sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

"Viagem às terras da Luz ... 2013" (2ª edição do Concurso Literário)

À conquista do Pacífico

 
Apenas sei que me deparei com a sensação de um feliz despertar.
Edna St. Vincent Millay
 
Uma manhã, na Califórnia, raptei a minha sogra e escapei-me de Los Angeles pela autoestrada nº1 da Costa do Pacífico. Não sabia exatamente onde é que iríamos, mas sabia que ia levá-la até à praia. Tinha decidido que o que ela precisava era de mergulhar os dedos dos pés nas águas curativas do poderoso Pacífico.
A minha sogra estava disposta a colaborar no rapto. A sua disposição andava desesperadamente abatida com a perspetiva de ter que ser injetada com uma mistura tóxica de químicos, logo após aquele dia tão soalheiro. Uma vez que não sabíamos falar a língua uma da outra, tínhamos ambas conspirado para iludir a sua filha, com ajuda de Jamie, o meu sobrinho de onze anos, que fala farsi e inglês.
Escolhi um lugar solitário. A minha sogra precisava da paz e da tranquilidade da natureza, dos gritos das gaivotas, e do bater das ondas rebentando em azul e branco, não do barulho do trânsito, dos lamentos humanos e dos sons estéreis e metálicos do hospital.
Jamie consultou o mapa. Se nos mantivéssemos na autoestrada Nº1 da Costa do Pacífico, era certo que iríamos acabar por encontrar o tal lugar. E, assim que fizemos a curva depois da praia de Newport, lá estava ele! Subitamente, perante nós, o vasto oceano brilhava como uma forma metálica que esculpia a terra em forma de um crescente perfeito.
“Bah, bah,” murmurou a minha sogra, “Meu Deus, meu Deus.” A baía cintilante e deserta estendia-se mesmo a nossos pés. Dirigi-me ao estacionamento. “Crystal Cove State Park” dizia a tabuleta. Como que a abençoar o nosso dia de gazeta, uma borboleta esvoaçou para o tejadilho branco do carro e fez uma pausa para tomar fôlego, com as asas amarelas e azuis a ondularem na luz quente e intensa.
A face da minha sogra brilhava como a de uma menininha na manhã de Natal. Sorri com cumplicidade para Jamie, que soltou uma pequena gargalha. Há meses que não a víamos tão animada! Esperámos que a borboleta continuasse viagem, e depois tirámos a cadeira de rodas da mala do carro e ajudámos a minha sogra a sentar-se.
Afundando-nos em florinhas selvagens cor-de-rosa e lavanda, dirigimo-nos por um caminho íngreme e sinuoso escarpa abaixo para um sol intenso e retemperador. Uma vez chegados à praia, a cadeira de rodas começou a causar problemas, mas a minha sogra desatou a rir enquanto nós a sacudíamos por cima dos seixos cinzentos, tentando chegar à orla da água onde se viam algas secas e uma areia mais plana e húmida, recém-banhada pelas marés. Parámos junto a um monte de seixinhos, e Jamie deixou-se cair de costas em cima deles.
“Estas pedras estão tão quentinhas!” suspirou, relaxado que nem um gato. A minha sogra olhava fixamente o mar, e o meu coração sentia-se bem quente ao ver os reflexos dourados das ondas prateadas estampados no enorme sorriso da sua cara. “Bah, bah,” exclamou elapegando-me na mão. Sentámo-nos de mãos dadas durante bastante tempo, a olhar o oceano. E, embora eu tivesse sido criada em Inglaterra nas costas do gélido e belo Mar do Norte, o indomável Pacífico arrebatou-‑me totalmente o coração.
Quando a maré vazou, descobri algumas pocinhas. “Ei, Jamie!”
Tudo o que Jamie conseguiu proferir em resposta foi um grunhido.
“Alguma vez viste pocinhas de água?” perguntei.
Ele levantou-se num relâmpago. As criaturas marinhas fascinavam o meu sobrinho todo citadino. Apontei para as ilhas de algas castanho-esverdeadas.
“Ua-a-u-u!” gritou ele, saltando das pedras.
“Diz à tua avó que vamos apenas dar uma volta por aí.”
Jamie baixou-se ao lado da avó e explicou-lhe. Em resposta, ela afagou-lhe o cabelo encaracolado e negro.Caminhei pela praia, com a espuma das ondas a beijar-me os pés, até chegar junto às rochas.
“Espera,” gritou Jamie, saltitando num pé só, enquanto arrancava dos pés as enormes sapatilhas.
Voltei-me para dizer adeus à minha sogra, que me acenou também. Foi-me doloroso ver quanto esforço aquele simples movimento lhe tinha custado.
“Achas que a tua avó ia gostar de molhar os pés?” perguntei a Jamie.
“De quê?”
Estava dobrado como um gancho de cabelo sobre um amontoado de minúsculos caranguejos que fugiam da sua sombra para se esconderem debaixo de uma barreira de algas de cheiro intenso. Espreitou por cima do seu ombro bronzeado para a avó, uma pequenina senhora idosa embrulhada num xaile preto. Parecia tão débil! Com os olhos a brilhar, Jamie sorriu para mim.
Chapinhámos nas ondas, e depois subimos diretos à orla da praia. Antes ainda de Jamie ter acabado de lhe explicar, a minha sogra tinha desenrolado o xaile com impaciência e estava já a levantar os pés dos descansos da cadeira de rodas.Ajoelhei-me para lhe retirar os chinelos de tecido aveludado, e ela assentiu, radiante.
Jamie e eu amparámo-la até ela se sentir segura. Inspirou profundamente, fixou o horizonte distante, e logo mexeu um dos pés. O declive não tinha quaisquer consequências para Jamie e para mim, mas os dedos dos pés da minha sogra tateavam antes que se atrevesse a dar qualquer passo. Quase caiu por duas vezes, e eu arrependi-me da minha ideia quando vi o seu esforço em respirar. No entanto cerrou bem os dentes. Não conseguia vencer o cancro, mas podia e havia de fazer isto.
Assim que a espuma gelada inundou os seus pés, toda ela se emocionou. Jamie e eu conseguimos afastar-nos ligeiramente enquanto ela se mantinha ali, em pé, sozinha. De olhos fechados, virou a cabeça para o sol e inspirou profundamente. Quando os seus pulmões libertaram aquele ar purificado, soltou um suspiro de tanta satisfação que os meus olhos encheram-se de lágrimas.
Regressámos a LA. depois de escurecer, esgueirando-nos para o apartamento como três ratinhos atrevidos… A minha cunhada estava nervosíssima. Mas o que é que nos tinha passado pela cabeça?
A minha sogra, o Jamie e eu trocámos olhares cúmplices.
Sabíamos muito bem o que nos tinha passado pela cabeça.
 
