto de neve e, enchendo-se de força, começou a subida. Ia a atravessar um bosque muito verde e cerrado quando ouviu lá do cimo:
— Ai! Ai! Ui! Ui! Ai! Ui!
Olhou e viu um macaquito muito aflito com o rabito enrolado no ramo de uma árvore.
— Ajuda-me cá! Ajuda-me cá! — pediu o macaquito. — Estava aqui a ensaiar saltos mortais para a grande Festa dos Macacos que é já amanhã quando o meu rabo (sabes, o rabo dos macacos é muito importante) se me enrolou neste ramo. E agora aqui estou preso. Achas que podes libertar-me?
O João que, como já adivinharam, era muito amigo dos animais, não se fez rogado. Trepou até ao ramo onde estava o macaquito e desenrolou com todo o cuidado o seu rabito.
— Ora aqui estou eu livre de novo. E com o meu rabinho inteiro! Estou-te muito agradecido. O que posso fazer por ti, amigo?
— Eu tenho de ir buscar a coroa de diamantes da Rainha das Fadas que está no ramo mais alto da mais alta árvore do Bosque dos Abetos.
— Mas o Bosque dos Abetos é aqui. E a mais alta árvore do bosque é esta mesma onde nós estamos. Espera um instantinho que eu sou um macaquito ágil e bom trepador e vou retribuir-te o teu favor.
E o macaco subiu ao ramo cimeiro da árvore e voltou com uma coroa de diamantes que brilhavam como mil estrelas acesas. E, com muitos abraços e agradecimentos, despediram-se e cada um seguiu o seu caminho.
E João andou, andou, andou, já muito cansado, mas com os olhos pregados no pico mais alto das Montanhas da Neve onde crescia a Flor da Alegria que iria salvar a sua amiga Rosalinda que estava doente de tristeza.
Até que chegou às margens do Lago das Águas Verdes. E, no meio dos altos arbustos, foi encontrar, ferida, uma Águia Real que em vão tentava voar, batendo as suas enormes asas, aflita e sofredora.
— Águia Real, está sossegada. Eu vou tratar de ti e poderás voar de novo.
E João ficou nas margens do Lago das Águas Verdes durante três dias e três noites para tratar a Águia Real. Por fim, ela conseguiu erguer-se e ensaiou um pequeno voo.
— Já posso voar de novo! Como te estou agradecida! Que posso fazer por ti, amigo?
— Eu tenho de atravessar o Lago das Águas Verdes, subir ao pico mais alto das Montanhas da Neve e colher a Flor da Alegria para salvar a minha amiga Rosalinda que está doente de tristeza.
— Nada mais fácil. O meu ninho é mesmo lá no pico mais alto das Montanhas. Sobe para cima de mim sem medo. Nós, as Águias Reais, somos as mais fortes e as mais corajosas das aves.
E João, agarrado ao pescoço da sua amiga, voou muito alto, sobre o lago das Águas Verdes. E todos os animais do bosque levantaram para o céu uns olhos redondos de espanto. E até os peixinhos do lago puseram de fora as cabecinhas curiosas. É que nunca ninguém tinha visto um rapazinho voar montado numa Águia Real!
A Águia pousou no pico mais alto das Montanhas da Neve, despediu-se do amigo e voou para o seu ninho.
E ali mesmo, no meio da neve, abrigada de todos os ventos por um rochedo, João encontrou a Flor da Alegria. O seu pé era delicado e frágil, as suas folhas tinham a forma de um coração e as suas pétalas tinham a cor quente da amizade. Então, com muito cuidado, João colheu a Flor, apertou-a contra o coração, desceu as Montanhas da Neve a correr e a correr entrou na casa de Rosalinda.
Já ela estava sentada na sua cadeira, com a cabecinha muito direita, as trancinhas negras caídas nos ombros, os olhos parados, as mãos imóveis... e caído aos seus pés o Bebé, seu boneco preferido, com uma lágrima redondinha como uma pérola a deslizar nas suas bochechas rosadinhas.
João colocou a Flor da Alegria nas mãos de Rosalinda. Então uma estrelinha, muitas estrelinhas começaram a brilhar nos olhos da amiga. Ela sacudiu a cabeça e as suas trancinhas negras começaram a bailar para um lado, para o outro. Depois as suas mãos apanharam o Bebé e secaram a lágrima-pérola das suas bochechinhas rosadas.
E virou-se para o João a rir. E o seu riso era tão alegre, tão claro, tão cristalino que ele começou a rir também.
E a partir desse dia voltaram as brincadeiras debaixo da laranjeira grande. E que brincadeiras! Ele eram corridas, ele eram gargalhadas, ele eram cantigas! Até a D. Gertrudes, avó da Rosalinda, dizia rindo também:
— Ai, estes risos! Como eles me fazem bem!
E a Flor da Alegria?
Essa não morreu nunca. Ficou a morar para sempre no coração do João e no coração da Rosalinda.
Manuela Monteiro
A flor da alegria
Porto, Campo das Letras, 2006
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

CASA 5 abertura da exposição/opening of the exhibition George Tabliashvili





Casa 5 convida-o para a abertura da exposição,
Casa 5 invite you for the opening of the exhibition
"George Tabliashvili Pinturas"
Sabado 23 Outubro 19.00 h
George Tabliashvili, artista da Géorgia em residência na Casa 5, nasceu a 23 de Outubro de 1978, em Tbilisi, Géorgia

Graduou-se em 2002, na "Tbilisi State Academy of Arts", na faculdade de Artes decorativas Aplicadas, com a especialidade de Cerâmica Designer.

