terça-feira, 16 de novembro de 2010

A flor da alegria

O João e a Rosalinda viviam na mesma cidade, na mesma rua e em casas mesmo encostadinhas. Tão encostadinhas que só um muro separava os dois quintais – o quintal do João e o quintal da Rosalinda. Mas como os dois amigos passavam o tempo a saltar o muro – ora salto eu para o quintal da Rosalinda, ora salto eu para o quintal do João – os pais de ambos resolveram deitar abaixo o muro e ficaram com um grande e belo quintal para todos.
E era no quintal, debaixo da laranjeira grande, que os dois amigos mais gostavam de brincar. E que brincadeiras! Ele eram corridas, ele eram gargalhadas, ele eram cantigas! Até a D. Gertrudes, avó da Rosalinda, dizia rindo também:
— Ai, estes risos! Como eles me fazem bem!
Mas um dia... a Rosalinda não apareceu debaixo da laranjeira grande. Preocupado, João foi logo a correr a casa da amiga. Estaria doente?
Foi a mãe de Rosalinda que abriu a porta e disse:
— A Rosalinda está na sala. Já chamámos o médico. Não tem febre, não tem dores, parece que nem tem nada, mas está tão triste! É que, sabes, a tristeza pode ser uma doença.
Então João entrou na sala e encontrou a amiga sentada numa cadeira, com a cabecinha muito direita, as trancinhas negras caídas nos ombros, os olhos parados, as mãos imóveis... e caído aos seus pés o Bebé, seu boneco preferido, com uma lágrima redondinha como uma pérola a deslizar nas suas bochechas rosadinhas.
Era isso, então, concluiu o João. A Rosalinda estava doente de tristeza.
Nessa noite, João deitou-se, muito triste também, a pensar na amiga. Os seus olhos fecharam-se e ele ouviu, vinda não sabia de onde, uma voz misteriosa que dizia:
— Só tu podes salvar Rosalinda. Sobe ao pico mais alto das Montanhas da Neve e lá encontrarás a Flor da Alegria. Colhe-a e trá-la contigo, pois só ela pode salvar a tua amiga.
Então João pôs-se a caminho das Montanhas da Neve. Quando se preparava para começar a subida, apareceu-lhe no caminho um dragão, com a sua cauda de serpente e as suas asas a vibrar de fúria:
— Não sabes que eu sou o guardião destas Montanhas? Não sabes que nunca ninguém por aqui conseguiu passar?
— Mas eu tenho de subir ao pico mais alto das Montanhas da Neve para colher a Flor da Alegria e salvar a minha amiga Rosalinda que está doente de tristeza — explicou o João.
O dragão, indeciso, coçou com as suas fortes garras a cabeça coberta de escamas e, mais brando, disse:
        — É bonito isso da Amizade! Olha, poderás subir ao pico mais alto das Montanhas para colheres a Flor da Alegria, mas terás de vencer três provas muito difíceis para mostrares que és mesmo amigo da Rosalinda. É que a Amizade não é coisa fácil, sabes?
E João, ao recordar a carinha triste da amiga, encheu-se todo de coragem e prometeu ao dragão:
— Faço tudo, mesmo tudo o que for preciso, para salvar Rosalinda.
— Isso que disseste é bonito também. Agora vou dizer-te as três provas que terás de vencer para chegares ao pico mais alto das Montanhas da Neve: entrar na Caverna dos Leões Ferozes; trazer a coroa de diamantes da Rainha das Fadas que está no ramo mais alto da mais alta árvore do Bosque dos Abetos; e, por fim, atravessar o Lago das Águas Verdes. Então encontrarás a Flor da Alegria — e o dragão desapareceu numa nuvem de fogo.
E o João continuou a caminhar.
Numa clareira, encontrou um leão bebé, de pêlo dourado, que brincava, pulava e rebolava sobre um tapete macio feito de musgo verde e folhas caídas das árvores.
João parou um bocadinho a olhar encantado o leãozinho quando ouviu, atrás de si, um barulhinho leve. Era um tigre felino, de pêlo amarelo e pescoço listrado de preto, que se preparava para atacar o leão bebé. Então, sem pensar no perigo, João deu um salto, agarrou o leãozinho e escondeu-se com ele numa caverna escura que se abria mesmo ao lado da clareira. Do lado de fora, o tigre bem tentava atacá-los, mas a entrada da caverna era estreita e ele não conseguia entrar. Por fim, foi-se embora, rugindo um forte rugido de cólera.
Quando o nosso herói se preparava para partir, apareceram, vindos do outro lado da caverna, o Pai Leão, a Mãe Leoa e, pulando à volta deles, três filhotes, irmãos do leão bebé.
— Obrigada por salvares o nosso filho — disse a Mãe Leoa, aconchegando a si o leãozinho, com a sua pata macia.
— Ele é muito desobediente. Saiu sozinho da caverna e só a tua coragem o salvou — disse o Pai Leão, agitando a sua farta juba, em sinal de agradecimento. Que podemos fazer por ti, amigo?
E o João falou:
— Eu tenho de entrar na caverna dos Leões Ferozes para subir ao pico mais alto das Montanhas da Neve e aí colher a Flor da Alegria para salvar a minha amiga Rosalinda que está doente de tristeza.
