As crianças têm direitos!
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Crianças de lado nenhum
Era uma vez um menino como tu, da tua idade, que vivia com a família. Tinha amigos, ia à escola, fazia desporto e frequentava aulas de música. Tal como tu, queria saber tudo e devorava livros para poder conhecer o mundo. Mas isso não lhe bastava. Um dia foi passear pelo campo e sentou-se junto de uma árvore. Era um carvalho robusto, centenário, com ramos tão acolhedores que lembravam braços abertos. O menino sentia-se bem e começou a falar:
— Se o nosso planeta fosse tão pequeno como uma aldeia, seria fácil percorrer todos os continentes; com poucos passos, eu podia encontrar todos os meninos da Terra!
Naquele instante, os ramos do velho carvalho baixaram-se, levantaram o menino e levaram-no num turbilhão ensurdecedor. Quando voltou a abrir os olhos, seguia por um caminho de pedras. À sua frente avançava um grupo de crianças descalças, sujas, embrulhadas em cobertores. As mais velhas levavam ao colo as mais pequenas.
— Olá! — disse o menino. — Para onde vão?
— Não sabemos. Há meses e semanas que caminhamos, que fugimos de casa por causa da guerra.
— E a vossa família? E a vossa aldeia, o vosso país? — perguntou o menino.
— Já não temos nada. Temos apenas medo no peito. Alguns de nós fugiram num barco de tábuas velhas e esburacadas. Outros, atravessaram o deserto sem comer nem beber e outros ainda esconderam-se na floresta, alimentando-se de raízes e dormindo ao relento!
O menino sentiu o medo apoderar-se dele. Um medo terrível que até então desconhecera. Não era um medo pequeno como o medo do escuro ou da trovoada, mas o de um pesadelo, de onde se quer sair o mais depressa possível. Queria voltar a encontrar o velho carvalho, queria regressar a casa. Dentro do bolso, sentiu uma folha mexer-se entre os dedos. Apertou-a… e, de repente, encontrou-se junto da velha árvore:
— É horrível! Vi meninos retirados ao pai, à mãe, à sua terra, aos seus sonhos. É preciso ajudá-los; têm o direito de viver em paz a sua vida de criança!
O menino ia levantar-se para se ir embora, quando um ramo pegou nele e o fez sobrevoar o caminho de pedras onde, em grandes camas de rede, as crianças de lado nenhum descansavam em paz, debaixo de dois grandes carvalhos que, de repente, ali tinham aparecido. O menino ficou mais tranquilo. Fechou os olhos e deixou-se também embalar pelos ramos. Um calor suave acariciava-lhe o rosto.
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Crianças do Haiti
Abriu os olhos: estava numa ilha sob um sol ardente. Ao longe, viu crianças atarefadas.
— Olá! — gritou-lhes.
As crianças mal repararam nele e prosseguiram, umas a engraxar sapatos, outras a despejar lixo, outras ainda a lavar azulejos. Abeirou-se delas:
— Querem brincar comigo?
Àquelas palavras, as crianças pararam de trabalhar. O mais velho deu um passo na direcção do menino:
— Eh! Não há tempo para brincar. Temos trabalho a fazer!
— Trabalho?
— Nós temos de trabalhar o dia inteiro, senão, à noite, não temos nada para comer.
— Vocês trabalham? Na vossa idade?
— Lá em casa somos doze, não há outro remédio! Temos de ajudar os nossos pais. Já vês que não temos tempo para brincar.
— E à noite?
— À noite, estamos tão cansados que nem pensamos em brincar. Estás a ver aquele homem ali em baixo, com os sapatos cheios de pó? Está à minha espera. Tenho de deixá-los a brilhar e, se ele ficar satisfeito, dá-me duas moedas. Já chega para comprar fruta, pão e quatro batatas-doces. Bom, então adeus, miúdo. Bem gostava de brincar contigo!...
Em seguida, o menino foi sentar-se ao pé de uma árvore coberta de flores vermelhas e cor-de-laranja. "Uma árvore que faz sonhar", pensou ele.
Ouviu a voz do mais velho murmurar-lhe ao ouvido:
— Eh, miúdo, quando for grande hei-de fazer uma lei que dê a todas as crianças o direito de brincar todos os dias!
Da árvore flamejante brotaram então, como uma chuva de sonhos, os brinquedos mais extraordinários.
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Manitra
O menino ia pegar num brinquedo, quando, de novo, os ramos da árvore se ergueram para levá-lo a um outro lugar. Pousaram-no num bairro pobre de uma grande cidade.
— Estas casas são feitas de cartão. Como se pode viver lá dentro quando chove?
Respondeu-lhe uma menina de vestido sujo e esfarrapado com as mãos pretas do pó de carvão.
