A Equipa da Biblioteca Escolar e Centro de Recursos Educativos do Agrupamento Vertical de Escolas Dom Paio Peres Correia deseja a toda a comunidade escolar e seus familiares, a todas as BECRE's e a todos os visitantes deste blogue, um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo de 2013.
Biblioteca da Escola EB 2/3 Dom Paio Peres Correia - Tavira
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
O desejo de Ruby
          Se  caminhar por uma certa rua de uma certa cidade na China, e passar pelo mercado  de animais de estimação, com os papa-arroz amarelos e verdes a saltar nas  gaiolas de bambu, os peixinhos dourados e as tartarugas de água doce nas taças  de porcelana, há de chegar a um quarteirão de casas. Nesses edifícios, agora  castanhos devido à idade e à sujidade, moram muitas famílias. Porém, se olhar  com atenção, verá que outrora essas casas eram uma só, uma magnífica casa que  pertencia a uma única família.
A  casa foi construída por um velho que tinha estado na Montanha de Ouro. Era este  o nome que os Chineses davam à Califórnia, quando muitos deles participaram na  Corrida ao Ouro, mas poucos regressaram. Este homem regressou, e regressou muito  rico. Fez, em seguida, o que todos os homens ricos faziam na Antiga China: casou  com muitas mulheres. As mulheres tiveram muitos filhos e os filhos também  tiveram muitas mulheres. A dada altura, a casa transbordava de gritos e risos de  mais de uma centena de crianças.
Entre  estas crianças, havia uma menina a que todos chamavam Ruby, porque adorava a cor  vermelha. Na China, o vermelho é a cor das celebrações. No Dia de Ano Novo, as  crianças recebem envelopes vermelhos cheios de "dinheiro da sorte" e as noivas  vestem-se de vermelho no dia do casamento. Contudo, Ruby insistia em vestir-se  de vermelho todos os dias. Mesmo  quando a mãe a obrigava a usar cores mais sóbrias, como as primas faziam, Ruby  atava o seu cabelo negro com fitas vermelhas.
Uma  vez que tinha muitos netos, o avô de Ruby contratou um professor para vir a casa  ministrar as lições. Todos os netos que quisessem aprender tinham aulas com este  tutor. Esta não era uma situação comum na China de então, dado que a maioria das  raparigas nunca aprendia a ler ou escrever.
Sempre  que o tempo estava bom, as aulas tinham lugar no jardim. As janelas do  escritório do avô davam para o jardim e, com frequência, o velho levantava-se  para observar os netos.
Um  dia, o avô viu a parede alta e branca do jardim coberta de caligrafias. Os netos  tinham estado a praticar a escrita. O avô riu-se ao ver que muitos tinham a cara  e as mãos cheias de tinta! Foi então que reparou que uma das folhas era mais  bela do que as restantes. Qual dos seus netos produzira tão bela caligrafia?  Entretanto, no jardim, o tutor elogiava Ruby, que tinha as orelhas tão vermelhas  como o casaco que vestia.
Para  acompanhar os primos nos estudos, a verdade é que Ruby tinha de se esforçar o  dobro. Com efeito, quando terminavam os estudos, os rapazes iam brincar; as  raparigas, porém, tinham ainda de aprender a cozinhar e a governar a casa. Eram  estas as únicas tarefas que as mães  achavam dignas de aprendizagem. Uma a uma, todas as netas abandonavam as aulas.  Todas exceto Ruby, que escolhia a noite para compensar os bordados que não  fizera de dia. E, durante muitas noites, a sua vela era a única acesa em toda a  casa, depois de todos se terem ido deitar.
Um  dia, o tutor pediu às crianças que escrevessem um poema. Ruby  escreveu:
Má  sorte ter nascido rapariga;
pior  sorte ter nascido nesta casa
onde  apenas os rapazes recebem atenção.
O  professor ficou impressionado com o poema da menina e mostrou-o ao avô. Este  também ficou impressionado, além de preocupado. Chamou, então, a neta ao  escritório. Ruby viu o avô sentado na cadeira, com o poema pousado na secretária  diante dele.
—  Foste tu que escreveste este poema? — perguntou.
—  Sim, avô, escrevi — respondeu a neta.
—  Achas que nesta casa só nos preocupamos com os rapazes?
—  Não, avô — respondeu Ruby, arrependida por ter perturbado o  avô.
—  Ruby — disse o avô, gentil — gostaria de saber porque escreveste este poema. De  que forma cuidamos melhor dos rapazes?
A  neta tentou escolher um exemplo insignificante.
—  Bem, quando se realiza o Festival da Lua, e nos dão um bolinho a cada um, os  rapazes ficam sempre com a parte da gema.
—  Ai sim? — disse o avô, como que à espera de mais  revelações.
—  E quando fazemos o Festival da Lanterna, as raparigas só recebem simples  lanternas de papel, enquanto os rapazes recebem lanternas vermelhas com a forma  de peixinhos dourados, galos e dragões.
O  avô riu baixinho. Nunca havia pensado naquilo. Mas imaginava, facilmente, o  quanto a neta gostaria de ter uma lanterna vermelha.
—  Mas o mais importante — concluiu Ruby, fitando as biqueiras dos seus sapatos  vermelhos — é que os rapazes vão para a universidade, enquanto as raparigas se  casam.
—  Não queres casar-te? — perguntou o avô. — Tens muita sorte, porque uma rapariga  desta família pode casar com quem quiser.
—  Eu sei, mas preferia ir para a universidade.
O  avô afagou-lhe o cabelo.
