quarta-feira, 3 de junho de 2009

A Criança Misteriosa (cont)

… continuação
– Este é o tutor que o vosso amável tio enviou – disse Sir Thaddeus.
– Cumprimentem-no, como meninos-bem educados!
Mas as crianças não conseguiram mover-se. Nunca tinham visto uma pessoa tão esquisita! Não era muito mais alta do que Félix, mas era corcovado, com pernas magras e pequenas como uma aranha, uma cabeça disforme e uma cara feia: o nariz era enorme, tinha umas bochechas gordas e vermelhas, a boca larga e os olhos pequenos, mas salientes e brilhantes. Usava uma cabeleira postiça, preta, e estava vestido de negro da cabeça aos pés. O seu nome era Master Inkspot.
– Meninos, o que é que se passa convosco? – perguntou a mãe. – Master Inkspot vai pensar que são rudes e ignorantes! Venham já cumprimentá-lo!
E foi o que eles fizeram. Mas, quando o tutor os cumprimentou, eles encolheram-se e soltaram um grito. Ele ria-se muito alto e mostrou-lhes uma agulha escondida na palma da mão, com a qual os picara.
– Mas porquê, caro Master Inkspot? – perguntou Sir Thaddeus um pouco aborrecido.
– Oh, é a minha maneira de ser e não me parece que vá mudar! – disse o tutor. Pôs as mãos nas ancas e riu-se, riu-se sem parar. Era um som desagradável, como chocalhos a baterem.
– Bem, tem sentido de humor, Master Inkspot – disse Sir Thaddeus, mas nem ele nem a família ficaram muito contentes com isto.
– E vocês são duas crianças espertas? – perguntou o tutor. – Vamos lá ver!
Então, começou a perguntar a Félix e Christlieb toda a espécie de questões às quais os seus primos sabiam responder. Quando eles lhe disseram que não sabiam as respostas, ele gritou furioso:
– Aqui está um belo serviço! Então não sabem nada! Estou a ver que há aqui muito trabalho para fazer!
Félix e Christlieb escreviam primorosamente, liam muito bem e sabiam contar histórias maravilhosas dos velhos livros que Sir Thaddeus lhes dera, mas Master Inkspot disse que tudo aquilo eram disparates. Assim, agora não ia haver mais brincadeiras na floresta! As crianças tinham de ficar sentadas em casa quase toda o dia, a estudar as lições. Sentiam como se a voz da misteriosa criança os chamasse. "Venham cá para fora, oh, venham cá para fora brincar! Já não querem brincar comigo?" Eles já não conseguiam prestar atenção ao tutor, não puderam evitá-lo, e saltaram e correram para o bosque. O tutor correu atrás deles e houve uma grande batalha lá fora, com Sultão, o cão, a tomar o partido das crianças. Sir Thaddeus apareceu para os separar, e disse que o tutor devia ir à floresta com as crianças, uma vez por dia.
Master Inkspot não ficou contente com a ideia.
– Mas, se têm um jardim, e tão bonito! – disse. – O que havemos de ir fazer para o meio da floresta?
– Sim – disseram as crianças. – Por que é que Master Inkspot tem de ir connosco para a floresta?
Os três partiram, contudo, e Félix perguntou ao tutor:
– Não gosta da nossa floresta, dos pássaros e das flores?
Master Inkspot mudou de expressão.
– Que lugar estúpido! – disse. – Não há caminhos em condições, podeis rasgar as vossas meias, e, sobre o barulho daqueles pássaros estúpidos, é melhor nem falar! Não desgosto de flores, desde que estejam em jarras dentro de casa, mas essas flores silvestres nem sequer cheiram bem! E, dizendo isto, inclinou-se e apanhou um molho de lírios, com raiz e tudo, e atirou-o para os arbustos.
As crianças sentiram como que um grito de dor a ecoar na floresta, e Christlieb não conseguiu evitar algumas lágrimas, enquanto Félix cerrava os dentes. Depois, um pequeno tentilhão verde passou mesmo em frente do nariz do tutor, pousou num ramo e cantou uma alegre melodia.
– Acho que é um pássaro a troçar! – disse o tutor. Pegou numa pedra e atirou-a ao tentilhão com tanta força que ele caiu morto.
Foi demais para Félix.
– O que é que este pássaro lhe fez de mal, Master Inkspot? – gritou furioso. – Agora matou-o! Oh, querida criança misteriosa, por favor, aparece e deixa-nos voar contigo!
Christlieb juntou-se a ele, a soluçar.
– Por favor, querida criança, aparece e salva-nos, ou Master Inkspot mata-nos como às flores e ao pássaro!
– Criança? De que criança estão a falar? – perguntou o tutor. Houve um murmúrio nos arbustos e as crianças ouviram um som triste, dirigido ao coração, tal como o desmaiar dos sinos lá longe. Uma nuvem brilhante flutuava baixo e eles conseguiram ver a encantadora face da criança misteriosa. Mas esta torcia as mãos, e lágrimas brilhantes como pérolas rolavam pela sua face rosada.
– Oh queridos amigos! – gemeu a misteriosa criança. – Não posso aparecer, e nunca mais ireis ver-me! Adeus, adeus! Pobres crianças! Pepser, o duende, tem-vos nas suas mãos! Adeus, adeus!
E desapareceu no ar.
Então, as crianças ouviram um terrífico zumbido atrás de si. Master Inkspot transformara-
-se numa mosca horrorosa e enorme. Era horrível olhar para ele, pois tinha uma face humana e vestia as mesmas roupas. Levantou voo lentamente e com dificuldade. Estava, obviamente, a tentar seguir a misteriosa criança. Félix e Christlieb, aterrados e em pânico, correram pela floresta e nem olharam para cima até chegarem a uma clareira. Depois, viram uma brilhante mancha por entre as nuvens, cintilando como as estrelas. Estava a aproximar-se e crescia cada vez mais. Ouviram um barulho parecido com o sopro de trompetes. Em breve se aperceberam de que a estrela era um magnífico pássaro de plumagem brilhante. Descia, gritando e batendo as suas poderosas asas.
– Olha! – gritou Félix. – É o Príncipe Faisão. Ele vai dar bicadas em Master Inkspot até o matar. A misteriosa criança está salva e nós também! Anda, Christlieb, vamos para casa contar tudo ao pai.
Sir Thaddeus e a mulher estavam sentados à porta da sua linda casa, tendo o almoço numa mesa à sua frente. Era uma tigela de leite delicioso e um prato com pão e manteiga.
– Onde poderá estar Master Inkspot com as crianças, a esta hora? – perguntou Sir Thaddeus. – Primeiro, fechou-as dentro de casa e não as deixava ir para a floresta, e agora não sai de lá! É um homem muito estranho, e começo a pensar que seria muito melhor que ele nunca tivesse vindo para cá.
– Querido marido – disse a mulher – eu sinto o mesmo! Fiquei contente por o teu primo querer fazer algo de bom pelas crianças, mas não gosto de Master Inkspot. Pode ser muito culto, mas também é muito antipático! Se a caixa do açúcar está aberta, corre para ela, para o lamber, até que eu a feche debaixo do seu nariz! Depois, vai-se embora tão zangado, zumbindo, barafustando e gaguejando de uma maneira esquisita!
Nesse momento, Félix e Christlieb entraram, vindos da floresta. Félix não parava de gritar:
… continua na próxima semana
O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar

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