O inverno tinha chegado e com ele a neve que caía em grandes flocos. A água deixara de correr nos ribeiros gelados, e as aves, empoleiradas nas árvores, já não cantavam, de cabeça recolhida debaixo das asas. Um vento glaciar obrigava as pessoas a manter-se em casa ao canto da lareira.
Naquela terra corria o rumor de que o senhor de um reino longínquo andava à procura de alojamento para o seu filho.
Simão, um mercador rico da cidade, que vivia sozinho com a mulher numa grande mansão, tinha ouvido falar disso. Esse tal rei vem de certeza bater-me à porta, pensava ele, pois a minha casa é a mais linda da região!
E ficou no limiar da porta, à espreita, esperando o coche real.
Mas a rua permanecia escura e deserta.
A mulher de Simão entrou na sala. Caminhava com dificuldade, de costas curvadas, apoiada numa bengala. Tinha imensas dores de pernas. Trazia um castiçal que pousou em cima da mesa.
— Uma vela só é muito pouco! — disse o marido em tom de crítica — Acende todas as lanternas da casa e põe uma em cada janela.
— Tanta luz para quê? — admirou-se a mulher.
— Vai vir um rei a nossa casa! — explicou Simão. — A casa tem de se ver ao longe, de noite. Se ficar cá, receberemos uma bela recompensa. É por isso que deves iluminar as janelas. Despacha-te! E prepara uma boa refeição, digna de um rei. Anda, despacha-te!
A muito custo a mulher deu volta à casa a iluminar todas as janelas. Tinha chegado à última divisão quando alguém bateu à porta. Foi abrir muito devagar.
O recém-chegado trazia um casaco já muito puído e, nos pés, uns sapatos rotos.
— Boa noite, minha senhora — disse ele — Será que poderia alojar o meu filho só por esta noite? Está tanto frio cá fora!
O homem tinha ar de mendigo, mas o seu rosto resplandecia. E os olhos emitiam um brilho estranho que parecia vir do mais profundo da alma.
Mas Simão não deu por nada. Só via os farrapos do pobre.
— Vai-te embora! — disse ele. — Esta casa não é para mendigos!
— A minha recompensa será grande — disse o forasteiro. — E vale mais do que todo o ouro e todas as riquezas deste mundo.
Simão desatou a rir, trocista:
— E onde escondes tu os tesouros? Debaixo desses farrapos ou no teu saco roto?
Entretanto a mulher de Simão tirara o xaile e entregara-o ao mendigo. Também lhe deu uma fatia de pão e uma chávena de leite.
— É tudo o que lhe posso dar! — murmurou.
— Muito obrigado! — disse o forasteiro.
E pegando na bengala em que ela se apoiava, arrumou-a junto do armário.
— Daqui em diante não vai precisar mais dela! — acrescentou, antes de desaparecer na noite. Envolvia-o um halo de luz.
A mulher sentiu-se de imediato livre dos seus sofrimentos. As pernas já não lhe doíam. Endireitou-se e deu alguns passos.
— Estás a andar como dantes! — exclamou Simão maravilhado. — E a bengala?
— Já não preciso dela! — disse a mulher com voz trémula. — Foi um milagre. O forasteiro curou-me…
— Um mendigo que faz milagres? Deixa-te de tolices! — resmungou Simão.
— Aquele desconhecido irradiava uma luz especial… — prosseguiu ela — O Rei é ele, tenho a certeza, um Rei vindo de longe…
Simão ficou pensativo. O desconhecido tinha falado numa recompensa que valia mais do que todo o ouro e todas as riquezas deste mundo. E acabava de realizar um milagre. Então Simão compreendeu…
— O que eu fui fazer! Que miserável sou! — exclamou ele — Depressa, tenho de o encontrar!
Enfiou as botas e o casaco e saiu a correr.
Tinha parado de nevar. O vento glaciar deixara o céu a descoberto, agora semeado de estrelas. No silêncio da noite, Simão ouviu uma voz que o chamava ao longe. Mas não via ninguém. Descobriu pegadas na estrada, e pôs-se a segui-las, descendo em direção à igreja. Ali, encontrou uma mulher a chorar.
— Que te aconteceu? — perguntou ele.
— Tenho muito frio! — gemeu a idosa.
Então, cheio de remorsos, Simão deu-lhe o casaco.
Depois continuou a caminhar, seguindo as pegadas na neve. Um pouco mais à frente, viu um rapaz a soluçar. Também ele tinha frio, descalço na terra gelada, com os pés gretados. Simão descalçou as botas forradas e deixou-as ao miúdo.
— Simão! — chamou de novo a voz. Parecia mais próxima do que da primeira vez, mas Simão continuou a não ver ninguém.
Descalço, pôs-se a andar, guiando-se sempre pelas pegadas da neve.
Mais longe, passou junto de um idoso que tremia, sentado junto de uma árvore. Vestia apenas uma camisa. Simão despiu o casaco e pô-lo sobre os ombros do mendigo. Também ele sentia agora o vento a morder-lhe a pele nua. Então, pela terceira vez, alguém o chamou:
— Simão — disse o Rei, — passaste todas as provas que semeei no teu caminho. Continua a seguir o trilho e chegarás diante de uma pobre cabana. Aí encontrarás o meu filho deitado nas palhas de uma manjedoura. Está à tua espera.
Simão obedeceu.
E as pegadas na neve conduziram-no a um estábulo.
Tal como o Rei dissera, um Menino estava deitado nas palhas de uma manjedoura.
Uma grande luz iluminava aquele lugar e um calor suave aqueceu Simão até ao fundo da alma.
Sentiu-se invadido por uma enorme felicidade e uma grande paz encheu-lhe o coração.
Então, ajoelhou e pôs-se a rezar.
E o Menino sorriu-lhe.
Anneliese Lussert ; Loek Koopmans
Sur le chemin de Noël
Namur, NordSud, 1995
(Tradução e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias
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