— Eu sou a Manitra. Quando chove, cobrimo-las com plásticos grandes e pronto! Boeh, boeh!
— O que quer dizer boeh, boeh?
— Carvão, carvão! Eu apanho carvão e ando pelas ruas a apregoar boeh, boeh! Para o vender. Com o dinheiro, já posso comprar arroz e feijões!
No fim de cada frase, Manitra tossia, uma tosse aguda.
— Estás doente?
— Em Madagáscar, todas as crianças que apanham carvão tossem. É o pó que irrita os pulmões.
— Não tens nenhum xarope?
— É preciso dinheiro para a gente se tratar!
Um bebé correu a encostar-se a Manitra. Tinha as pernas cobertas de chagas.
— É o meu irmãozinho.
— Tem de tratar as pernas!
— Eu sei. Mas para comprar uma pomada, tenho de apanhar e vender cinquenta pedras de carvão. E é muito difícil!
O menino rebuscou no fundo dos bolsos e deitou ao chão uma folha de carvalho. Em segundos, um embondeiro majestoso ergueu-se, carregado de medicamentos e de vitaminas. Manitra recolheu o que era preciso para curar o irmão.
— Um dia, hei-de ser enfermeira no meu país. Vou tratar dos meninos pobres que vivem na rua ou em bairros de cartão, para que também eles tenham direito a ser tratados.
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Romain
O menino já não a ouvia. Já estava longe, muito longe, numa cidade de betão, onde não havia embondeiros nem flores. Nas escadas de um prédio, estava sentado Romain. O menino abordou-o:
— Olá! Estás sozinho? Não tens amigos?
Romain ergueu a cabeça.
— Estou sozinho o dia inteiro. Quando me levanto, os meus pais já têm saído e, à noite, como sozinho em frente da televisão!
— E isso é porque eles têm muito trabalho?
— Não. Nos dias em que não trabalham, é igual. Quase não falam comigo, e quando falam, é só para me castigarem ou para me ralharem. Se faço a mesma pergunta muitas vezes, o meu pai irrita-se e bate-me. Não percebo porquê. Talvez eu não seja o filho que ele desejava!
Romain escondeu a cabeça entre os joelhos.
— Tenho vergonha de te ter contado isto, tenho vergonha! — e correu a fechar-se em casa.
O menino encostou-se à porta e disse-lhe:
— Vergonha porquê? Mas tu não tens culpa! Tens direito a falar, a contar a tua história, não deves ficar fechado no teu silêncio, a sofrer sozinho. Estás a ouvir-me? Eu sou teu amigo! Eu sou teu amigo!
E, diante da porta de Romain, deixou um punhado de folhas de carvalho. Num instante, elas formaram uma trança que correu de casa em casa, e entrou em casa de outras crianças, novos amigos de Romain. O menino bem gostaria de seguir aquela longa cadeia de amizade, mas já os ramos lhe indicavam outro destino.
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Meninas das Filipinas
Conduziram-no por uma rua estreita e mal iluminada onde se sentiu um pouco inseguro. Atrás de uma janela gradeada viu duas meninas. "Crianças na prisão?"
— Bom dia — disse ele timidamente — o que estão a fazer aí?
— Estamos presas!
— Mas é proibido meter crianças na cadeia! O que é que vocês fizeram de mal?
— Nada. Um homem comprou-nos aos nossos pais.
— O quê, comprou-vos?
— Sim. Disse que ia dar-nos trabalho, que íamos ter um tecto, comida e dinheiro! Como somos muito pobres, acreditámos nele.
— Era um mentiroso, um aldrabão!
— Agora não nos deixa sair. Pôs grades nas portas e nas janelas, e proíbe-nos de falar. Somos escravas dele — sussurrou a menina.
— Onde está esse homem? Tem de ser preso e julgado. Onde é que ele está?
— No nosso país há muitos homens como ele. Não se pode fazer nada!
— Claro que pode!
O menino, revoltado, pôs-se a forçar as grades com quanta força tinha, mas não conseguiu alargá-las. Apavoradas, as meninas foram esconder-se. Tinha de encontrar o velho carvalho o mais rapidamente possível! Meteu as mãos nos bolsos e esfregou uma folha. A árvore apareceu imediatamente. O menino agarrou-se à casca a gritar:
— No nosso planeta há pessoas que batem nas crianças e há crianças que são compradas. É uma vergonha, não há direito!
E começou a chorar.
O ramo veio delicadamente secar-lhe as lágrimas, que lhe deslizavam pela cara abaixo como pérolas de chuva. Pegou nele e pousou-o debaixo de uma tília em flor.
… (CONTINUA)
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias
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