No cruzamento, paro na passadeira. Os carros passam apressados à minha frente, colados uns aos outros. Pouso a pasta no chão, ao meu lado. Hoje está bastante pesada, mais pesada do que de costume. Ao segundo tempo tivemos Estudo do Meio e tenho sempre de levar o atlas, que pesa quase um quilo. Não admira, quando imagino que lá dentro estão todos os rios, montanhas, mares, cidades e países – ou, pelo menos, quase todos. Aqui estão eles, nesta pasta, aos meus pés. Que ideia mais esquisita. Espero que os rios e os mares não comecem a sair, senão o livro de leitura e os outros livros todos e os cadernos que trago comigo ficam molhados!
Os carros param. É o sinal de partida para mim. Atravesso ao lado de outros peões, roçando nos pára-choques. A minha mãe resmunga muitas vezes por causa deste percurso. É uma falta de consideração para com as crianças, comenta ela. Mas a mim, este caminho não me incomoda, e os carros também não. Se calhar, começa-se a pensar como a minha mãe quando se é mais velho… Ali à frente, na próxima esquina, vou mudar a pasta para a outra mão. Faço-o sempre nesse local. A tabacaria é a referência. Quando lá chego, já o couro da pega me fez uma marca vermelha na mão.
Estou quase a chegar a casa. Dobro esta esquina, ando mais um pouco, e vejo a nossa casa amarela pintada de fresco. Mas, o que é isso de nossa casa? É a casa onde nós e muitas outras famílias moramos…
Começo sempre por ver se a minha mãe está atrás de alguma janela. Às vezes, imagino que ela está lá, à espera de me ver chegar. Mas hoje também não está. Antes, quando eu andava na primeira classe, a minha mãe ficava muitas vezes lá em cima e acenava-me quando me via. Eu fazia então o último troço a correr. Se calhar, a minha mãe está na cozinha a preparar o almoço. Se calhar não soa a certeza, e eu tenho a certeza de que ela está na cozinha. É sempre assim!
Tenho de lhe contar sem falta que hoje me aconteceu uma coisa maluca na escola. Desde a primeira hora da manhã que fiquei sentado ao lado de um novo colega chamado Roberto. Sinto-me tão contente! É o colega da turma de quem eu mais gosto. E hoje perguntou se podia sentar-se ao meu lado!
Será que a minha mãe já esvaziou a caixa do correio? Sim, já esteve no átrio e levou o correio. A caixa está vazia, já não há nenhum jornal, nada. Esqueci-me completamente de trocar a pasta de mão. Agora também já não troco, embora já me comece a arder. De certeza que ainda aguento os poucos degraus. São vinte até à nossa porta. De certa maneira, até estou contente por ter calos na palma da mão por carregar com a pasta. Quando lhes pico um bocadinho com uma agulha, não sinto nada.
Começo por ver a porta dos nossos vizinhos; chamam-se Bambinek. Quando leio o nome, dá-me sempre vontade de rir, não sei bem porquê. Pronto… e agora já posso tocar à campainha. A minha mãe está em casa, como sempre. Atravessa o vestíbulo, não tarda a abrir a porta.
— B’dia — diz, e mais nada.
Pergunta quase sempre:
— Então, o que é que houve? Como foi a escola?
E eu conto o que se passou na escola e pergunto:
— O que é o almoço?
Quando tenho sorte, responde:
— Esparguete com molho de carne.
Mas hoje só diz:
— B’dia.
Vira-me logo as costas e vai para a cozinha. Mas eu quero contar-lhe o que me aconteceu na escola!
Quando vou à cozinha, torno a ver-lhe só as costas. O que se passa com ela? Pouso a minha pasta à entrada. Bolas, a mão dói-me bastante! Tenho mesmo de perguntar se posso ao menos deixar o atlas na escola. Entretanto, a minha mãe inclina-se sobre o fogão, e logo a seguir sobre a mesa, para cortar cebolas. Faz aquilo rapidíssimo. Agora corta batatas, deita sal na água. Nem precisa de dizer: “O almoço é daqui a dez minutos.” As costas dela dizem-mo. E é-me relativamente indiferente se o almoço está pronto em dez ou vinte minutos.
É pena que a minha mãe não tenha mais calma! Mas deve pensar que morro, se a comida não estiver em cima da mesa daqui a pouco. À noite, quando cozinha para o meu pai, faz exactamente o mesmo. É sempre muito pontual.
— Hoje aconteceu uma coisa na escola — conto, e quero continuar a falar. Mas como ela quer ter a comida pronta em dez minutos – agora são só nove – não me ouve. Só diz:
— Faz-me um favor, põe a mesa. — E de seguida: — O almoço é daqui a dez minutos.
Isso já eu sei. Em seguida ponho a mesa. Vou à sala, tiro os pratos do armário, os de domingo, porque hoje me apetece pôr. A minha mãe deve ter queimado os dedos na panela de pressão. Está a praguejar e bem. Pouso os talheres e corro para a cozinha.
— Panela estúpida — diz.
— Na escola estou sentado ao lado… — mas já vi que foi o momento errado para começar. Odedo continua a doer-lhe. Põe-no debaixo de água a correr.
— Já puseste a mesa? — pergunta.
— Hum — murmuro, e desapareço novamente para a sala.
Ela vem logo atrás de mim a gritar:
— Quantas vezes tenho de te dizer para não deixares as coisas da escola na entrada? Já não to disse umas cem vezes? Pendura-as no cabide. Com mil macacos!
Aprendeu esta expressão com o meu pai. Hoje é a primeira vez que a ouço dizê-la. Dito por ela, soa esquisito. Não consigo evitar e rio à socapa. Por sorte, o Carlos, o meu irmão mais novo, começa a chorar. A mãe olha-me horrorizada, como se se tivesse esquecido de uma coisa muito importante. Corre para o quarto do bebé. Não, não corre, lança-se para o quarto do bebé.
— Queres que leve alguma coisa? — pergunto.
Fui outra vez à cozinha de propósito para lhe falar do meu novo colega de carteira. Ainda estou contentíssimo.
— Sim — responde — leva os suportes para a sala.
— Olha, queria contar-te que hoje tenho um novo colega de…
— Depois! — diz ela. — Por favor, agora deixa, as batatas estão prontas. Se queres fazer-‑me um favor, leva o balde do lixo lá para baixo. O almoço é daqui a cinco minutos. Despacha-‑te e depois lava as mãos.
Pego no balde e desço. Deixo que a porta bata o mais alto possível, embora ela se irrite com isso. Não vou despachar-me, nem um pouco. Gostava de ficar fora pelo menos uma hora. Só estou contente por não ser sempre assim em minha casa. E uma coisa é certa: hoje já não lhe conto que tenho um novo colega de carteira. Já perdi a vontade.
Achim Bröger
Michael Ende; Irmela Brender (org.)
Bei uns zu Hause und anderswo
Stuttgart, K. Thienemanns Verlag, 1976
(Tradução e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias
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