Coopera desde 2002, como designer, em várias editoras da Georgia e da Turquia e ainda para o National Centre of Manuscripts, o British Council e para várias agências de publicidade.

Foi o vencedor do primeiro concurso internacinal de Pintura em Computador, organizado pelo Seattle Institute of Digital Arts.

Participou em diversas exposições individuais e colectivas na Georgia e no estrageiro, entre as quais:


George Tabliashvili, artist in residence from Georgia in Casa 5, was born in Tbilisi, Georgia in 1978.

In 2002 graduated from Tbilisi State Academy of Arts, the faculty of Decorative-Applied Arts, with the specialty in ceramics design.

Since 2002 has been cooperating as an artist-designer for several Georgian and Turkish publishing houses, also for the National Centre of Manuscripts, the British Council, and with various advertisement agencies.

Winner of the first international competition in Computer Paintings held by the Seattle Institute of Digital Arts.

Took part in several personal and group exhibitions in Georgia and abroad. From which most important are:



2010 – Artista residente na Casa 5 / Artist in residence in Casa 5
2010 - International Award for Digital and Photographic Art, Art Museum of Chianciano Terme, Italy. (group exhibit)
2009 - Group exhibition of Georgian artists. Gallery ´`Universe´`, Tbilisi, Georgia.
2009 - The Days of Georgian Culture, Archivio di Stato. Florence, Italy. (group exhibit)
2008 - Gallery - New Art. 2008 (personal)
2008 - The Days of Georgian Culture, Nord-West Zentrum, Frankfurt, Germany,
2005 - Cafe-Galery The house.  (personal).






Associação de artes plásticas e visuais de Tavira. http://www.tavira-casa.com/

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Dia da Biblioteca Escolar - 25 de Outubro de 2010

De acordo com os objectivos delineados pela International Association of School Librarianship (IASL), a Rede de Bibliotecas Escolares resolveu declarar o dia 25 de Outubro, como o Dia da Biblioteca Escolar, este ano dedicado ao tema "Diversidade Desafio Mudança, tudo isto na Biblioteca Escolar".

Segundo os princípios estabelecidos pela IASL, o "Mês Internacional da Biblioteca Escolar permitirá aos responsáveis pelas bibliotecas escolares, em todo o mundo, escolher um dia, em Outubro, que melhor se adeque à sua situação de forma a celebrar a importância das bibliotecas escolares... ".
O Gabinete da Rede de Bibliotecas Escolares decidiu declarar o dia 25 de Outubro como o Dia da Biblioteca Escolar, permitindo, deste modo, às escolas a preparação atempada de actividades específicas a realizar neste dia, independentemente de todas as acções que possam levar a efeito noutros dias do mês.