—  Obrigado por teres desabafado comigo, Ruby. Continua a estudar. Aproveita o mais  que puderes.
E  Ruby continuou a estudar. Alguns dos rapazes cresceram e foram para a  universidade. Outros ficaram em casa e constituíram família. Mas todas as  raparigas casaram e foram viver com as famílias dos maridos. Ruby sabia que, em  breve, chegaria a sua vez. Nos lagos, observava as carpas cor de laranja e  brancas, que procuravam pão sob uma fina camada de gelo. O Ano Novo chinês  aproximava-se e a menina sabia que seria o último que passaria naquela  casa.
No  Dia de Ano Novo, calçou os sapatos de veludo vermelho e prendeu o cabelo com  fitas vermelhas. Depois foi desejar a todos um feliz ano. Começou pelas primas  casadas, e em seguida felicitou os pais, os tios e as tias. Cada um lhe deu um  envelope vermelho cheio de dinheiro da sorte. Por fim, fez uma vénia ao  avô:
—  Desejo-te boa sorte e prosperidade, avô.
—  Boa sorte, Ruby — respondeu ele, entregando-lhe um envelope vermelho muito  grosso.
Todos  os olhares da família se cravaram nela enquanto abria o presente. O presente não  era dinheiro; era algo muito melhor: era a carta de uma universidade que se  dizia orgulhosa por aceitar Ruby como uma das suas primeiras  alunas!
E  foi assim que Ruby realizou o seu desejo.
Esta  história é verdadeira.
Sei-o,  porque Ruby é minha avó. E todos os dias veste algo  vermelho.
Shirin Yim Bridges
Ruby's Wish
San Francisco, Chronicle Books, 2002
(Tradução e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube  das Histórias
Feliz Natal e Próspero Ano Novo de 2013
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sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Duo Cantabile
Música nas Igrejas-  Ermida de São Sebastião
10 Novembro 2012, às 18:00 h
Duo Cantabile
Luis Conceição e Isabel Reis
Concerto Comentado
  
Quella Fiamma che m'accende - Benedetto Marcelo
 
Vieni e non tardar - Mozart
 
Voi che sapette - Mozart
 
Ich Kann's nicht fassen nicht glauben - Schumann
 
Stride la vampa - Verdi
 
Ave Maria - Schubert
 
Habanera - Bizet
 
Una voce poco fa - Rossini
 
Over the rainbow
 
America - L. Bernstein
Quella Fiamma che m'accende - Benedetto Marcelo
Vieni e non tardar - Mozart
Voi che sapette - Mozart
Ich Kann's nicht fassen nicht glauben - Schumann
Stride la vampa - Verdi
Ave Maria - Schubert
Habanera - Bizet
Una voce poco fa - Rossini
Over the rainbow
America - L. Bernstein
Organização - Academia de Música de Tavira
Rua João Vaz Corte Real nº 20 8800-441 Tavira
Tele: 281322436
A canção da avó
Projecto:  Abrir as portas ao sonho e à reflexão
Esta história faz parte de um ciclo em que a figura feminina aparece como elemento central
 
 
Esta história faz parte de um ciclo em que a figura feminina aparece como elemento central
No  coração do México, os falcões sobrevoam as altas montanhas, mergulhando em  direção às encostas suaves, semeadas de milho. Debaixo do sol tropical, as  iguanas descansam sobre rochedos brilhantes, e os tucanos conversam com os  guaxinins empoleirados em árvores verde-esmeralda. Por entre as colinas, os  pumas correm, as raposas cinzentas procuram galinhas, e os lobos uivam entre si,  à noite.
Numa  aldeia situada no sopé das montanhas, vivia uma avó com a neta. Plantavam milho,  tomates e girassóis na Primavera e juntas viam os rebentos verdes despontar da  terra. No Verão, colhiam lírios brancos como leite, punham-nos em cestos às  costas, e levavam-nos para vender no mercado. Pelo Outono, decoravam caules  esguios de milho para a festa das colheitas, a fim de agradecer os cereais de um  ano inteiro. No Dia dos Mortos, costumavam erigir um altar e acender velas,  relembrando os entes queridos. E no Natal, pegavam em cola e papel e faziam  pinhatas, que enchiam com frutas e doces.
A  avó era alta e imponente. Tinha as faces macias e as maçãs do rosto bem  marcadas. Os olhos eram profundos, castanhos e doces. Embora tristes, eram  bondosos. Tinha o peito largo e as ancas redondas. Pernas e pés robustos  ligavam-na à terra, como se fosse uma árvore antiga. Os braços eram fortes e as  mãos graciosas, com dedos longos e finos. Era uma mulher tão delicada como os  rebentos de um jacarandá.
A  neta gostava de explorar e de sonhar. Costumava brincar sozinha, nos campos e  nas florestas, mas tinha medo das sombras escuras, dos barulhos dos animais, e  de tudo o que fosse novo e diferente. "O que haverá no buraco desta árvore  velha?" pensava, enquanto se erguia nos bicos dos pés e esticava o pescoço para  espreitar o tronco oco. Contudo, mal ouvia um gato-do-mato nos ramos altos,  começava a tremer dos pés à cabeça, como um saco de folhas secas a ondular numa  tarde ventosa.
Certo  dia, a neta assustadiça encontrou um tatu. Não passava de um vulgar tatu que se  cruzara no seu caminho, mas a rapariga tremeu como se fosse um urso feroz com  garras afiadas e dentes rangentes. Depois desse encontro, cada pequena sombra no  caminho para casa iria transformar-se num monstro  aterrador.
