quarta-feira, 23 de abril de 2008

25 de Abril de 1974 - 34º aniversário


O 25 de Abril de 1974, o princípio de uma nova era


Em 2008 comemora-se o trigésimo quarto aniversário do 25 de Abril de 1974, data que marcou o início de uma nova era, de um novo Portugal. Pelo menos foi essa a intenção de quem esteve na base do Movimento dos Capitães de Abril que lideraram a “Revolução dos Cravos”. Hoje em dia discute-se muito, duvidando-se até, acerca do sucesso da revolução. Trouxe-nos liberdade? Trouxe liberdade a mais? Democracia? Autoritarismo? Desobediência? Desrespeito?
Em termos históricos 34 anos constituem pouco tempo para fazer-se uma avaliação profunda sobre as consequências da revolução, mas há de facto aspectos inquestionáveis.
O 25 de Abril de 1974 terminou com um regime ditatorial. O Estado Novo, personificado por António de Oliveira Salazar e continuado por Marcello Caetano, foi um regime castrador das liberdades fundamentais de todos os portugueses. Um regime extremamente autoritário, absolutista, violento e que defendeu o “isolamento” cultural de Portugal.
O crime mais punido era o de ter ideias livres e contrárias ao governo. O direito à contestação e à diferença eram severamente punidos. A guerra colonial, que cerceou a vida a milhares de jovens, era obsoleta e sem fim à vista. Os jovens tinham de fugir do país para não serem castigados.
Irrita-me profundamente ouvir a frase que muitas vezes se repete, principalmente quando o povo está descontente com a governação do país: “No tempo de Salazar é que era!”. O direito à indignação é legítimo e até necessário. Só com o confronto de ideias e opiniões é possível melhorar os nossos governantes e consequentemente as suas políticas. Para além disso cada país apenas tem aquilo que merece ou escolhe. Somos nós quem votamos naqueles que “supostamente” nos representam. Por isso mesmo a única forma de dar a volta é utilizar o nosso direito ao voto livre. Porque é isso que se pretende: o voto livre.
Para votarmos em consciência e para podermos filtrar tudo aquilo que nos é “impingido” nas campanhas políticas, é absolutamente necessário investirmos na nossa formação, aprofundando os nossos conhecimentos e insistindo na nossa capacidade crítica. Por isso mesmo é fundamental que nós, professores, trabalhemos com os alunos essas competências. Fazer-lhes compreender que é necessário investir na aquisição de informação, mas também fazer com que percebam que é fundamental saber utilizar essa mesma informação. O futuro do país não se resolve com o “empinanço” de matéria, mas sim com a criação de futuros adultos com capacidade crítica e argumentativa, que não tenham receio de intervir, que saibam intervir e que não tenham medo de assumir as suas opções.
Deixo-vos um texto de Daniel Sampaio que elucida bem um sentimento com o qual me identifico.


Farto de Salazar


Estou mesmo farto de Salazar. Durante toda a minha juventude ansiei pelo seu fim. Tudo começou há muito tempo. Talvez quando eu tinha doze anos e o meu irmão me explicou Humberto Delgado, numa inesquecível conversa sobre a democracia. Ingénuo, eu acreditava na vitória do General Sem Medo: com tanta gente a seu lado, como poderia perder as eleições? Foi aí que comecei a detestar Salazar.
Com quinze anos aderi à ilegal Comissão Pró-Associação dos Liceus, participei em muitas reuniões clandestinas e vi ser proibido um jornal escolar chamado “Perspectiva”, que elaborei com o Ruben de Carvalho e mais alguns amigos. Com dezasseis anos, a minha conferência no Pedro Nunes sobre Albert Camus foi autorizada à última hora, graças ao pedido da mãe de um colega: parece que o orador não era de confiança e o romancista não agradava ao regime.
Com dezoito anos entrei na Faculdade de Medicina de Lisboa. Participei, ao longo do curso, em todas as greves e manifestações contra Salazar e não me deixei seduzir pela “primavera marcelista”. Adiado do serviço militar para fazer a especialidade de Psiquiatria, o dia 25 de Abril de 1974 salvou-me da guerra colonial e foi dos mais felizes da minha vida.
Por tudo isto, estou farto. Depois de livros sobre Salazar que ocultaram com intenção o lado mais terrível do regime, após um concurso televisivo onde se esconderam as atrocidades da ditadura, chegámos ao embelezamento físico da personagem: a imagem “modernizada” de Salazar aparece-nos em cada esquina. Agora surge de cabelo colorido e aspecto tranquilo em cartazes por toda a cidade, numa propaganda de um concurso qualquer. Competição e cartazes legítimos e oportunos, a aproveitar a “onda salazarista”, mas que a mim causam más recordações e vontade de retratar o homem de outro modo: vestido de cinzento, de chapéu negro enterrado na cabeça e botas-de-elástico, afinal a face visível do que ele sempre foi.
O problema será só meu, que protesto contra o embelezamento de tão desagradável pessoa? Julgo que não: é tempo de aproveitarmos a oportunidade e explicar aos mais novos quem foi Salazar. O livro “Vítimas de Salazar”, de João Madeira, Irene Pimentel e Luís Farinha (Esfera dos Livros) deveria ser ensinado em todas as escolas e publicitado por todo o lado: mostra bem como foi o regime de Salazar, um dos períodos mais negros da nossa história. Precisamos demonstrar aos nossos filhos e netos como o medo dominava e a liberdade não existia, uma guerra incompreensível matava muita gente e o país estava triste e atrasado. Sigo o livro citado e leio: a censura, as escutas telefónicas e as violações do correio, os informadores da PIDE/DGS, a tortura (”meia dúzia de safanões dados a tempo a essas criaturas sinistras”, dizia Salazar, a querer esconder a “estátua”, a privação do sono e o isolamento dos presos políticos), a farsa dos julgamentos e as medidas de segurança, a darem cobertura legal a prisões prolongadas dos opositores do regime; os saneamentos na função pública e os campos de concentração como o Tarrafal; a guerra de África e os seus massacres; a repressão sobre os estudantes (eu aluno do liceu a espreitar o meu irmão nos plenários de 1962, depois a fugir das cargas policiais…); acima de tudo, as mortes de que Salazar foi o grande responsável: Catarina Eufémia, Alfredo Dinis, José Dias Coelho, Manuel Fiúza, Humberto Delgado, Ribeiro dos Santos, só para citar alguns mais conhecidos.
Por isso eu digo: mostrem o Salazar que pretendem branquear, a democracia em que vivemos dá essa possibilidade e por isso aproveitem bem. Para quem estiver, como eu, farto de tanta propaganda, uma frente de esclarecimento deve ser posta em marcha: com respeito pelas opiniões alheias (o que faltava ao homem de Santa Comba), é imperioso que informemos toda a gente - distraída ou inebriada pela atraente publicidade - de quem foi Salazar na realidade.
Pela verdade. Pela memória das suas vítimas. Pelo direito à informação dos mais novos, que a continuar assim deixarão de perceber por que motivo se fez o 25 de Abril.


Crónica do Daniel Sampaio na “Pública”

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