Akli - o principe do deserto


— Mãe, já não sou uma criança — disse Akli. — Quero ir buscar a minha espada a casa do tio, na cidade.
— És demasiado novo, filho. Para chegares à cidade, tens de atravessar o deserto. Se fores sozinho, arriscas-te a encontrar os Kel Essuf, esses génios malvados e horrendos como monstros.
— Mas eu não tenho medo deles — objectou Akli.
Como o pai não estava em casa e a mãe não o proibira de ir, Akli decidiu pôr-se a caminho. Procurou, então, Abdallâh, um beduíno que conhecia todos os trilhos.
— Levas-me até ao meu tio, Abdallâh? Quero ir buscar a minha espada.
— És demasiado jovem para teres uma espada e nem sequer tens uma moeda para me dar. Põe-te a andar!
Akli não se deixou desencorajar e pediu a um camelo:
— Azumar, leva-me à cidade, já que gostas tanto de viajar.
— Estou velho demais — respondeu o camelo.
— Dar-te-ei uma sela de prata — prometeu Akli.
Ao ouvir estas palavras, Azumar ficou radiante e aceitou a proposta do rapaz, que pensou para consigo: "Que camelo mais pateta! Acreditou mesmo que vou dar-lhe uma sela de prata. Como é fácil enganá-lo."
Quando já viajavam há três horas, Akli avistou um génio. Era escuro como madeira queimada e ameaçou:
— Ou me dás de beber ou não te deixarei passar!
Akli só tinha um cantil de água. Não podia dá-lo ao génio. Então, teve uma ideia. Pôs-se a cantar a canção mais triste que conhecia. Ao ouvi-la, o monstro começou a chorar. Em breve, chorava tão copiosamente que bebeu todas as suas lágrimas e acabou por deixar passar o rapaz.
— Como vês, Azumar — disse Akli, algum tempo depois — já sou um homem. Não tive medo. Sou o grande príncipe do deserto.
— Não te alegres antes do tempo, meu rapaz — advertiu o camelo. — Ora vê o que vem lá.
A areia mexeu-se. Um outro génio avançou, do tamanho de uma nuvem.
— Ou me fazes rir ou não te deixo passar!
Akli ficou atrapalhado. Não conhecia nenhuma história que fizesse rir um génio. Este pareceu zangar-se. Então, o camelo aproximou-se dele e começou a lamber-lhe os dedos dos pés. O génio desatou a rir e deixou-os passar.
Um pouco mais à frente, aproximou-se um outro génio, maior do que uma duna.
— Ou me metes medo ou não te deixo passar!
Akli ficou novamente atrapalhado. Não conhecia nenhuma história que metesse medo a um génio. O camelo aproximou-se do monstro e virou-se de costas para ele. Bruscamente, expeliu do traseiro uma enorme quantidade de ar, que soou como um tiro de espingarda.
O génio, apavorado, deu um grito e deixou-os passar.
— É a segunda vez que te salvo — comentou Azumar, algum tempo depois. Penso que mereço bem a minha sela de prata.
— Claro que mereces. És como um irmão para mim — respondeu Akli, fazendo-lhe festas.
De repente, Azumar deu um grito de alegria:
— Olha! Conseguimos! Chegámos à cidade.
Akli nunca tinha visto uma cidade tão grande, com tantas coisas para comprar. Tinha duas pequenas moedas no bolso e com elas comprou um grande bolo de mel para si e um mais pequeno para o camelo.
— E a minha sela de prata? — perguntou Azumar.
— Compro-ta mais tarde. Prometo! — respondeu Akli.
Enquanto comia o bolo, o rapaz pensava: "Deixa-o sonhar. É tão fácil enganá-lo."
Akli foi visitar o tio, que ficou surpreendido de o ver.
— Os teus pais deixaram-te viajar sozinho pelo deserto, com a tua idade? — perguntou-lhe.
— Deixaram. Na minha aldeia todos sabem que já sou um homem.
O tio deu-lhe, então, uma bela espada, ornamentada com duas pedras azuis como o céu.
Nessa mesma noite, deitado numa esteira, Akli adormeceu tranquilo, com a espada apertada contra si. Azumar dormiu ao relento, preso a uma corda, mas não estava triste.
— De certeza que amanhã receberei a minha sela — pensava, fechando os olhos docemente.
No dia seguinte, Akli agradeceu ao tio as suas hospitalidade e oferta, e montou Azumar. No deserto, o vento soprava sem parar e Akli divertiu-se a aparar os grãos de areia com a espada.
— Não te alegres antes do tempo — avisou o camelo. — Vê só o que vem aí.
De repente, levantou-se uma tempestade de areia. Os génios tinham-se escondido porque têm sempre pavor do vento. Como haviam de avançar e descobrir o trilho na areia? Mas Azumar era forte e corajoso. Não fraquejou e seguiu, determinado, em frente.
— Acho que mereço bem a minha sela de prata — gritou para Akli, por entre as rajadas de vento.
À noite, o rapaz chegou ao acampamento.
— Obrigado, Azumar. Dava-te uma lua de prata, se pudesse. Adeus! — despediu-se.
E fugiu, envergonhado.
Desapareceu tão depressa que o camelo nem teve tempo de replicar.
Akli correu em direcção à tenda, a fim de mostrar a espada ao pai e aos outros homens.
O pai sorriu-lhe. Serviu-lhe chá e pediu que contasse a viagem. Akli relatou tudo o que se passara e os homens ouviram-no com atenção. Quando terminou o relato, o pai disse-lhe :
— Estou orgulhoso de ti, filho. Mereceste bem a tua espada. Aproxima-te, quero dar-te uma prenda.
O pai ofereceu-lhe uma sela, mais branca e brilhante do que a lua. Akli ficou surpreendido com o presente, mas compreendeu logo o significado do gesto do pai. Saiu da tenda e foi colocar a sela docemente no dorso de Azumar, que entretanto adormecera.



Carl Norac
Akli-Prince du Désert
Paris, l'ecole des loisirs, 2006

A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dia da Hispanidade

O Dia da Hispanidade surgiu depois da queda do regime de Napoleão Bonaparte, que tentava unir Espanha e Portugal ao “império francês”. Esta data ficou durante muitos anos esquecida.
Em 3 de Agosto de 1492, Cristóvão Colombo partiu do porto espanhol de Palos de la Frontera, em Sevilha, rumo à Ásia. Iniciou a viagem por mar desconhecido, e foi anotando cada um dos momentos importantes da travessia.
Graças a essas anotações sabemos que a viagem foi cercada de dificuldades, durou 36 dias, a comida começou a faltar e as doenças fizeram estragos entre a população, que a esta altura já começava a desconfiar de Colombo. Apesar das dúvidas dos tripulantes, Colombo conseguiu conter os ânimos, pedindo paciência. Em poucos dias tudo mudou pois avistaram terra, as terras que acreditavam ser as Índias e que, na verdade, eram as Américas. Era o dia 12 de Outubro de 1492.
Ao meio-dia, os europeus pisaram às costas da ilha Guanahani, que Colombo baptizou como “San Salvador”. O primeiro contacto entre europeus e nativos foi pacífico, os índios estavam temerosos e curiosos, houve troca de presentes, e o triunfo de Colombo era evidente. Logo os espanhóis decidiram buscar um lugar adequado para fundar o primeiro povoado espanhol, os lugares escolhidos foram as ilhas de Cuba e Haiti, onde foi fundado o “Fuerte Navidad”.
O dia 12 de Outubro passou a ser celebrado a partir do regime bicameral parlamentarista, que sancionou a lei que instaura a celebração da descendência hispânica.
Hoje, a data é conhecida como “El dia de la Hispanidad”, mas já foi “El Día de la Raza” e também “Día de las Culturas”, em qualquer tempo e com qualquer nome, a data é a celebração da união das etnias, dos povos e dos continentes.