  Quando a avó ouviu o barulho da porta, correu  para a neta e abraçou-a. Em seguida, sentou-a ao colo e afagou-a com doçura.  Enquanto lhe afagava o cabelo e as costas, ia cantando:
—  Minha pequenina, como bate o teu coração  e que medo te faz tremer tanto! O mundo é um lugar assustador para os que não  confiam. A minha ternura dar-te-á confiança: a confiança que sinto, a confiança  que a minha avó sentia, e que herdou da avó dela.
A  neta sentiu-se invadida por um calor reconfortante e, enquanto o sol se punha,  deixou de tremer e adormeceu.
No  dia seguinte, um grupo de crianças surpreendeu-a enquanto brincava à beira da  estrada. Rindo e gritando, correram para ela e  perguntaram-lhe:
—  Onde fica o rio?
Em  vez de fugir, a menina apontou com o dedo para a esquerda. Embora tremesse por  dentro, o dedo mantivera-se firme. Nessa noite, contou à avó o que acontecera. A  avó sorriu:
—  Isso já é um progresso.
Pegou  na neta ao colo e afagou-a como se faz a um gatinho. Depois, começou a  cantar:
 — Minha  pequenina, como bate o teu coração e que medo te faz tremer tanto! O mundo é um  lugar assustador para os que não têm coragem, mas hoje mostraste bravura. A tua  coragem alia-se à minha e à da minha avó, que a herdou da avó  dela.
A  neta sentiu uma força percorrer o seu corpinho e as tremuras  pararam.
Alguns  dias depois, um beija-flor caiu de um ninho no jardim e partiu uma asa. Em vez  de fugir, a neta assustadiça dirigiu-se à avezinha e pegou nela. O corpo do  pássaro tremia ainda mais do que o seu. A menina sentia o coraçãozinho minúsculo  e trémulo e a barriguita quente e penugenta. Pegou no beija-flor com a mesma  ternura com que a avó pegara nela e levou-o para casa.
A  avó sabia tomar conta de animais feridos. Fizeram juntas um pequeno ninho numa  caixa, com tecido e palha, e alimentaram o pássaro com um conta-gotas. A menina  deu de beber ao bichinho, gota a gota. À medida que o fazia, ia sentindo um  entusiasmo percorrer o seu corpo.
A  avó sorriu e o sorriso iluminou-lhe o olhar.
—  Isto é que é um progresso!
Enquanto  o beija-flor dormia, pegou na neta e cantou:
—  Minha pequenina, como bate o teu coração  e que medo te faz tremer tanto! O mundo é um lugar assustador para os que não  ajudam os outros. Hoje ajudaste uma criatura pequena e assustada e descobriste o  teu dom de curar.
Durante  toda a noite, a avó manteve a sua querida neta ao colo e continuou a  cantar:
—  Este é o dom que te transmito, que é  também o dom da minha avó, que o herdou da avó dela.
Certa  tarde, a neta observava uma loja do mercado quando o comerciante acusou  injustamente uma criança de ter roubado. A menina viu a cara irada do homem  enquanto este apontava um dedo ameaçador ao menino. Embora com o coração a  bater, aproximou-se do comerciante e disse:
—  Este rapaz não roubou nada. Eu vi. Por favor, não grite com  ele.
O  comerciante grunhiu uma resposta e a rapariga perguntou:
—  Quanto dinheiro perdeu?
—  Dez cêntimos — respondeu o homem.
A  menina remexeu no bolso e deu-lhe todo o dinheiro que  tinha.
—  Isto é que é progresso! — exclamou a avó, quando a neta lhe contou o sucedido,  quase sem fôlego pela corrida até casa.
A  avó pegou nela ao colo e afagou-a durante muito tempo.
—  Ouve bem, minha querida. O mundo é um  lugar assustador para os que não têm dignidade. Hoje mostraste a tua. A ela  junto a minha e a da minha avó, que a herdou da avó  dela.
A  neta sentiu um orgulho estranho invadir-lhe o corpo. Sentiu-se maior e mais  forte.
◊◊◊◊◊◊
Quantas  vezes mais a avó acariciou a neta? Quantas vezes mais cantou para ela? Não sei.  Mas sei que o fez muitas e muitas vezes, durante muitas semanas e muitos anos.  Através da sua ternura, incutiu na neta assustadiça confiança e coragem,  destreza e dignidade. E as suas canções eram tão profundas que penetravam o  coração, o sangue, e todo o corpo da menina.
A  neta cresceu esperançada, digna de confiança, generosa e bondosa. Já ninguém se  lembrava de que fugira em tempos de guaxinins. Tornou-se uma mulher forte, de  gargalhada fácil, tirando prazer de tudo o que a rodeava.
E  muito mais tarde, embora já tivesse filhos, ainda punha a cabeça no colo da avó  de vez em quando. Conhecia bem a linguagem das mãos dela e sorria, de olhos  fechados, enquanto a avó percorria o caminho familiar da ternura que sempre lhe  mostrara.
Com  o decorrer dos anos, a avó tornou-se velha e frágil. Chegou então a vez da neta  tomar conta dela. De manhã bem cedo, vinha acender o lume e aquecer água para o  chá. Cozinhava, lavava e penteava o cabelo prateado da velhinha. Massajava com  carinho os pés cansados, dedo a dedo. Pegava nas mãos que tanto amava e  massajava-lhe os dedos hirtos. Por vezes, embora mais raramente, caminhavam  juntas pela aldeia, atravessavam o vale e iam até às montanhas, rindo e cantando  juntas. Sempre que o piso era incerto, a neta oferecia o braço à  avó.
