Uma história do Pefi
Pefi era um menino complicado. Um puto que denotava em todos os seus comportamentos algo “diferente”. Na escola era uma complicação. Pefi não gostava da escola e a escola não gostava dele. A inadaptação era óbvia. Os professores não sabiam como lidar com ele e ele também não colaborava para melhorar as coisas. Era natural. Pefi tinha um percurso de vida extremamente sinuoso. Família desajustada, pai alcoólico, mãe desaparecida, avós demasiado cansados para cuidar de seis netos. Pefi não podia ser outra coisa senão um revoltado com tudo o que a vida lhe havia reservado. As privações eram muitas. Dinheiro não havia. Festas muito menos e comida não abundava. Mais importante do que isso era a falta de afectos e atenção. Auto estima abaixo de zero. O caminho mais fácil de seguir era o da criminalidade. Bem cedo procurou essa estrada. Ainda imberbe habituou-se a desenrascar-se, a roubar comida nos supermercados, a ficar com algumas carteiras e telemóveis de certos tipos distraídos. Um dia as coisas correram mal e Pefi foi obrigado a passar umas “férias” num reformatório. Dias difíceis, mas onde aprendeu muita coisa. Aprendeu por exemplo que não podia confiar em ninguém senão nele próprio. Aprendeu que o seu futuro estava nas suas mãos e que ninguém o podia ajudar.
Pefi um dia saiu do reformatório e voltou à realidade do seu lar, onde os problemas nunca haviam terminado. Tudo continuava igual. Teve de ir trabalhar ainda menor de idade. Trabalho duro, como servente de pedreiro, ou melhor ajudante de servente de pedreiro... Ele que jurara que nunca mais voltaria à escola, um dia viu-se confrontado com uma proposta para frequentar um curso novo, um curso diferente, com professores diferentes e numa escola diferente. Pelo menos foi aquilo que lhe venderam… Pefi a muito custo aceitou regressar à escola e frequentar o tal curso. Era um novo trajecto de 3 anos. O primeiro muito difícil. Era o da transição e adaptação a uma nova realidade. Os últimos dois foram melhores, bem melhores. A turma também não era fácil. Todos os alunos tinham historiais de vida semelhantes. Uma vida de negação, tristeza e revolta. Para os professores as coisas também não foram simples passando também por um período de ajustamento ao tipo de alunos que tinham pela frente. Pefi apercebeu-se ao longo do curso que os professores tiveram de adoptar novas metodologias e que começaram a apostar fortemente no desenvolvimento dos afectos, no incremento da auto-estima dos alunos e nos comportamentos. Incidir as práticas pedagógicas apenas nos conteúdos com este tipo de alunos seria afastá-los definitivamente da escola e não é esse o objectivo do curso, pensava Pefi.
Pefi adorava estar na presença dos seus professores, quer nas actividades dentro da escola, quer nas actividades fora da escola, nas visitas de estudo e noutros trabalhos de campo realizados. O problema é que o resto da comunidade não encarava as coisas da mesma forma. Havia quem achasse que a turma de Pefi já não deveria frequentar a escola e que até os seus professores não desempenhavam bem as suas funções porque não davam as aulas da forma “clássica”. Pefi achava tudo isto muito estranho…
O grande problema é que a escola do inicio século XXI é bem diferente da escola do final do século XX. A escola também reflecte os tempos que vivemos. A escola reflecte a nossa sociedade, uma sociedade cada vez mais materialista em que os valores mais humanistas não são valorizados e em que as diferenças económicas são cada vez maiores. São cada vez mais aqueles que vivem mal, que vivem muito precariamente. As assimetrias são cada vez maiores. Culturalmente a realidade também é diferente. São construídos cada vez mais “guetos” que apenas contribuem para uma maior exclusão.
Pefi e os seus colegas também se sentiam excluídos. Excluídos por todos aqueles que os criticavam, mas que nunca se haviam preocupado com eles. Mas tinham um consolo. Finalmente alguém lhes deu a mão e tratou-os como pessoas, lutou para que eles se sentissem cada vez mais incluídos no contexto escolar, procurando, dentro das circunstâncias inerentes aos seus percursos, prepará-los para o futuro, para a inserção numa sociedade cada vez mais complexa e tantas vezes ingrata.
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