Fonte

Mais informação

(Brevemente serão publicadas as fotografias da exposição alusiva ao tema, patente na BECRE)

Espectáculo Pedagógico - "25 de Abril - História de uma Revolução"

A história dos brincos de penas - final

…continuação
Finalmente, sentiam-se preparados para dar o seu sábio parecer, muito pausadamente, ao Grande Chefe Pé-de-galo, que aguardava sentado junto deles.
Foi Pé-Sentado quem falou:
— Após cuidadoso exame às penas trazidas pelo pequeno Pé-de-atleta, concluímos que não são penas de ave.
O Grande Chefe mostrou-se surpreendido e perguntou, atrás de uma densa nuvem de fumo:
— Não são penas de ave?!
E o que são, então?
Desta feita, foi a voz do velho índio Pé-de-guerra que soou, muito misteriosa:
— São penas... de gente.
Quando a notícia foi dada ao pequeno índio Pé-de-atleta, duas luas e meia mais tarde, ele pôs-se a pensar e concluiu que a pessoa da tribo que parecia ter mais penas era eu mesma, índia Pé-Chato, que estou a contar-te como tudo se passou.
Na verdade, não pude estar presente na reunião em volta da fogueira onde as penas foram mostradas a toda a tribo. Fiquei de cama com febre e com uma pena terrível de não ir.
O pequeno índio veio, então, ter comigo ao pé do riacho e foi directo ao assunto, mostrando-me as penas:
— São tuas?
Eu não podia negar, eram mesmo minhas, embora me custasse acreditar que estavam ali, à frente do meu nariz. Então, abanando a cabeça em sinal afirmativo, respondi-lhe «lá» com o polegar esticado, como vi uma vez num filme de outra civilização.
Entendi que devia explicar ao pequeno índio o que tinha acontecido.
Peguei nas penas e comecei a contar-lhe:
— Trata-se de penas da alma. Sabes como é, quando se fica muito triste ou com muitas saudades, nascem-nos penas como estas, no fundo da alma.
— Estás a dizer que estas penas saíram mesmo da tua alma?! — admirou-se Pé-de-atleta.
—É como dizes — confirmei.
— Conta mais!— pediu ele.
— Bem, normalmente, as penas ficam cá dentro de nós. Só saem se alguém nos ajudar a deitá-las para fora, o que nem sempre é fácil — disse eu.
— E o que foi que tu fizeste? — tornou o pequeno índio.
— Falei com um dos mais velhos da nossa tribo que me disse assim: «As penas só te deixarão quando não tiveres pena de as deixar ir embora.» Na altura, não percebi bem o que ele me disse, mas resolvi afastar-me e ir até à montanha onde os veados costumam passear. Lá, pus-me a pensar, a pensar... Subi à rocha que está mesmo no cimo e dei um suspiro muito muito fundo até o pensamento ficar quase vazio.
Depois, deixei o ar ainda fresco da manhã entrar nos meus pulmões e, logo em seguida, as minhas penas começaram a sair e a subir pelo ar, muito devagarinho.
— Fala-me agora destas penas — pediu Pé-de-atleta.
Respirei fundo e fiquei a pensar se deveria ou não contar-lhe.
Depois, achei que sim, porque tinha sido ele a encontrar as minhas penas, que, afinal, tinham acabado por cair mesmo à frente do seu nariz arrebitado.
— Estas são todas penas de saudades, por isso são bonitas — disse-lhe. Mas achei melhor explicar: — Saudades das pessoas que já não vivem comigo porque partiram para o céu, e saudades também da minha irmã Pé-de-vento, que não vejo há mais de cem luas.
— Estás a falar daquela que está na grande cidade, a estudar para ficar a saber curar dores de barriga, constipações e comichões?
— Essa mesma, meu amigo. Ela está onde tem de estar. E eu fiquei com saudades, mas estou feliz porque sei que voltarei a vê-la! Somos amigas e, em muitas coisas, semelhantes. Havemos de reencontrar-nos. Agora, tenho essa certeza. Só ainda não sei o que vou fazer com estas penas... Não me passou pela cabeça voltar a vê-las.
Pensei que me tinha mesmo visto livre delas...
— Isso é fácil! Faz alguma coisa útil — sugeriu Pé-de-atleta, muito despachado.
— O quê, por exemplo?
Então, Pé-de-atleta deu-me uma resposta que, na altura, me pareceu meio disparatada:
— Olha, faz uns brincos!
— Essa ideia não tem pés nem cabeça! — refilei.
— As ideias não precisam de ter pés nem cabeça. Basta que sejam boas!
Franzi o sobrolho e murmurei longamente: «Huuuummm...» como ouço fazer aos anciãos da tribo quando ficam a pensar numa coisa importante.
Na verdade, a ideia de Pé-de-atleta, o pequeno índio, era boa. Só precisava de pô-la em prática, mas como?! Eu não sabia fazer brincos, nem pulseiras, nem sequer um anel de latão para o dedo mindinho!
Lembrei-me, então, de levar as minhas penas ao artesão da nossa tribo, o famoso índio Pé-Dali. Ele era o fabricante de tapetes de sela e o único artista que eu julgava capaz de transformar penas em qualquer coisa bonita para se usar.
Sem demora, fui ter com o artista.
Ele estava no seu tipi a fazer o desenho de um cavalo e quase nem deu pela minha presença. Entreguei-lhe as penas e pedi-lhe que fizesse com elas um par de brincos — os mais bonitos que ele conseguisse
fazer. Pedi-lhe também que não se demorasse, de modo a estarem prontos para o aniversário de Pé-de-vento, no segundo dia do sexto mês.
Porém, Pé-Dali não se despachou... Os artistas são imprevisíveis, sabes como é. Só agora tenho os brincos prontos. À espera de que Pé-de-vento regresse para lhos dar. Ela vai gostar. Ficaram lindos!
E pronto. A história dos brincos de penas está a acabar...
Todas as histórias têm um fim, menos a história da nossa vida — essa está escrita num livro muito grande (o maior do Universo), que só existe na biblioteca que há no Céu. Cá na Terra, ninguém teria tempo de o ler. Tu e eu também aparecemos lá, no grande livro. E, claro, aparecem também todas as outras pessoas do mundo — índias ou não. Porém, só Deus conhece esse livro de cor e sem precisar de o ler, porque sabe tudo.
Mas, antes de terminar, ainda queria dar-te a conhecer a conclusão a que cheguei: é que, afinal, sempre se pode fazer alguma coisa útil com as nossas penas quando elas não querem ir-se embora (porque há penas assim, um bocado teimosas, que querem ficar cá dentro a causar-nos tristeza). O meu tetravô Pé-de-nabo, que era um grande filósofo (que é como quem diz, gostava de pensar nas horas livres), dizia assim: «Se a vida te dá um limão azedo, junta-lhe água e açúcar e tens uma limonada!»
Boa ideia, não é?