Uma  noite, a neta sonhou com a avó a subir sozinha a montanha. Queria juntar-se a  ela, mas a avó virou-se e levantou a mão:
—  Tenho de ir sozinha — dissera, com um sorriso tranquilo nos  olhos.
No  dia seguinte, como de costume, a neta foi a casa da avó. Mas, quanto tentou  acordá-la, viu que o corpo estava frio e a face serena. De joelhos, fulminada  pela dor, a neta sentiu o coração a esvoaçar e o estômago a tremer, como quando  era criança.
Estremeceu  dos pés à cabeça, como ramo de um cedro apanhado no meio de uma tempestade  tremenda. Como poderia viver sem a sua avó adorada? O coração abriu-se como um  rio e as lágrimas inundaram o seu rosto. Os soluços sacudiram-na toda. De  repente, ouviu a voz da avó:
— Minha pequenina, ouve-me.
A  neta sentiu umas mãos fortes e quentes a acariciar-lhe as costas. Eram mãos  invisíveis, mais poderosas do que as mãos físicas da avó. Essas mãos  abraçaram-na e embalaram-na, incutindo-lhe bem-estar por todo o corpo. Os  soluços cessaram, tão depressa como tinham começado. Sentiu uma enorme leveza no  coração e força nos membros. Pôs-se de pé, e afagou a face e a testa da querida  avó morta.
◊◊◊◊◊◊
A  neta já foi muitas vezes avó. E muitas vezes também já pegou ao colo nos netos.  Embalou-os com os seus braços fortes e capazes, riu e chorou com eles, e cantou  para eles, enquanto os acariciava.
—  Meus pequeninos, ouçam bem. O espírito da  avó rodeia-nos. Está no vento e nas árvores. Está nos vales e nas colinas. As  mãos do espírito da avó brincam com os peixes nos riachos e acendem o lume da  lareira. Está sempre presente quando estamos com amigos calorosos, quando  provamos comida deliciosa, e sempre que partilhamos sorrisos ou lágrimas. Onde  quer que estejamos, a avó está sempre perto. E sempre que precisarmos dela,  podemos fechar os olhos e sentir-nos no seu colo.
Barbara Soros; Jackie Morris
Grandmother's Song
Bristol, Barefoot Books, 1998
(Tradução e adaptação)
 
A Equipa Coordenadora do Clube  das Histórias
terça-feira, 6 de novembro de 2012
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
O Dia de Todos os Santos
O Dia de Todos os Santos, que se celebra hoje, é cada vez mais o Dia dos
Fiéis Defuntos, marcado para amanhã. Igreja não condena esta vontade popular,
que aproveita assim o feriado para lembrar os familiares que já morreram. A
homenagem aos mortos acontece um pouco por todo o mundo, de formas muito
diferentes.
O primeiro
dia de Novembro é marcado pela ida de milhares de portugueses aos cemitérios,
que nesta altura estão especialmente enfeitados. Mas esta visita tem tendência
a acontecer no dia anterior ao definido pela Igreja, muito por culpa da força
popular. Assim, é cada vez mais comum celebrar-se o Dia dos Fiéis Defuntos no
Dia de Todos os Santos.
Um fenómeno
que pode ser explicado simplesmente pelo facto de o dia 1 de Novembro (Dia de
Todos os Santos) ser feriado e o dia 2 (Dia dos Finados), não. Porém, o padre
José Manuel Almeida prefere acrescentar uma justificação mais espiritual.
"A voz
do povo é a voz de Deus e se calhar muitos dos nossos defuntos podem ser também
celebrados no dia de Todos os Santos", explica. O religioso vai mais longe
e acredita que co-mo "Deus escreve direito por linhas tortas, esta mistura
popular dos dois dias pode fazer-nos pensar e levar à luz: Se calhar não são
datas assim tão diferentes."
Uma coisa
parece certa, os portugueses dão mais significado ao Dia dos Finados que à
celebração de Todos os Santos. Talvez porque esta é uma data em que
"particularmente se recordam os amigos e familiares que se encontram a
caminho da comunhão com Deus", refere o prior de Santa Isabel. A proximidade
das pessoas aos seus defuntos aumenta o significado desta data, em relação à
celebração de santos que são desconhecidos.
A homenagem
aos mortos é um acontecimento global e é vivido de diferentes formas um pouco
por todo o mundo. Tal como sublinha o padre José Manuel Almeida, "no
México é uma festa bastante divertida, enquanto aqui tem um pendor mais triste
e saudoso".
Em Portugal,
no dia de Todos-os-Santos as crianças saem à rua e juntam-se em pequenos
bandos para pedir o pão-por-deus de
porta em porta. As crianças quando pedem o pão-por-deus recitam versos e
recebem como oferenda: pão, broas, bolos, romãs e frutos secos, nozes, amêndoas
ou castanhas, que colocam dentro dos seus sacos de pano. É também costume em
algumas regiões os padrinhos oferecerem um bolo, o Santoro. Em algumas
povoações chama-se a este dia o ‘Dia dos Bolinhos’.
Esta
tradição teve origem em Lisboa em 1756 (1 ano depois do terramoto que destruiu
Lisboa). Em 1 de Novembro de 1755 ocorreu o terramoto que destruiu Lisboa, no
qual morreram milhares de pessoas e a população da cidade, que era na sua
maioria pobre, ainda mais pobre ficou.
