(CONTINUAÇÃO)
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BRYONY E BRIAN
O som de um violino fê-lo erguer a cabeça. Bryony tocava uma doce melodia. Ela parou e perguntou-lhe:
— Não encontraste Bryan pelo caminho? Estou a ouvi-lo. É o meu namorado.
— Tens sorte por teres um namorado!
— Sim, mas quase nunca o vejo.
— Porquê? Vive longe?
— Não, é logo à frente de minha casa, mas estamos proibidos de nos vermos porque eu sou católica e ele é protestante.
— E o que é que isso tem a ver com o amor?
— Em casa, se quiser dizer adeus a Bryan, os meus pais não podem saber. Ficam furiosos. Dizem que os culpados pelas bombas e pela violência são os protestantes. Eu amo Bryan tal como ele é, com os dentes separados e os cabelos ruivos. Não me interessa a religião!
Bryony deu um suspiro e continuou:
— Felizmente, temos um segredo que os adultos não conhecem: sempre que queremos, encontramo-nos através da música.
Bryony recomeçou a tocar. Ao longe, uma flauta respondeu-lhe.
— Mais tarde vamos ser músicos e tocar juntos nas ruas, para mostrar que as crianças têm direito ao amor, mesmo que não sejam da mesma religião, da mesma raça ou da mesma cor.
Ao som da flauta e do violino, a tília cobriu-se de notas de música e de instrumentos de todos os países do mundo. O menino deixou-se embalar por aquela música e, um pouco cansado de tanto viajar, adormeceu.
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AMADOU
A voz de Amadou acordou-o.
— Onde estou? — perguntou o menino.
— Estás no Mali, no meu país!
Debaixo de um magnífico ébano, Amadou remexia na pasta.
— Vais para a escola?
— Escola? Estás a brincar! Há meses que o chefe nos prometeu uma, mas nunca mais chega. As pessoas importantes têm sempre coisas mais urgentes a fazer!
— O quê, por exemplo?
— A guerra. Aqui, as tribos combatem-se, destroem as florestas, as aldeias. Assim, as pessoas não têm tempo para construírem uma escola! Para eles, isso não é importante. A maior parte das pessoas da minha aldeia nem sequer sabe escrever! A minha pasta, estás a ver, foi-me dada por uns meninos de uma escola de outro país. Aqui dentro está tudo o que é preciso para aprender: números, letras, lápis, borrachas… Eu tenho vontade de saber, de compreender!
Amadou estava cheio de curiosidade, até parecia que queria devorar os livros.
— Hoje, posso dizer-te, de cor, a conjugação dos direitos no tempo presente. Eu tenho direito a ir à escola, tu tens direito a aprender a ler, ele tem direito a saber contar… Mais tarde, hei-de ser professor, hei-de ir de aldeia em aldeia ensinar as crianças a ler e a escrever, para que saibam que todos têm direito a uma educação gratuita, qualquer que seja a sua tribo, quer vivam no mato quer vivam nas grandes cidades.
O ébano magnífico balançou-se lentamente.
Livros cheios de histórias e de cadernos impacientes por receberem os mais belos segredos caíram, um a um, à volta de Amadou.
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MEENA
O menino mal teve tempo de dizer adeus a Amadou; viu-se, logo de seguida, sentado numa carteira de escola ao lado de uma menina que dormia em cima do caderno. “Ela tem direito a descansar. Deve estar muito cansada!”, pensou ele. Meena abriu os olhos:
— Oh, que horas são? Ai, ai, vou chegar atrasada à fábrica! O patrão vai ralhar comigo!
— À fábrica? O patrão? De que é que estás a falar?
— De manhã e de tarde, trabalho numa fábrica de tapetes, e também vou à escola, mas estou cansada e nunca acabo os deveres. Por isso tenho más notas.
— Não vás para a fábrica! Tens os olhos vermelhos.
— É normal. Os trabalhos de tecelagem são numa cave sombria, iluminada só por um respiradouro. Trabalhamos na penumbra.
— Há lá mais crianças?
— Claro, só há crianças!
— Não voltes para lá! As crianças da tua idade vão à escola, não vão trabalhar!
— Os meus pais não podem viver se eu não trabalhar.
O menino ficou a pensar:
— Se fores à escola, aprendes uma boa profissão e podes ajudá-los melhor.
Os olhos de Meena iluminaram-se.
— Mais tarde quero ser professora de Indi. Hei-de ensinar às crianças que têm o direito de dizer não! Não, não queremos ser explorados, queremos ir à escola, estudar para sermos livres de escolher as nossas vidas.
O menino já apertava nas mãos algumas folhas do velho carvalho. As mais brilhantes e as mais vivas.