FINAL

Maria Teresa Maia Gonzalez
A História dos brincos de penas
Lisboa, Editorial Presença, 2006
  
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A história dos brincos de penas - 2ª parte

 …continuação
Porém, o índio Pé-de-dança, o actual mestre-de-cerimónias da tribo, também quis dar um ar da sua graça. De facto, parecia-lhe mal não dar a sua opinião sobre o que quer que fosse, mesmo que não tivesse certezas. Afinal, ele era o mestre-de-cerimónias, com o curso completo, e não um ignorante qualquer!
Bamboleando-se, Pé-de-dança opinou na sua voz de falsete:
— Pois para mim são penas de pavão.
— Pavão?! — insurgiu-se o índio Pé-Coxinho, que até se levantou, procurando a custo equilibrar-se. E repetiu, incrédulo: — Pavão?!
Pé-Coxinho tinha ficado com o pé esquerdo sob a roda de uma carroça, quando era pequeno. Desde então, não voltara a pôr o pé em terra e era campeão em muitas gincanas que a tribo organizava na Primavera, convidando outras tribos a participar — uma espécie de olimpíadas cem por cento índias, com modalidades absolutamente únicas e extraordinárias, nas quais o primeiro prémio era a cobiçada Seta de Ouro. Pé-na-tábua, o condutor mais rápido do Oeste, levantou o braço, pedindo para falar.
Os outros calaram-se e ouviram-no afirmar:
— Concordo com Pé-Coxinho. Não podem ser penas de pavão. Eu acho que são penas de pombo. Já vi umas assim numa revista, numa das viagens que fiz. Tenho praticamente a certeza de que são de pombo, sim.
Ninguém partilhou da opinião de Pé-na-tábua, o condutor de carroça mais veloz e experiente da tribo Sempre-em-pé, que nunca tinha atropelado nem sequer um escorpião.
Depois de a opinião de Pé-na-tábua ser rejeitada por maioria, levantou-se a índia Pé-Firme, mulher do Chefe. Pé-Firme era rechonchuda e forte como um guerreiro, sendo igualmente destemida. Era perita em luta corpo a corpo e nunca virava costas a uma
briga. Usava sempre ao pescoço um colar de dentes de tubarão que o marido comprara a um vendedor ambulante que por ali passara, vindo de um país longínquo.
Ora, a mulher do Chefe não perdia uma oportunidade para se fazer ouvir nas reuniões da tribo. Era, sem dúvida, uma mulher sem papas na língua, que é como quem diz, capaz de dizer tudo o que lhe vinha à cabeça, além de ter uma voz parecida com um trovão dos maiores. De resto, alguns dos homens da tribo tinham a voz mais fina do que a dela,
embora não o quisessem admitir.
Pé-Firme falou:
— Ninguém aqui se entende! Ninguém sabe o que diz! Então não se está mesmo a ver que as penas são de águia?! De que outra ave poderiam ser, se são as águias que mais cruzam os céus por cima das nossas cabeças?
— Não posso concordar com Pé-Firme — interveio Pé-de-chumbo, afastando da testa uma madeixa de cabelo que o incomodava.
Pé-de-chumbo era o pior dançarino de toda a tribo e, certamente, das tribos mais próximas, mas não desistia de tentar, convidando para dançar todas as mulheres que conhecia — desde as mais novas e bonitas às mais velhas e enrugadas.
A mulher do Chefe olhou-o com cara séria, mas ele não se intimidou e explicou:
— As penas de águia são maiores do que aquelas que o pequeno Pé-de-atleta trouxe consigo. Para mim, são penas de condor.
— Com dor fiquei eu depois de dançar contigo — atalhou a índia Sem-Pé, que levara uma pisadela terrível do índio Pé-de-chumbo, numa festa para comemorar uma boa chuvada que caíra do céu para o bem de todos, depois de uma seca prolongada.
Sem-Pé era muito baixa e refilona, falando sempre com o dedo indicador bem espetado no ar. Não suportava que alguém lhe pisasse os calos (que lá eram muitos). Por esta razão, andava sempre de botas, mesmo no pino do Verão.
Chegou então, muito atrasado, Pé-ante-pé, o índio mais preguiçoso da tribo, que se deixara dormir.
Estava realmente embaraçado e sentou-se em silêncio. Quis passar despercebido, mas o Chefe perguntou-lhe o que pensava das penas que Pé-de-atleta tinha na mão.