Como a data
do terramoto coincidiu com uma data com significado religioso (1 de Novembro),
de forma espontânea, no dia em que se cumpria o primeiro aniversário do
terramoto, a população aproveitou a solenidade do dia para desencadear, por
toda a cidade, um peditório, com a intenção de minorar a situação paupérrima em
que ficaram.
As pessoas,
percorriam a cidade, batiam às portas e pediam que lhes fosse dada qualquer
esmola, mesmo que fosse pão, dado grassar a fome pela cidade. E as pessoas
pediam: "Pão por Deus".
Esta
tradição perpetuou-se no tempo, sendo sempre comemorada neste dia e tendo-se
propagado gradualmente a todo o país.
Até meados
do séc. XX, o "Pão-por-Deus" era uma comemoração que minorava as
necessidades básicas das pessoas mais pobres (principalmente na região de
Lisboa). Noutras zonas do país, foram surgindo variações na forma e no nome da
comemoração. A designação indicada acima (Dia dos Bolinhos) em Lisboa nunca foi
utilizada, nem era sequer conhecido este nome.
Nas décadas
de 60 e 70 do séc. XX, a data passou a ser comemorada, mais de forma lúdica, do
que pelas razões que criaram a tradição e havia regras básicas, que eram escrupulosamente
cumpridas: só podiam pedir o "Pão-por-Deus", crianças até aos 10 anos
de idade (com idades superiores as pessoas recusavam-se a dar); as crianças só
podiam andar na rua a pedir o "Pão-por-Deus" até ao meio-dia (depois
do meio-dia, se alguma criança batesse a uma porta, levava um
"raspanete", do adulto que abrisse a porta).
A partir dos
anos 80 a tradição foi gradualmente desaparecendo e, actualmente, raras são as
pessoas que se lembram desta tradição.
Até a
comunicação social, contribui para o empobrecimento da memória coletiva. Neste
dia todas as estações de TV, Rádio e jornais, falam no Halloween, ignorando
completamente o "Pão-por-Deus".
Fonte e mais informação
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
O sorriso no elevador
         Num  tempo em que os homens tinham desaprendido de sorrir, apareceu, certo dia, uma  menina que tinha um sorriso tão simpático que uma pessoa até sentiria calor no  coração, se o riso e a alegria não tivessem sido expulsos há tanto tempo da  Terra.
Não  se ganhava nada com eles, diziam, e, hoje em dia, quem é que tem alguma coisa  para dar? 
Mas,  um belo dia, sem nada o deixar antever, apareceu aquela menina no elevador…  
A  princípio, ninguém reparou, tão preocupadas estavam as pessoas consigo  mesmas.
Nem  sequer Tomás, que naquele dia regressava da escola. Seguia no elevador, sério, a  refletir, quando, de repente, ouviu a menina perguntar:
—  Também sabes rir?
Admirado,  Tomás virou-se.
—  Já não rio desde os quatro anos — resmungou.
—  Porquê? — perguntou a menina.
—  Rir não serve de nada. Não vale um cêntimo. Aprende-se isso logo no  infantário.
Ao  entrar mais tarde no elevador com a mãe, Tomás voltou a encontrar a  menina.
—  Olá! — disse ela com um sorriso radiante.
—  Olá — balbuciou Tomás, envergonhado.
E  subiram calados. 
Mas  como a menina não deixava de sorrir, Tomás também não conseguiu por fim conter  um sorriso.
Pela  primeira vez! Mas a mãe logo ficou muito assustada.
—  Pára com isso! — ralhou-lhe ela. — Não temos nada para  dar!
Tomás  assustou-se e fez uma cara séria. 
Mas  não conseguia esquecer o sorriso da menina no elevador.
Quando,  na manhã seguinte, voltou a encontrá-la, ficou tão satisfeito que esboçou um  tímido sorriso.
—  Mas tu sabes rir! — exclamou a menina, radiante.
Tomás  ficou tão contente que até sentiu umas coceguinhas pelas costas acima.  
Desta  vez sorriu, extasiado, e as cócegas então é que não paravam… Nunca tivera uma  sensação daquelas! Mas era uma sensação tão boa que ele agora sorria sem parar  na rua, no autocarro, na escola, na padaria. E Tomás tinha um sorriso tão amável  que as pessoas não conseguiam deixar de responder com outro sorriso. E como elas  sentiam de repente um formigueiro, também não conseguiam parar de  sorrir!
Nesse  dia, Tomás voltou alegremente para casa. 
Estava  todo contente: iria voltar a ver a menina! Mas quando, a sorrir, abriu a porta  do elevador, só encontrou alguns vizinhos … que lhe sorriram, hesitantes. A  menina já lá não estava e nunca mais a viu…
Só  tinha ficado aquela sensação agradável de formigueiro.
E  a menina? 