Meteu-as na palma da mão de Meena e desapareceu.
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MOHAMED
Seguia agora por uma rua branca, deserta. De repente, alguém o interpelou atrás de uma persiana:
— Eh, o que andas aqui a fazer?
O menino hesitou:
— Ando à procura das crianças deste país, mas nem sequer sei a que país vim parar!
— Estás na Argélia.
— Tem deserto?
— Com areia dourada, fluida, que escorre como o mel quando a agarramos com as mãos. Antigamente, ia muitas vezes para esse deserto com o meu pai.
— E porque é que agora já não vais?
— Porque já não saímos de casa. Desconfiamos de tudo: dos vizinhos, dos amigos, dos primos!
— E de mim?
— Sim, de ti também! Dantes, teria saído à rua para falar contigo. Agora, fico aqui fechado e tenho medo de tudo: de um carro que arranca, de uma persiana que faz barulho, de passos no passeio… Olha, tenho medo!
O menino sentiu-se pouco à vontade. Lembrou-se do terrível medo que sentira no caminho de pedra:
— De que é que tens medo?
— Da violência!
— Mas tu não tens nada a ver com isso!
— Pois não, mas quando uma bomba explode num mercado, ou perto de uma escola, fere e mata crianças e pessoas que são contra isso tudo! Mais tarde, se eu vier a ser Presidente da República, vou impedir que haja violência e guerra, para que as crianças tenham direito a viver em paz!
Ao ouvir as palavras violência e guerra, o menino sentiu o medo voltar. À sua volta, nem uma única árvore para o proteger. Procurou no bolso. Já só tinha duas folhas. Pegou numa e desfê-la em pedaços minúsculos. Imediatamente, uma fila de palmeiras ladeou a estrada. O menino começou a contá-las: uma… duas…, quando se viu a cavalo num ramo do carvalho. Era tudo tão rápido! Por baixo dele desfilava um continente com os seus países. A cabeça andava às voltas, tinha vertigens.
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CHINESINHA
Viu-se deitado debaixo dos bambus. Num campo, algumas crianças jogavam futebol. Sentada ao lado, uma menina observava-os.
— Não jogas com eles? — perguntou o menino.
— Não!
— Como te chamas?
— Chinesinha. O futebol é para os rapazes.
— No meu país, as meninas também jogam à bola.
Chinesinha torceu a sua longa trança.
— Sim, mas aqui os rapazes têm direito a fazer mais coisas do que as raparigas. Fazem grandes estudos, têm uma família, comem arroz todos os dias, carne ou peixe!
O menino não estava a compreender!
— Rapazes e raparigas são iguais, têm a mesma importância!
— No meu país, não. Aqui, as famílias só têm direito a ter um filho e a maior parte prefere ter um rapaz que, mais tarde, trabalhará e poderá ajudar a família a sobreviver.
— Uma rapariga é a mesma coisa!
— Creio que os adultos pensam que as raparigas são mais fracas, mais frágeis. Sabes, nós, no orfanato, somos muito fortes, corremos muito depressa. Somos campeãs de Tai-Chi. Sabemos escrever mais de mil caracteres, sabemos construir papagaios gigantes! Porém, quando nos cruzamos na rua com uma mãe e um pai com o seu filho, sentimo-nos tão pequenas como um grão de arroz e perguntamo-nos porque não tivemos a sorte de ser amadas! Mais tarde, hei-de ter uma família, vou ter dois filhos, um menino e uma menina, e hei-de ensinar-lhes que têm o mesmo direito ao amor, à família, a um futuro.
O menino pegou na mão de Chinesinha e beijou-a com ternura, como a uma irmã.
As suas duas sombras iguais começaram a brilhar, inundando de luz todos os bambus do país.
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ANTONINO
Desta vez, o menino aterrou numa montanha desprovida de vegetação. O ramo devia ter-se enganado no caminho. Ninguém poderia viver a uma tal altitude! De repente, um pouco mais abaixo, perto das quinoas, pareceu-lhe ver a sombra de alguém a cortar juncos. Uma criança sozinha naquelas montanhas! A sombra veio até ele.
Sim, era Antonino, o pastorinho. Estava tão feliz por ver o menino, que até pulava de alegria.
— Obrigado por vires ver-me, obrigado! Estou sempre sozinho, na montanha, sozinho com os rebanhos, de dia, de noite, à chuva e ao vento, sob as estrelas. O meu único companheiro é este — e mostrou ao menino o seu instrumento de música. — É um siku, mas, para o tocar, é muito melhor se formos dois. Numa tarde, estava eu a tocar quando, de repente, alguém me respondeu. Bem, já não estava sozinho. Era maravilhoso. Corri ao longo do rio em direcção às ervas altas e procurei, procurei, chamei, chamei… Não encontrei ninguém!