Depois de olhar para as penas, Pé-ante-pé lá se manifestou:
— São de ganso. É isso mesmo: são penas de ganso-selvagem.
— Ganso-selvagem? Que ideia! Parece que nunca viram um ganso-selvagem! — indignou-se Pé-na-argola, que sonhava ser juiz, mas raramente lhe pediam a opinião.
Depois, ao ver que todos os olhares estavam postos em si, empertigou-se e ajeitou o colar de ossos de galinha que pertencera ao seu pai.
Por fim, tossicou e disse de sua justiça, alto e bom som, em tom quase solene:
— As penas que o pequeno Pé-de-atleta encontrou só podem ser de uma ave: a perdiz.
— Peço a palavra — disse o índio Pé-Sujo, levantando-se. Em seu redor, os companheiros fizeram caretas que nem se deram ao trabalho de disfarçar.
 Na realidade, Pé-Sujo dormia sempre ao relento e odiava tomar banho, só o fazendo no dia do aniversário do Chefe. As suas roupas também não eram lavadas há muito tempo e estavam cheias de nódoas de toda a espécie. Por causa disto, ouvia insultos e protestos todos os dias, de mulheres e homens, jovens e crianças. Porém, ninguém conseguia arrastá-lo até à beira do rio para o fazer mergulhar na água ou, pelo menos, lavar os pés.
— Quanto a mim, são penas de avestruz — disse Pé-Sujo, que nunca tinha visto aquela ave, mas quis meter a sua colherada.
— Avestruz era a tua avó — gritou-lhe o índio Pé-Leve, campeão de corrida com obstáculos, que usava sempre ao peito o colar com a medalha que ganhara na última competição contra as tribos vizinhas dos Cabeças-Duras, Mãos-Largas e Narizes-Empinados.
Pé-Leve era também quem mais embirrava com Pé-Sujo, passando a vida a chamar-lhe a atenção e a mandá-lo tomar banho.
Por fim, acrescentou, na sua voz de cana rachada:
— Vê-se logo que são penas de gaivota.
— Uma gaivota deves ser tu — comentou o índio Pé-em-riste, com voz de poucos amigos, levantando e abanando o pé onde trazia uma colecção de pulseiras coloridas compradas numa feira muito conhecida.
Depois, continuou: — Desde quando é que há gaivotas no céu da nossa tribo, que fica a léguas do mar? Não podem ser penas de gaivota!
A não ser que alguma se tenha perdido do bando e tenha voado até aqui, atraída pelo perfume do Pé-Sujo...
A discussão estava ao rubro. A confusão era mais que muita. Todos gesticulavam e abanavam as cabeças. Uma criança de colo acordou e desatou num berreiro ensurdecedor. Os cavalos da tribo relincharam, agitados.
O pequeno índio achador de penas estava decepcionado. Não conseguia descobrir a quem pertenciam, afinal, aquelas penas que tinham descido do céu mesmo à frente do seu nariz. Ninguém parecia saber, de facto, de onde tinham surgido as penas.
A certa altura, o Grande Chefe Pé-de-galo chamou os seus três conselheiros, todos de cabelos brancos como a neve: Pé-prá-cova (que tinha 90 anos), um seu companheiro de muitas lutas chamado Pé-de-guerra (que já fizera 98 primaveras) e, finalmente, Pé-Sentado (o mais velho de todos, com 103 anos de vida), que sofria de joanetes e só por essa razão raramente saía do seu tipi.
O Grande Chefe quis saber a opinião dos mais velhos e pediu-lhes que, quando tivessem novidades, o avisassem.
Por fim, Pé-de-galo deu por encerrada a reunião, mandando que lhe trouxessem o cachimbo da paz para que ninguém saísse dali zangado.
Então, antes de se retirar, quis que fosse servido um chá de ervas calmantes, para todos irem dormir tranquilamente, ao som dos uivos dos lobos, já que era noite de lua cheia.
Depois de muito pensarem (demoraram o tempo que a lua levou a mudar três vezes de fase), os conselheiros reunidos no tipi do Chefe passaram o cachimbo de mão em mão entre os três, enchendo a tenda de fumaça.
Então, lentamente, abanaram as cabeças para cima e para baixo e cantaram baixinho e muito devagar uma canção que tinham aprendido na infância, Atirei o pau ao coiote.
…continua
  