Ora  bem, caso alguma vez a encontres no elevador, já sabes…
Elke Bräunling
Da wird dia Angst ganz klein
Limburg,  Lahn Verlag, 1998
(Tradução  e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube  das Histórias
Concerto por Josué Nunes
Música nas Igrejas-  Ermida de Santa Ana
3 Novembro 2012, às 18:00 h
Josué Nunes
Guitarra
Guitarra
Fernando Sor (1778-1839)
Variações Sobre o Tema da Flauta Mágica
Augustin Barrios Mangoré (1887-1944)
La Catedral
Prelúdio Saudade
Andante
Allegro
J.S. Bach(1685-1750)
Suite Bwv 996(lute)
Passagio e Presto
Allemande
Courante
Sarabande 
Bourré
Gigue
Francisco Tárrega (1852-1909)
Recuerdos de la Alhambra
Isaac Albéniz (1860- 1909)
Astúrias        
Rumores de la Calheta
Apoio :                                             
Organização  - Academia de Música de Tavira
Rua João Vaz Corte Real nº 20 8800-441 Tavira
Tele: 281322436
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Uma oficina diferente
Esta  história faz parte de um ciclo em que a figura feminina aparece como elemento  central
 
 
Uma  oficina diferente
Aboubacar  trancou a porta da sua oficina com um suspiro cansado mas satisfeito. O dia fora  longo. Parecia que todas as motas e motocicletas da cidade tinham decidido  avariar naquele dia. Felizmente não lhe faltavam clientes. Alguns diziam que não  havia melhor mecânico em toda a capital, Ouagadougou, outros diziam que em todo  o Burquina Faso! Aboubacar sorria modestamente. Sabia bem que, quando os  clientes que tinham chegado suados a empurrar a motoreta sob o sol intenso  regressavam a casa montados nela, não se poupavam a elogios… de alívio e de  felicidade!
A  meio dos quarenta, Aboubacar era o filho mais velho de uma família numerosa.  Ainda pequeno, os pais tinham-no enviado para casa de um parente afastado que  vivia na capital, para aprender um ofício e ser mais tarde o chefe da família,  como era a tradição. Um vizinho mecânico, a quem todos tratavam carinhosamente  por TioAssouf, gostou daquele  rapazinho de olhar vivo e curioso, e acabou por levá-lo para a sua oficina. A  família afeiçoou-se a Aboubacar, e como os filhos de Assouf tinham partido para  França, este acabou por passar a viver em casa dele.
Ao  final do dia, o Tio Assouf gostava de se sentar à porta de casa a fumar e a ler  o jornal. Certo dia, o rapazinho perguntou-lhe:
—  Tio Assouf, o que está a fazer com esses papéis nas mãos? 
—  Estou a ler o jornal, Aboubacar — respondeu-lhe seriamente.  
—  E porque é que está sempre a ver os mesmos papéis? 
—  Aboubacar, eu não estou a ver, estou a LER — disse-lhe. — E isto é um jornal.  Aqui estão escritas as coisas mais importantes que acontecem no nosso país.  Chega cá.
E  perguntou-lhe em tom mais baixo:
—  Tu sabes ler?
—  Não.
—  Humm… é pena… podias ajudar-me aqui numa frase que não consigo ler. Sabes,  quando tinha a tua idade, não tive a sorte de poder ir para a escola todos os  dias e aprendi só um bocadinho. Mas como tinha muita vontade, fui continuando a  aprender sozinho. Mas há algumas palavras que não sei ler muito bem, e outras  que não percebo, porque são novas. É por isso que demoro muitos dias, quer  dizer… Bem… digamos que leio mais devagar. Mas… espera aí! Se não sabes ler,  como é que descobriste que estou com o mesmo jornal?
—  Porque há dois dias que vejo sempre a mesma imagem na parte de trás da página —  respondeu Aboubacar.
—  Tu és esperto, rapaz! — exclamou o Tio Assouf, passando-lhe a mão pela cabeça e  soltando uma gargalhada jovial. De repente parou, com os olhos fixos em  Aboubacar e disse-lhe, com um largo sorriso radioso:
 — Como é que eu não pensei nisto mais cedo! TU  é que vais aprender a ler e a escrever. E vamos ver se conseguimos que seja já  na próxima semana! De manhã, escola. De tarde, logo se vê.
—  Tio Assouf, eu tenho de trabalhar na oficina. É por isso que estou aqui!  
—  Não, Aboubacar. Aprender a ler e a escrever, a pensar sozinho e a compreender o  que se passa à nossa volta é mil vezes mais importante. Até para trabalhar na  oficina. Sabes fazer melhor as contas, percebes melhor o que fazes, podes ler e  aprender coisas novas em livros e não demoras uma semana para ler um jornal de  cinco folhas, como eu. Amanhã mesmo vou falar com o professor e logo se vê se  podes ir para a escola normal ou juntar-te ao grupo de crianças cá do bairro a  quem dá aulas em casa ao fim do dia. Anda, vamos jantar e contar tudo à Tia  Esther.
A  esposa de Assouf ficou radiante com a perspetiva de oferecer um futuro mais  promissor a Aboubacar. Ela própria lamentava ter sido obrigada a ficar em casa e  a ocupar-se unicamente das tarefas domésticas. Sentia que as raparigas não  deviam ter um tratamento diferente dos rapazes. Por que razão não as mandavam à  escola e as retiravam de lá quando eram precisas em casa? Se eram elas que iam  ao mercado, que vendiam e faziam as compras? E dizia o que pensava em voz alta,  sem vergonha do que pudessem pensar:
—  As mulheres são tão capazes como os homens!
Decididamente,  a família do Tio Assouf era muito diferente das normais, e não admira que  Aboubacar se tivesse empenhado ao máximo em aprender avidamente tudo o que lhe  ensinavam, quer fosse na escola ou na oficina, e escutasse com atenção as  conversas de Assouf e da esposa e se começasse também a questionar sobre  determinados assuntos.
Assim,  de cada vez que fechava a oficina, que fora a de Assouf, Aboubacar nunca deixava  de pensar nele e na esposa, e agradecia-lhes as oportunidades que lhe tinham  dado.
♦♦♦
Naquele  dia tão quente, Aboubacar ainda tinha tempo, antes do jantar, para se juntar aos  amigos no largo, debaixo da árvore de mangas.