— Então quem é que te tinha respondido? — perguntou o menino, intrigado.
— O eco, era só o eco! Tinha tanta vontade de encontrar outros meninos, para nos divertirmos, para cantarmos! Vês, estou a fazer sikus para cada um deles. Mais tarde, hei-de descer aos vales e dar-lhes os meus instrumentos para que todos nós tenhamos direito a nos divertirmos, a nos encontrarmos para deixarmos de estar isolados!
Antonino pôs-se a tocar e o menino deitou ao vento a sua última folha. Sem esperar mais, subiram, vindas dos vales, crianças em fatos de festa. Cantavam, dançavam, batendo nos bombos, revolteando os ponchos multicores.
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LENA
A música encheu os vales e as montanhas, guiando o menino para longe do planalto, bem longe de Antonino, até à entrada de uma estação de metro. Aí, uma menina pequena rodopiava em volta de um grande lenço. O menino parou, fascinado.
— Danças como um pássaro!
— Adoro dançar, mas não posso estar sempre a dançar. Tenho de me sentar a pedir esmola!
— Pedir esmola, o que é isso?
— É pedir dinheiro a chorar, a dizer que estou doente, que o meu pai está doente… É o meu tio, aquele que tem o carro grande, que me obriga a dizer estas coisas e a entregar-lhe o dinheiro todo!
— O quê? Mas isso é horroroso! É inaceitável!
O menino procurou rapidamente uma folha no bolso mas já não lhe sobrara nenhuma. Os bolsos estavam vazios. Sentia-se desamparado. A voz tremia-lhe.
— Já não tenho folhas!
E explicou:
— Se estou perto de ti, devo-o a um amigo, um velho carvalho. Levou-me a passear nos seus ramos, pelos quatro cantos da Terra. Ofereceu camas de rede, brinquedos. Com as suas folhas, deu braçadas de esperança! Mas agora as folhas já se acabaram!
Lena pegou no acordeão e abriu suavemente os foles. Deixou escapar uma nuvem de folhas. O menino, maravilhado, seguiu-as com os olhos.
— Tu também conheces o velho carvalho?
— Claro! Eu e as minhas irmãs contamos muitas vezes a grande aventura.
— A grande aventura?
— O futuro, se preferires.
— Será que podes dizer-me o futuro das crianças da terra inteira?
Lena pegou numa folha e começou a ler:
— Todas as crianças da Terra vão unir-se para, juntas, defenderem os seus direitos: o direito ao respeito, o direito a uma família, o direito à liberdade de opinião e de expressão, o direito à educação, o direito ao lazer, o direito à saúde, o direito a nunca mais serem vendidas nem maltratadas, o direito à justiça, o direito ao amor. Em suma, o direito a viver as suas vidas de criança!
— Não vai haver mais guerras?
— Quem quiser a guerra vai para um planeta seco.
— E na Terra, todas as crianças vão ter tempo para brincar, para sonhar?
— Sim. Até serão criadas aulas de sonho nas escolas!
— E vai haver amor para todos, rapazes e raparigas?
— Não faltará o amor a ninguém!
— Então, todas as crianças serão felizes à face da Terra?
— Sim, poderão crescer e tornar-se pais respeitadores dos direitos dos seus filhos!
— Sabes mais alguma coisa?
— Sim, que o velho carvalho é a árvore dos direitos, e que todas as crianças que encontraste estão à tua espera.
— Todas? Até as meninas presas? Aquela criança maltratada? As crianças de lado nenhum?
— Sim, todas!
O menino nunca se sentira tão feliz. Correu para o velho carvalho. Lá estavam os meninos, uns encostados ao ramo, outros sentados contra o tronco. O menino correu pelo meio deles e, estendendo os braços para a árvore protectora, declarou:
— Olhem, todos juntos formamos as folhas desta árvore com a mesma seiva a correr nos ramos. Somos tão fortes como ela! De futuro, não estaremos mais sós e nunca mais teremos medo. Esta árvore é a árvore dos nossos direitos. Levem as suas folhas e plantem as suas sementes. Amanhã teremos uma floresta magnífica!
As crianças levantaram-se e cantaram em uníssono, em todas as línguas, a canção que abre a porta da felicidade. Ela voou à volta do planeta, para lá dos oceanos, para lá das montanhas, pelo meio dos desertos e nas grandes cidades, até ao coração de todas as crianças!
Dominique Dimey
C’est le droit des enfants !
Arles, Actes Sud, 2001
(Tradução e adaptação)
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