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

Mário Vargas Llosa, Prémio Nobel da Literatura 2010

Nascido em uma família de classe média, único filho de Ernesto Vargas Maldonado e Dora Llosa Ureta, seus pais separaram-se após cinco meses de casamento. Com isto o menino não conheceu o pai até os dez anos de idade. Sua primeira infância foi em Cochabamba, na Bolívia, mas no período do governo José Luis Bustamante y Rivero, seu avô obtém um importante cargo político no governo, em Piura, no norte do Peru, e sua mãe retorna ao Peru, para viver naquela cidade.
Em 1946 muda-se para Lima e então conhece seu pai. Os pais reconciliam-se e, durante sua adolescência, a família continuará vivendo ali.
Ao completar 14 anos, ingressa, por vontade paterna, no Colégio Militar Leôncio Prado, em La Perla, como aluno interno, ali permanecendo por dois anos. Essa experiência será o tema do seu primeiro livro - La ciudad y los perros ("A cidade e os cachorros", em tradução livre), publicado no Brasil como "Batismo de Fogo" e, posteriormente, como A cidade e os cachorros.
Em 1953 é admitido na tradicional Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, a mais antiga da América. Ali estudou Letras e Direito, contra a vontade de seu pai.
Aos 19 anos, casa-se com Julia Urquidi, cunhada de sua mãe, e passa a ter vários empregos para sobreviver: atua como redator mas também fichando livros e até mesmo revisando nomes em túmulos nos cemitérios.
Em 1958 recebe uma bolsa de estudos "Javier Prado" a vai para a Espanha, onde obtém doutorado em Filosofia e Letras, em 19, na Universidade Complutense de Madri. Após isso vai para a França, onde vive durante alguns anos. Em 1964 divorcia-se de Júlia e em 1965 casa-se com a prima Patrícia Llosa, com quem tem três filhos Álvaro, Gonzalo e Morgana.

 
Obra
Sua obra critica a hierarquia de castas sociais e raciais, vigente ainda hoje, segundo o escritor, no Peru e na América Latina. Seu principal tema é a luta pela liberdade individual na realidade opressiva do Peru. A princípio, assim como vários outros intelectuais de sua geração, Vargas Llosa sofreu a influência do existencialismo de Jean Paul Sartre.
Muitos dos seus escritos são autobiográficos, como "A cidade e os cachorros" (1963), "A Casa Verde" (1966) e "Tia Júlia e o Escrevinhador"(1977). Por A cidade e os cachorros recebeu o Prêmio Biblioteca Breve da Editora Seix [Barral e o Prêmio da Crítica de 1963. Sua obra seguinte, A Casa Verde mostra a influência de William Faulkner. O romance narra a vida das personagens em um bordel, cujo nome dá título ao livro. Seu terceiro romance, Conversa na Catedral publicado em 4 volumes e que o próprio Vargas Llosa caracterizou como obra completa, narra fases da sociedade peruana sob a ditadura de Odria em 1950.

Há um encontro na Catedral entre dois personagens: o filho de um ministro e um motorista particular. O romance caracteriza-se por uma sofisticada técnica narrativa, alternando a conversa dos dois e cenas do passado. Em 1981 publica A Guerra do Fim do Mundo, sobre a Guerra de Canudos, que dedica ao escritor brasileiro Euclides da Cunha, autor de Os Sertões.
Em 7 de outubro de 2010 foi agraciado com o Prêmio Nobel da Literatura pela Academia Sueca de Ciências por sua "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual".[1] O presidente do Peru, Alan Garcia, considerou o prêmio a Llosa como "um reconhecimento a um peruano universal".

 
Vida política
Em 1980 começa a ter maiores atividades políticas no país. Em 1983 a pedido do próprio presidente Fernando B. Terry preside comissão que investiga a morte de oito jornalistas. Em 1987 inicia o movimento político liberal contra a estatização da economia, o que ia de encontro ao presidente Alan García. Em 1990 concorre à presidência do país com a Frente Demócrata (FREDEMO), partido de centro-direita, mas perde a eleição para Alberto Fujimori.
Após isso, retorna a Londres e reinicia suas atividades literárias. Em 2006, em sua mais recente visita ao país, apoia a candidatura de Lourdes Flores, tendo ganhado Alan García. Suas experiências como escritor e candidato presidencial estão expostas na autobiografia "Peixe na Água", publicada em 1991.

