A lenda da rosa-de-cristo
Certo dia, a mulher do salteador de estradas, que vivia numa gruta no alto da montanha de Goinger, no meio de uma densa floresta, desceu às terras baixas, acompanhada dos cinco filhos, para pedir esmola pelas aldeias. Quando a mulher do salteador batia às portas das casas, ninguém ousava negar-lhe esmola, porque todos sabiam que, como vingança, o marido viria de noite pegar fogo aos campos e aos pomares.
E foi durante uma dessas visitas pelas aldeias que a mulher do salteador e os filhos chegaram ao convento de Ovede, habitado por uns santos frades. À volta do convento corria um alto muro, e a mulher viu uma porta meio-aberta. Dirigiu-se para lá, seguida dos filhos, e entrou sem pedir licença a ninguém. Era no Verão, e a mulher encontrou-se num lindo jardim, cheio de flores de toda a espécie. Ficou tão embevecida que começou a caminhar pelas alamedas para admirar mais de perto aquela maravilha.
Ao fundo do jardim estava um irmão leigo que trabalhava no convento como jardineiro, e quando viu a mulher do salteador e os cinco filhos avançou para correr com
eles.
— Toca-me, se te atreves! — gritou a mulher do salteador.
— Isto é um convento de frades — disse-lhe o irmão leigo — e deves saber que não é permitida a entrada a mulheres.
Mas a mulher do salteador não fez caso e continuou a passear por entre os canteiros de rosas, hissopos e madressilvas. Então o irmão leigo avançou para ela e quis expulsá-la à força. Mas a mulher do salteador começou aos gritos e arranhou-o e mordeu-o, ajudada pelos filhos. O pobre irmão leigo desatou a correr para o convento, em busca de reforços, mas no caminho esbarrou com o velho abade João, que acudira a ver o que se passava no seu jardim.
O irmão leigo contou-lhe o que se passava, mas o abade censurou-o por ter usado de violência e proibiu-o de ir buscar reforços. E, apesar de velho e fraco, avançou para a mulher do salteador, que continuava a admirar o jardim. O abade João amava mais o seu jardim do que todas as coisas terrenas, e pensou que ela queria admirar as flores por nunca ter visto outras tão bonitas. E perguntou-lhe, com suavidade:
— Gostas do meu jardim?
E a mulher respondeu-lhe com mau modo:
— A princípio pareceu-me um lindo jardim, mas agora vejo que não se compara
com outro que eu conheço. Se vocês o vissem, arrancavam todas estas flores e atiravam--nas fora, como se fossem ervas ruins.
— Deve ser bonito o teu jardim, lá no alto da floresta selvagem, onde nunca entra o Sol — disse o irmão jardineiro, a rir.
— Pois eu juro que estou a dizer a verdade, e vocês, que são homens santos, deviam saber que, na noite de Natal, a floresta de Goinger se transforma num jardim que parece o Paraíso, para festejar o nascimento do Salvador. E aparecem flores tão lindas que nem nos atrevemos a tocar-lhes.
O irmão leigo riu ainda com mais vontade:
— Não percebo por que razão Nosso Senhor Jesus Cristo havia de festejar o seu
nascimento num sítio onde vivem só ladrões, como tu e o teu marido!
— É pena — gritou a mulher — tu não teres coragem para subir lá acima à floresta, na noite de Natal, para saberes que eu falo verdade.
O irmão leigo ia responder, mas o abade fez-lhe sinal para que se calasse. Porque o abade João sempre ouvira contar desde pequeno que a floresta se cobria de maravilhas na noite de Natal. E sempre desejara ver esse prodígio. Então pediu à mulher para o deixar ir visitar a gruta dos salteadores na noite de Natal. E se ela lhe mandasse um dos filhos como guia, jurou que iria só, montado num cavalo, prometendo que nunca os denunciaria e que, pelo contrário, os recompensaria como pudesse.
A princípio a mulher recusou, pensando que se tratava de uma cilada, mas depois, na ânsia de provar que o seu jardim era muito mais bonito do que o do convento, disse:
— Mas só podes ir acompanhado por uma pessoa. Eu ficaria muito desiludida se nos armasses uma cilada, porque te considero um santo homem.
A mulher saiu, seguida pelos filhos, e o abade João ordenou ao irmão leigo que não contasse a ninguém aquela conversa. Mas aconteceu que daí a dias chegou o arcebispo Absalão de Lund, e passou uma noite no convento. E foi o próprio abade que lhe falou no salteador que vivia escondido no alto da floresta, e pediu-lhe uma carta de alforria, para que ele pudesse voltar a viver honradamente entre os homens.
O arcebispo Absalão respondeu que era perigoso deixar um ladrão viver entre pessoas honestas e que era melhor deixá-lo onde estava. Então o abade contou-lhe o que
sucedia todos os anos na floresta em noite de Natal. E terminou:
— Se a graça de Deus se manifesta assim a esses desgraçados, é porque não os acha assim tão maus, e não somos nós quem pode negar-lhes a clemência humana.
Mas o arcebispo encontrou uma boa resposta:
— Prometo-lhe que, no dia em que me trouxer uma flor desse tal jardim de Natal na floresta de Goinger, lhe dou uma carta de alforria para o salteador que vive afastado de Deus.
continua………
O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar
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