— Mas a caverna dos Leões Ferozes é esta. E, olha, nós não somos ferozes. Só atacamos os outros animais para nos defendermos ou quando temos muita fome. Agora vamos contigo até ao outro lado da caverna. É lá que fica o caminho para o pico mais alto das Montanhas da Neve.
E os leões acompanharam o João até à saída da caverna e despediram-se com grande amizade.
João olhou para o alto pico coberto de neve e, enchendo-se de força, começou a subida. Ia a atravessar um bosque muito verde e cerrado quando ouviu lá do cimo:
— Ai! Ai! Ui! Ui! Ai! Ui!
Olhou e viu um macaquito muito aflito com o rabito enrolado no ramo de uma árvore.
— Ajuda-me cá! Ajuda-me cá! — pediu o macaquito. — Estava aqui a ensaiar saltos mortais para a grande Festa dos Macacos que é já amanhã quando o meu rabo (sabes, o rabo dos macacos é muito importante) se me enrolou neste ramo. E agora aqui estou preso. Achas que podes libertar-me?
O João que, como já adivinharam, era muito amigo dos animais, não se fez rogado. Trepou até ao ramo onde estava o macaquito e desenrolou com todo o cuidado o seu rabito.
— Ora aqui estou eu livre de novo. E com o meu rabinho inteiro! Estou-te muito agradecido. O que posso fazer por ti, amigo?
— Eu tenho de ir buscar a coroa de diamantes da Rainha das Fadas que está no ramo mais alto da mais alta árvore do Bosque dos Abetos.
— Mas o Bosque dos Abetos é aqui. E a mais alta árvore do bosque é esta mesma onde nós estamos. Espera um instantinho que eu sou um macaquito ágil e bom trepador e vou retribuir-te o teu favor.
E o macaco subiu ao ramo cimeiro da árvore e voltou com uma coroa de diamantes que brilhavam como mil estrelas acesas. E, com muitos abraços e agradecimentos, despediram-se e cada um seguiu o seu caminho.
E João andou, andou, andou, já muito cansado, mas com os olhos pregados no pico mais alto das Montanhas da Neve onde crescia a Flor da Alegria que iria salvar a sua amiga Rosalinda que estava doente de tristeza.
Até que chegou às margens do Lago das Águas Verdes. E, no meio dos altos arbustos, foi encontrar, ferida, uma Águia Real que em vão tentava voar, batendo as suas enormes asas, aflita e sofredora.
— Águia Real, está sossegada. Eu vou tratar de ti e poderás voar de novo.
E João ficou nas margens do Lago das Águas Verdes durante três dias e três noites para tratar a Águia Real. Por fim, ela conseguiu erguer-se e ensaiou um pequeno voo.
— Já posso voar de novo! Como te estou agradecida! Que posso fazer por ti, amigo?
— Eu tenho de atravessar o Lago das Águas Verdes, subir ao pico mais alto das Montanhas da Neve e colher a Flor da Alegria para salvar a minha amiga Rosalinda que está doente de tristeza.
— Nada mais fácil. O meu ninho é mesmo lá no pico mais alto das Montanhas. Sobe para cima de mim sem medo. Nós, as Águias Reais, somos as mais fortes e as mais corajosas das aves.
E João, agarrado ao pescoço da sua amiga, voou muito alto, sobre o lago das Águas Verdes. E todos os animais do bosque levantaram para o céu uns olhos redondos de espanto. E até os peixinhos do lago puseram de fora as cabecinhas curiosas. É que nunca ninguém tinha visto um rapazinho voar montado numa Águia Real!
A Águia pousou no pico mais alto das Montanhas da Neve, despediu-se do amigo e voou para o seu ninho.
E ali mesmo, no meio da neve, abrigada de todos os ventos por um rochedo, João encontrou a Flor da Alegria. O seu pé era delicado e frágil, as suas folhas tinham a forma de um coração e as suas pétalas tinham a cor quente da amizade. Então, com muito cuidado, João colheu a Flor, apertou-a contra o coração, desceu as Montanhas da Neve a correr e a correr entrou na casa de Rosalinda.
Já ela estava sentada na sua cadeira, com a cabecinha muito direita, as trancinhas negras caídas nos ombros, os olhos parados, as mãos imóveis... e caído aos seus pés o Bebé, seu boneco preferido, com uma lágrima redondinha como uma pérola a deslizar nas suas bochechas rosadinhas.
João colocou a Flor da Alegria nas mãos de Rosalinda. Então uma estrelinha, muitas estrelinhas começaram a brilhar nos olhos da amiga. Ela sacudiu a cabeça e as suas trancinhas negras começaram a bailar para um lado, para o outro. Depois as suas mãos apanharam o Bebé e secaram a lágrima-pérola das suas bochechinhas rosadas.
E virou-se para o João a rir. E o seu riso era tão alegre, tão claro, tão cristalino que ele começou a rir também.
E a partir desse dia voltaram as brincadeiras debaixo da laranjeira grande. E que brincadeiras! Ele eram corridas, ele eram gargalhadas, ele eram cantigas! Até a D. Gertrudes, avó da Rosalinda, dizia rindo também:
— Ai, estes risos! Como eles me fazem bem!
E a Flor da Alegria?
Essa não morreu nunca. Ficou a morar para sempre no coração do João e no coração da Rosalinda.

Manuela Monteiro
A flor da alegria
Porto, Campo das Letras, 2006
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

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