—  Então, Abubacar, que tal o dia? — saudaram os amigos quando o viram chegar.  
—  Bebe uma cerveja — convidou-o Salit. — Com este calor, qualquer dia vais ter de  comprar um ar condicionado para a oficina!
—  Ar condicionado? Isso é para ti, que trabalhas para o  estado…
—  Sim, mas também não faz grande falta. À velocidade com que carimbam os papéis,  não devem aquecer muito! — riu-se Aziz. 
—  Valia mais gastar o dinheiro num despertador. Passam o tempo a dormir, qualquer  dia ainda ficam lá fechados de noite! — riu-se outro.
—  Se o negócio continuar assim, precisava era de meter um… — começou  Aboubacar.
—  Olha, quem tem mais um em casa, sou eu.
—  Vais ter outro filho?
—  Não, tenho uma cunhada da sobrinha da minha mulher. Diz que o marido a tratava  mal e resolveu fugir… Apareceu lá em casa cheia de nódoas negras, quase sem  forças e lavada em lágrimas. Imaginem que caminhou dois dias inteiros. Vinha num  estado miserável! A pena que metia!
—  Coitada! Não consigo entender porque é que alguns maridos tratam tão mal as  mulheres! Uma prima da Srª Maimouna, a que vende bolos no mercado, também fugiu  para cá. 
—  Tratar mal? Mas as mulheres querem-se em casa a trabalhar e a ter filhos! E as  filhas devem casar-se o mais depressa — ripostou o velho  Suleiman.
—  Porquê? Isso não é vida. Porque não hão de saber ler e escrever, ir à escola,  trabalhar em qualquer lado, serem tratadas com respeito? São tão capazes como os  homens. Olha a prima da Srª Maimouna. Tirou um curso de costura e agora trabalha  em casa como costureira. Aprendeu a ler e consegue costurar a partir dessas  revistas de costura modernas.
—  Ora, lá vens tu com as tuas modernices, Abubacar — continuou  Suleiman.
—  Não são modernices. Vocês, Salit, não têm mulheres lá no escritório? E não fazem  o mesmo trabalho? 
—  Sim, são da família do chefe. E… a verdade é que até não trabalham mal, quero  dizer… bem… despacham as coisas mais depressa, lá isso é… E já que falas na  prima da Srª Mamouna, a minha mulher já lá mandou coser uns tecidos e diz que  não quer mais ninguém. 
—  Veem? Então?
—  Pode ser, mas não acho bem. Só tive rapazes, mas se tivesse  filhas…
—  Pensavas de maneira diferente — atalhou rapidamente  Abubacar.
—  Ai, sim? Tu e as tuas ideias do costume. Se são tão boas como os homens,  Abubacar, porque não metes nenhuma na oficina? — perguntou o velho Suleiman num  tom desafiador.
—  E porque não? Só porque ainda não me apareceu nenhuma.
Nesse  momento, a mulher de Aboubacar chegou a correr.
—  Aboubacar, desculpa, podes vir depressa para casa? Precisava de falar contigo.
—  Aconteceu alguma coisa, Aida?
—  Vem depressa. É a tua irmã Miriam.
♦♦♦
A Equipa Coordenadora do Clube  das Histórias
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Os pequenos cavalos de vento
As  histórias enviadas fazem parte de um ciclo em que a figura feminina aparecerá  como elemento central
 
 
Os  pequenos cavalos de vento*
Nessa  noite, por baixo da manta, Dolma tomara uma decisão. No dia seguinte, partiria  ao alvorecer com o seu iaque e subiria  o estreito  que leva ao grande lago sagrado Zhara Yuntso. Ficava longe e muito alto na  montanha, mas fá-lo-ia, pela sua mãe doente. Arranjara muitos pequenos cavalos  de vento que lançaria do cume para levarem as suas  orações.
Antes  do amanhecer, Dolma encheu o alforge com comida para a viagem: carne seca, bolas  de tsampa** e chá de manteiga.  Abraçou a mãe e saiu para a manhã fria. O ar glacial apanhou-a de surpresa.  Cerrou os dentes, pegou na corda do seu iaque e afastou-se do acampamento que  ainda dormia. Após algumas horas de marcha, levantou-se  uma tempestade, mas Dolma descobriu  uma  gruta entre as inclinadas rochas que a rodeavam.
—Vamos  abrigar-nos!
No  fundo da gruta, a menina encontrou uma estátua de Buda. Ajoelhou-se, murmurando  uma súplica. Mas, de tão esgotada que estava devido à longa caminhada, adormeceu  aos pés da estátua. E sonhou que estava na mão de Buda e sobrevoava imensas  planícies verdes. Buda falava-lhe docemente, animava-a, tranquilizava-a. E  apontou-lhe com o dedouma  ermida perdida na montanha.  Dolma acordou sobressaltada,  com uma estranha  frase a martelar-lhe na cabeça: "Desconfia  do mel doce oferecido no gume da navalha."
Estava  sozinha com o seu iaque e segurava na mão uma pequena  flauta. Quando a levou aos lábios, dela saiu uma doce melodia.  Nesse instante sentiu a presença de alguém…uma sombra que logo desapareceu. A  menina correu para a entrada da gruta e viu um enorme e belo bharal***.
—Espera!  Não te vás embora! — gritou  ela. —  Tenho de ir até à pequena  ermida no cimo da montanha.  Ajuda-me!
—  Porque é que te hei de ajudar?  — perguntou a cabra azul.
—  Porque, sozinha, nunca conseguirei lá chegar! E tu  és a rainha  desta montanha.  
—  O que fazes aqui  sozinha?
—  A minha mãe está  doente e já não temos remédios que a curem. E o meu pai está  na aldeia. Vou ao desfiladeiro de Zhara enviar as minhas preces aos deuses. É a  única  coisa que posso fazer.
—  Anda comigo — disse a cabra a sorrir. — O som da tua flauta  tocou-me.
Montada  no seu iaque, Dolma seguiu  o  bharal até ao pôr-do-sol. Outras  cabras vieram-‑se-lhes juntar e, à chegada ao mosteiro, eram já um  pequeno  grupo. Dolma agradeceu a ajuda da cabra e quis oferecer-lhe a flauta. Mas aquela  recusou:
—  A flauta escolheu-te a ti. Adeus e boa sorte, pequena  Dolma.
A  divisão estava na penumbra. Dolma aproximou-se. Pela janela aberta viu um velho  monge a rezar diante de um altar. Bateu suavemente à porta para não assustar o  ermita.
—  Boa tarde. Gostaria de passar aqui a noite. Prometo não  incomodar.
—  Entra, pequena,  entra. Estava  à tua espera!  — disse o monge, retorcendo-se de um modo estranho.
Dolma  viu que o seu olhar era maligno. Tossia e a cara desfigurava-se ao  falar.
—  Acomoda-te, grrr, fica à vontade.  Trago-te já um pouco de chá e uns deliciosos bolinhos. Volto já, grrr…
—  Que  esquisito! — pensou  Dolma. 
Foi  então que viu um prato cheio de raízes. Apanhou algumas e guardou-as no gorro.  Do quarto para onde o monge tinha desaparecido vinha um cheiro a chá, mas também  uns sons nada tranquilizadores. Dolma lembrou-se do sonho e das palavras de  Buda. Levantou-se para ver melhor o que se passava. E o que viu deixou-a sem fala:  um  demónio!  Invadiu-a um cheiro a podre. Não havia um minuto a perder!  
Fugiu  dali. Pegou no alforge e no seu iaque e correu tanto quanto as suas pequenas  pernas o permitiram. Deixou-se cair atrás  de um chorten**** e  acariciou  o iaque, tranquilizando-o. 
—  Escapámos por um triz, meu bom amigo. Mais um pouco e estaríamos agora entre  aquelas coisas que estavam dependuradas no teto. 
Dolma  olhou à sua volta. A noite estava clara. O iaque apontou  então com a cabeça para o cume da montanha.  
—  Tens razão!  — suspirou  Dolma — Afastemo-nos mais desse demónio.
Caminharam  a bom passo, mas o frio  era tão intenso que a menina deixou de sentir os pés. Parou ao abrigo do vento e  o iaque deitou-se, com ela entre as suas patas. Dolma pegou na flauta, e a  melodia  que saiu aqueceu-lhe o coração. Adormeceu sorrindo, embalada pela respiração do  animal. Ao despertar, um pequeno  cavalo fitava-a com curiosidade.
—Assustaste-me!
—  Desculpa. O  que  fazes aqui?
—  Vou para o desfiladeiro do lago sagrado. Vou oferecer as minhas  orações.
—  Posso  acompanhar-te  porque para mim  é fácil.  Mas, primeiro, tens de me deixar comer algumas dessas raízes para me darem  força. 
Dolma  deu-lhe os pedaços que apanhara em casa do monge. O cavalo depressa os comeu. E  logo saíram a galope. Parecia à menina que estavam a voar. Andaram muito e iam  tão depressa que logo viram o resplendor do sol refletido na superfície do lago  dominado pelo majestoso Zhara Lhatse.
—  Oh,  que fumo é aquele a sair da água?
—  São as fontes quentes da montanha.  Podes tomar banho lá, se quiseres.
Dolma  entrou com prazer nas águas borbulhantes. Em seguida, continuaram o caminho e,  após umas horas, chegaram ao desfiladeiro de Zhara.  A menina pegou nos seus pequenos cavalos de  vento, aproximou-os dos lábios e soprou com todo o amor e força que tinha dentro  de si. Fechou os olhos e enviou-os  em pensamento aos deuses.
A  viagem  de regresso durou  muitos dias.  Dolma orou todo o caminho até chegar à aldeia. Ao  entrar na tenda, deparou com o pai, os irmãos… e a mãe sentados em volta do  lume. Colocou a pequena flauta diante da estátua de Buda e atirou-se para os  braços da mãe.
♦♦♦♦
Vocabulário:
*CAVALOS  DE VENTO: pequenos papéis com a figura de um cavalo pintado que se lançam ao  céu. O vento leva aos deuses as preces que se escrevem neles. Os cavalos de  vento também podem ser de tecido, em forma de bandeirinhas de  oração.
**TSAMPA:  bolinhas muito nutritivas típicas do Tibete, confecionadas com feijão vermelho,  grão-de-‑bico, lentilhas, milho,  amendoim natural, mel puro, banana verde, soja em grão e  trigo.
***BAHRAL:  cabra de pelagem azul e cornos grandes que vive nas montanhas do  Tibete.
****CHORTEN  ou STUPA: monumento funerário que guarda as relíquias de um santo ou orações  sagradas. Encontram-se por todo o lado, porque dão vida aos lugares à entrada  das aldeias, ao lado dos mosteiros, nos desfiladeiros e nos  vales.
Anne-Catherine de Boel
Los pequeños caballos del viento
Barcelona,  Corimbo, 2009
(Tradução  e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube  das Histórias
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