 
Bibliografia
 
Ficção
Os Chefes (1959)
A cidade e os cachorros ("La ciudad y los perros") (1963)
A casa verde (1966) (Premio Rómulo Gallegos)
Conversa na catedral (1969)
Pantaleão e as visitadoras (1973)
Tia Júlia e o escrevinhador (1977)
A Guerra do Fim do Mundo (1981)
Historia de Mayta (1984)
Quem matou Palomino Molero? (1986)
O falador (1987)
Elogio da madrasta (1988)
Lituma nos Andes (1993). Premio Planeta
Os cadernos de Dom Rigoberto (1997)
A festa do bode (2000) - novela sobre a ditadura do general da República Dominicana, Rafael Leónidas Trujillo
O Paraíso na Outra Esquina (2003) - novela histórica sobre Paul Gauguin y Flora Tristán.
Travessuras da Menina Má (2006)

Teatro
A menina de Tacna (1981)
Kathie e o hipopótamo (1983)
La Chunga (1986)
El loco de los balcones (1993)
Olhos bonitos, quadros feios(1996)

 
Ensaio
García Márquez: historia de un deicidio (1971)
Historia secreta de una novela (1971)
La orgía perpetua: Flaubert y «Madame Bovary» (1975)
Contra viento y marea. Volúmen I (1962-1982) (1983)
Contra viento y marea. Volumen II (1972-1983) (1986)
La verdad de las mentiras: Ensayos sobre la novela moderna (1990)
Contra viento y marea. Volumen III (1964-1988) (1990)
Carta de batalla por Tirant lo Blanc (1991)
Desafíos a la libertad (1994)
La utopía arcaica. José María Arguedas y las ficciones del indigenismo (1996)
Cartas a un novelista (1997)
El lenguaje de la pasión (2001)
La tentación de lo imposible (2004) - ensayo

 
Prémios e condecorações
Ao longo de sua carreira, Mario Vargas Llosa recebeu inúmeros prêmios e condecorações. Destacamos alguns: o Premio Rómulo Gallegos (1967) e principalmente o Prémio Cervantes (1994). Outros prêmios, a saber, o Prêmio Nacional de Novela do Peru em 1967, por seu romance A Casa Verde, o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras Espanha (1986) e o Prêmio da Paz de Autores da Alemanha, concedido na Feira do Livro de Frankfurt (1997). Em 1993 foi concedido o Prêmio Planeta por seu romance Lituma nos Andes. Uma grande relevância na sua carreira literária Prêmio Biblioteca Breve, que se deu por Batismo de Fogo, em 1963, marca o início de sua brilhante carreira literária internacional. É membro da Academia Peruana de Línguas desde 1977, e da Real Academia Española (RAE) desde 1994. Tem vários doutorados honoris causa por universidades da Europa, América e Ásia; pode-se citar os concedidos pelas universidades de Yale (1994), Universidade de Israel (1998), Harvard (1999), Universidade de Lima (2001), Oxford (2003), Universidade Europeia de Madrid (2005) e Sorbonne (2005). Foi condecorado pelo governo francês com Medalha de honra en 1985 e venceu o Nobel de Literatura do ano de 2010.

Mais informação:

Conferência Saúde e Fraternidade: um novo regime, uma nova mentalidade, uma nova cidade?"

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A fonte dos pardais


Era uma vez uma fonte à beira da estrada. Os pardais das árvores vizinhas tinham ali o seu ponto de encontro.
Matavam a sede, tomavam banho, chilreavam uns com os outros.
De semana a semana, vinha um homem, sempre de automóvel, buscar água à fonte. Enchia uma quantidade de garrafões de plástico e, depois, abalava.
Nessas alturas, a pardalada fugia para o poiso das árvores e ficava a observar.
— O que é que ele vai fazer com tanta água? — intrigava-se um pardalito novo.
— Deve ir regar as couves — sugeria um pardal.
— Para regar as couves é pouca — replicava uma velha pardoca, muito conhecedora da vida.
— Então é para ele beber — propunha outro pardal.
— Para ele beber é muita — replicava a velha pardoca.
— Para o que será?  —  perguntava o pardalito, sem que ninguém soubesse responder-
-lhe.
Decidiu investigar. Voou atrás do automóvel, mas como ainda tinha as asas com pouca força e a estrada era às curvas e contra-curvas, perdeu-lhe o rasto. E perdeu-se.
Esvoaçou ao calhas, até descer sobre um telheiro, junto à estrada. No telheiro havia melões à venda e cebolas e batatas e garrafões de vinho. Alto lá! E também havia garrafões de água, tal e qual os que o homem do automóvel enchia, na fonte dos pardais.
Se o pardal soubesse ler, leria no rótulo dos garrafões:
"ÁGUA DA FONTE DA SAÚDE – Graças a ela, os novos crescem e os velhos não encolhem".
Aos saltinhos, diante dos garrafões, o pardalito admirava a fotografia do rótulo. Lá estava a fonte, centro da sua vida, e uns passarinhos a beber água no rebordo do tanque. Vendo bem, aquele mais pequeno, à direita, podia ser ele, o pardalito aventureiro.
Muito orgulhoso da sua descoberta, o pardal voou muito alto, tão alto que, lá de cima, viu o telheiro dos garrafões, a estrada às curvas e a fonte da Saúde ou dos pardais, donde ele viera.
Disparou em direcção ao ponto de partida e muito excitado piou para os companheiros:
— Já sei o segredo dos garrafões. O homem anda a vender o nosso retrato mais o retrato da nossa fonte.
— E a água para que serve? — perguntou um companheiro.
— Para segurar o nosso retrato — respondeu, prontamente, o pardalito.

António Torrado
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A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias