quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A flor e o sino

Como é que uma flor e um sino podem caber na mesma história?

Há-de ser difícil. A flor tão rasteira e o sino tão alto nada têm a ver um com o outro. Hão-de pertencer a histórias diferentes.
Talvez sim e talvez não…
A flor tinha acordado, na ponta de um caule, quando o sino se pôs a badalar. Abriu-se de espanto, porque nunca tinha ouvido música assim: tlim-dlão-dlim…
Mas tudo tem uma lógica, um começo, um antes do que está para vir. Nós contamos.
A erva donde a flor nascera tinha rompido a terra como um dedo espetado, que quer chamar a atenção:
— Perguntem-me porque nasci — gritava a erva, numa vozinha de erva-fina.
Ninguém lhe perguntava.
E ela, impaciente, sempre na sua:
— Perguntem-me porque nasci. Perguntem-me.
Estávamos bem servidos, se tivéssemos de dar conversa a todas as ervas do caminho…
— Então, não querem saber? Perguntem-me — teimava a erva.
Fartos de ouvi-la, debruçámo-nos, enfim, para a ervinha.
Logo ela, muito direita, na sua importância de erva fresca, nos disse:
— Nasci, sabem porquê? Nasci para dar uma flor.
Olha a admiração! Nisto o sino, tlim-dlão-dlim, tlim-dlão-dlim, e apareceu a flor.
— Quem me chama? Quem me chama? — perguntou a flor, que nasceu a falar.
O sino anunciava um casamento. Era o José mais a Maria que iam casar.
O noivo, antes de entrar na igreja, colheu, à beira da estrada, uma flor com que enfeitou a lapela. Logo por coincidência, a flor que tinha acabado de nascer.
Aí têm como um sino e uma flor podem caber na mesma história. Mas não acaba aqui.
Passado tempo, a flor desprendeu-se da lapela. Já tinha dado um ar da sua graça. Secou, desfez-se, juntou-se à terra. É sempre assim.
Na Primavera seguinte, mais coisa menos coisa, o sino outra vez a badalar: tlim-dlão-dlim, tlim-dlão-dlim. Desta vez, era um baptizado, o do menino José Maria, filho de Maria e do José.
Depois, houve boda. No centro da mesa, um grande ramo de flores campestres, iguais à que viveu nesta história.
Tudo se multiplica. Pelos tempos fora, o sino vai voltar a bater e as flores a crescer. É uma história que não acaba.
António Torrado

O Clube de Contadores de Histórias
Biblioteca da Escola Secundária Daniel Faria – Baltar

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