Christine Watt
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Concerto por Josué Nunes (Academia de Música de Tavira)

Academia de Música de Tavira   
 Música nas Igrejas 
    Ermida de Santa Ana
23 de Fevereiro - 18.00 h 
Josué Nunes
Programa

Heitor Villa Lobos (1887-1959)
Prelúdio I
Prelúdio II
Choro nº1
Estudo nº 11

Isaac Albéniz (1860-1909)
Asturias
Rumores de La Calheta

Roland Dyens(1955- )
Saudade nº 1
Saudade nº 2
Saudade nº 3
Tango in Skai

Libra Sonatine
India
Largo
Fuoco
 
 
Organização - Academia de Música de Tavira
Rua João Vaz Corte Real nº 20 8800-441 Tavira
Tele: 281322436

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Ensemble Portigaler (Academia de Música de Tavira - Música nas Igrejas)

Ermida de São Sebastião
16 de fevereiro de 2013
 
Ensemble Portigaler
O ensemble é constituído por um núcleo duro de 2 elementos: cravo e flautas. Conta neste programa com um convidado no canto.
Os elementos de Portigaler obtiveram formação na Área de Música Antiga nos principais Conservatórios de Portugal e dos Países Baixos e a todos une uma imensa energia e paixão pela práctica da música historicamente informada ou dita Música Antiga, particularmente em todo o trabalho de descoberta de ambientes de outros tempos.
 
Porquê "Portigaler"? Este nome aparece como título de uma peça que pertence a uma das primeiras fontes de música para tecla, o Buxheimer Orgelbuch. Este manuscrito do século XV foi encontrado na cidade alemã Buxheim no século XIX. Sabe-se hoje que Conrad Paumann (1410-1473), compositor famoso e autor de Fundamentum organisandi incluído no Buxheimer Orgelbuch, tocou para Frederico III, imperador alemão casado com D. Leonor, filha do rei D. Duarte I…
Seria então a peça "Portigaler", o resultado desta inter-influência luso-alemã?
 
Programa
 
Jacopo de Bologna (1339-1386)
Fenice fu (madrigal)
in: Codex Squarcialupi
 
Anónimo
‘Puestos estan frente a frente’, 1629
In "Miscellanea do sitio de N. Sª. da Luz (...)" by Miguel Leitão Andrade (1553-1630)
 
"Não Tragais Borzeguis Pretos", séc. XVII
in: Bibliothèque de l’Ecole Supérieure des Beaux-Arts em Paris
 
John Dowland (1563-1626)
Come again, Sleep, wayward thoughts, Fine knacks for ladies
 
John Dowland  / Jan Pieterszoon Sweelinck (1562- 1621)
Flow my tears / Pavana Lachrimae
 
William Byrd (1543-1623)
The Seconde Pavian & The Galliarde to the Seconde Pavian
In : My Ladye Nevells Booke
 
Christoph Pepusch (1667 - 1752)
Recitativo - Aria - Recitativo – Aria
in: Cantata V, Corydon, ‘Six English Cantatas’, 1710  for flauto, voice and continuo
 
G.F. Handel (1685 – 1759)
Adagio-Andante-A tempo di menuet
in: Sonata em re minor, HWV 367a
 
Recitativo "He was cut off out of the land of the living"
Aria "But thou didst not leave His soul in Hell"
in: Messiah, HWV 56
 
Recitativo "Armida, dispietata"
Aria: "Lascia ch'Io pianga"
in: Rinaldo, HWV 7u

Organização - Academia de Música de Tavira
Rua João Vaz Corte Real nº 20 8800-441 Tavira
Telef: 281322436

A escola secreta de Nasreen (uma história verdadeira do Afeganistão)

A minha neta Nasreen vive comigo em Herat, uma antiga cidade do Afeganistão, onde outrora floresceram as artes, a música e a educação. Mas depois chegaram os soldados e tudo mudou. As artes, a música e a educação desapareceram. Nuvens negras pairam agora sobre a cidade.

A pobre Nasreen fica em casa todo o dia, porque as raparigas estão proibidas de frequentar a escola. Os talibãs não querem que as raparigas estudem, como eu e a mãe de Nasreen fizemos quando éramos crianças.

Uma noite, vieram eles e levaram o meu filho, sem qualquer explicação. Esperámos dias e noites pelo seu regresso. Cansada de esperar, a mãe de Nasreen pôs-se, finalmente, a caminho, à procura dele, embora fosse proibido às mulheres e raparigas andar sozinhas pela rua.

Muitas luas passaram à minha janela enquanto eu e Nasreen esperávamos. Nasreen nunca falava nem sorria. Ficava sentada, à espera que o pai e a mãe aparecessem.

Eu sabia que tinha de fazer algo.

Ouvi rumores sobre uma escola secreta para raparigas que ficava por detrás de um portão verde, num caminho perto da nossa casa. E queria muito que Nasreen frequentasse essa escola. Queria que ela conhecesse o mundo, que estudasse, como eu tinha feito. Queria que ela falasse de novo. Assim, um dia, Nasreen e eu apressamo-nos a chegar ao portão verde. Felizmente, nenhum talibã nos viu. Bati ao de leve. A professora abriu o portão e corremos para dentro. Atravessamos o recreio da escola – uma sala numa casa particular cheia de raparigas. Nasreen sentou-se ao fundo da sala. Quando a deixei rezei: “Por favor Alá, abre-lhe os olhos para o mundo.” Nasreen não falou com as outras raparigas. Também não falou com a professora. E em casa manteve-se em silêncio.

Eu receava que os talibãs descobrissem a escola. Mas as raparigas eram espertas. Entravam e saíam a diferentes horas para não levantar suspeitas. E quando os soldados se aproximavam do portão, alguns rapazes desviavam a sua atenção. Ouvi falar de um talibã que bateu ameaçadoramente no portão, exigindo que o abrissem. Mas tudo o que encontrou foi uma sala cheia de raparigas a lerem o Corão, o que era permitido. As raparigas tinham escondido os seus trabalhos, enganando assim o soldado.

Uma das raparigas, Mina, sentava-se junto de Nasreen todos os dias. Mas nunca falavam uma com a outra. Enquanto as raparigas aprendiam, Nasreen vivia fechada em si mesma. A minha preocupação agravava-se. Quando a escola fechou para as longas férias de inverno, Nasreen e eu sentávamo-nos junto ao fogão. Alguns familiares poupavam comida e lenha para nos dar.

Mais do que nunca, tínhamos saudades da mãe de Nasreen e do meu filho. Alguma vez viríamos a saber o que tinha acontecido?

No dia em que Nasreen regressou à escola, Mina sussurrou-lhe ao ouvido:
—Tive saudades tuas.
—E eu também —respondeu-lhe Nasreen.

Com aquelas palavras, as primeiras desde que a mãe fora à procura do pai, Nasreen abriu o seu coração a Mina. E sorriu pela primeira vez desde que o pai fora levado à força. Pouco a pouco, dia após dia, Nasreen finalmente aprendeu a ler, a escrever, a somar e subtrair. Todas as noites mostrava-me o que descobrira naquele dia. Abriam-se, para Nasreen, as janelas naquela sala de aula. Conheceu e estudou os artistas, os escritores, os sábios e os místicos que, muito tempo antes, tinham tornado Herat importante.

Nasreen já não se sente só. O conhecimento que vai acumulando estará sempre com ela, como um bom amigo. Agora ela pode ver o céu azul para lá das nuvens escuras.

Quanto a mim, tenho a consciência tranquila. Continuo à espera do meu filho e da sua mulher. Mas os soldados nunca poderão fechar as janelas que se abriram para a minha neta.

Insha’ Allah
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Nota da Autora
O Fundo Internacional para as Crianças, uma organização sem fins lucrativos que se dedica a ajudar crianças de todo o mundo, contactou-me para escrever um livro baseado numa história verdadeira. Senti-me imediatamente atraída por uma organização no Afeganistão que fundou e apoiou escolas secretas para raparigas durante a ocupação Talibã, entre 1996 e 2001. O fundador destas escolas —que pediu anonimato —partilhou comigo a história de Nasreen e da sua avó. O nome de Nasreen foi alterado.

Antes de os Talibãs controlarem o Afeganistão:
70% dos professores eram mulheres;
40% dos médicos eram mulheres;
50% dos estudantes de Cabul eram do sexo feminino.

Depois da ocupação Talibã:
as raparigas estavam proibidas de frequentar a escola ou a universidade;
as mulheres estavam proibidas de trabalhar fora de casa;
as mulheres estavam proibidas de sair de casa sem um familiar do sexo masculino;
as mulheres eram obrigadas a usar a burca que cobria toda a cabeça e o corpo, deixando apenas uma pequena abertura para os olhos;
não era permitido cantar, dançar ou lançar papagaios. As artes e a cultura foram banidas na terra natal do famoso poeta Rumi. As esculturas colossais de Bamiyan Buddhas, esculpidas na montanha, foram destruídas.

Tinham começado anos e anos de isolamento e de terror. Mas também havia atos de coragem de cidadãos que desafiavam, de muitas formas, o regime Talibã, incluindo o apoio a escolas secretas de raparigas. A sua coragem nunca vacilou.

Jeannete Winter
Nasreen’s Secret School – A true story from Afghanistan
New York, Beach Lane Books, 2009
(Tradução e adaptação)

A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias
es@contadoresdehistorias.com

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Dia dos Namorados

O Dia dos Namorados, tratado em muitos países como Dia de São Valentim, é uma data comemorativa na qual se celebra a união amorosa entre casais, quando é comum a troca de cartões com mensagens românticas e presentes com simbolismo de mesmo intuito, tais como as tradicionais caixas de bombons em formato de coração. Entre nós, o Dia dos Namorados celebra o amor, a paixão entre amantes e a partilha de sentimentos. Todos os anos, no dia 14 de Fevereiro, ocorre a azáfama da troca de chocolates, envio de postais e de oferta de flores. Muitos casais planeiam jantares românticos, noites especiais e fazem planos para surpreender e agradar à sua «cara-metade». Há também quem escolha este dia para se declarar à pessoa amada e também quem avance com pedidos de casamento, embebido pelo espírito do dia.
 
No Brasil, a data é comemorada no dia 12 de Junho, já em Portugal, a data é celebrada em seu dia mais tradicional: 14 de Fevereiro.
 
O Dia dos Namorados é celebrado naquele que até 1969, era o Dia de São Valentim (ou Valentinus em latim). São Valentim, é um santo reconhecido pela Igreja Católica e igrejas orientais, que dá nome ao Dia dos Namorados em muitos países, onde se celebra o Dia de São Valentim, no entanto a Igreja Católica decidiu não celebrar os santos cujas origens não são claras. Isto porque até nós chegaram relatos de pelo a pelo menos três santos martirizados na Roma Antiga, directamente relacionados com o dia 14 de Fevereiro.
 
A dúvida persiste no entanto, em saber a qual dos santos se refere este dia. Muitos acreditam tratar-se de um padre que desafiou as ordens do imperador romano Claudio II. A lenda diz que o imperador proibiu os casamentos com o argumento de que os rapazes solteiros e sem laços familiares, eram melhores soldados. Valentim terá ignorado as ordens e continuado a fazer casamentos em segredo a jovens que o procuravam. Segundo a lenda, Valentim foi preso e executado no dia 14 de Fevereiro, por volta do ano 270 d.c.
 
As raízes deste dia remontam à Roma Antiga e à Lupercália, festa em homenagem a Juno, deusa associada à fertilidade e ao casamento. O festival consistia numa lotaria, onde os rapazes tiravam à sorte de uma caixa, o nome da rapariga que viria a ser a sua companheira durante a duração das festividades, normalmente, um mês. A celebração decorreu durante cerca de 800 anos, em Fevereiro, até que em 496 d.c., o Papa Gelásio I decidiu instituir o dia 14 como o dia de São Valentim, para que a a celebração cristã absorvesse o paganismo da data.
 
Durante o governo do imperador Cláudio II, este proibiu a realização de casamentos em seu reino, com o objectivo de formar um grande e poderoso exército. Cláudio acreditava que os jovens se não tivessem família, alistariam-se com maior facilidade. No entanto, um bispo romano continuou a celebrar casamentos, mesmo com a proibição do imperador. Seu nome era Valentim e as cerimónias eram realizadas em segredo. A prática foi descoberta e Valentim foi preso e condenado à morte. Enquanto estava preso, muitos jovens jogavam flores e bilhetes dizendo que os jovens ainda acreditavam no amor. Entre as pessoas que jogaram mensagens ao bispo estava uma jovem invisual, Asterias, filha do carcereiro a qual conseguiu a permissão do pai para visitar Valentim. Os dois acabaram apaixonando-se e milagrosamente a jovem recuperou a visão. O bispo chegou a escrever uma carta de amor para a jovem com a seguinte assinatura: “de seu Valentim”, expressão ainda hoje utilizada. Valentim foi decapitado em 14 de Fevereiro de 270.
 
Outra lenda diz que um outro padre católico se recusou a converter à religião de Claudio II, e este mandou prendê-lo. Na prisão, Valentim apaixonou-se pela filha do carcereiro que o visitava regularmente, a quem terá deixado um bilhete assinando: «Do teu valentim» (em inglês, «from your Valentine»), antes da sua execução, também em meados do século III..
Nesta lenda, a conotação do dia e do amor que ele representa não se relaciona tanto com a paixão, mas mais com o «amor cristão» uma vez que ele foi executado e feito mártir pela sua recusa em rejeitar a sua religião.
 
Mais informação
 
Fonte:

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Carnaval

 
O Carnaval é uma festa que se originou na Grécia em meados dos anos 600 a 520 a.C.. Através dessa festa os gregos realizavam os seus cultos em agradecimento aos deuses pela fertilidade do solo e pela produção. Passou a ser uma comemoração adotada pela Igreja Católica em 590 d.C..
 
É um período de festas regidas pelo ano lunar no cristianismo da Idade Média. O período do carnaval era marcado pelo "adeus à carne" ou do latim "carne vale" dando origem ao termo "carnaval". Durante o período do carnaval havia uma grande concentração de festejos populares. Cada cidade brincava a seu modo, de acordo com os seus costumes. O carnaval moderno, feito de desfiles e fantasias, é produto da sociedade vitoriana do século XIX.
 
A cidade de Paris foi o principal modelo exportador da festa carnavalesca para o mundo. Cidades como Nice, Nova Orleans, Toronto e Rio de Janeiro se inspirariam no carnaval parisiense para implantar as suas novas festas carnavalescas. Já o Rio de Janeiro criou e exportou o estilo de fazer carnaval com desfiles de escolas de samba para outras cidades do mundo, como São Paulo, Tóquio e Helsinquia, capital da Finlândia.
 
O carnaval do Rio de Janeiro está no Guinness Book como o maior carnaval do mundo. Em 1995, o Guinness Book declarou o Galo da Madrugada, da cidade do Recife, como o maior bloco de carnaval do mundo.
 
História e origem
A festa carnavalesca surgiu a partir da implantação, no século XI, da Semana Santa pela Igreja Católica, antecedida por quarenta dias de jejum, a Quaresma. Esse longo período de privações acabaria por incentivar a reunião de diversas festividades nos dias que antecediam a Quarta-feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma. A palavra "carnaval" está, desse modo, relacionada com a ideia de deleite dos prazeres da carne marcado pela expressão "carnis valles", que, acabou por formar a palavra "carnaval", sendo que "carnis" em latim significa carne e "valles" significa prazeres.
 
Em geral, o carnaval tem a duração de três dias, os dias que antecedem a Quarta-feira de Cinzas. Em contraste com a Quaresma, tempo de penitência e privação, estes dias são chamados "gordos", em especial a terça-feira (Terça-feira gorda, também conhecida pelo nome francês Mardi Gras). O termo mardi gras é sinónimo de Carnaval.
 
Cálculo do dia de Carnaval
Todos os feriados eclesiásticos são calculados em função da data da Páscoa, com exceção do Natal. Como o domingo de Páscoa ocorre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se verificar a partir do equinócio da primavera (no hemisfério norte) ou do equinócio do outono (no hemisfério sul), e a sexta-feira da Paixão é a que antecede o Domingo de Páscoa, então a terça-feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa.
 
Datas do Carnaval
O Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa, em fevereiro, geralmente, ou em março, conforme o Cálculo da Páscoa, e uma curiosidade: o Carnaval ocorre próximo ou no dia de Lua Nova.
 
O Carnaval Brasileiro
O Carnaval do Brasil dura três dias. Nesses dias é uma total diversão!
É uma festa que é preparada ao longo do ano e a maior parte das favelas gastam todo o dinheiro na sua preparação. O Carnaval, para os brasileiros, é uma festa em comunidade e em família.
O Carnaval Brasileiro destaca-se em várias partes do país, como no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador… Nesta época estas cidades recebem escolas de samba pelas ruas, concertos musicais ao vivo, fogo-de-artifício e milhares de pessoas com muita diversão, animação e sobretudo alegria…
 
O Carnaval do Uruguai, considerado o mais longo do mundo pelos seus quase 40 dias de duração, o Carnaval do Uruguai começou nesta segunda-feira, 2 de Fevereiro, com um desfile pela avenida principal da capital Montevidéu. O início da festa estava previsto para o dia 29 de Fevereiro, mas teve de ser adiado devido às chuvas. As celebrações vão até à primeira semana de Março.
Milhares de uruguaios já estão a usufruir das festividades, uma vez que já se procedeu à inauguração dos palcos populares em diferentes bairros da capital uruguaia. A abertura da festa de luxo com um colorido desfile pela principal avenida de Montevidéu, conhecido popularmente como “corso”, em que participaram quase 50 agrupamentos, conjuntos, carroças alegóricas e as rainhas das festas de Momo desfilaram durante cinco horas.
 
Carnaval em Mazatlán
No Mexico o carnaval é celebrado em algumas cidades principalmente em Mazatlán., Mérida e Península de Yucatán, no estado Veracruz.
O Carnaval é celebrado com músicas tradicionais e danças. As pessoas vestem trajes coloridos e com penas e fazem actuações nas ruas. Existem paradas em vários pontos do país e também se fazem jogos e “rodeos”. A coroação da rainha, os festivais de comida ao ar livre e as cinco noites de festa nas ruas ao som da música mexicana fazem parte da tradição. Imperdível é ainda a batalha naval com fogos de artifício, um espectáculo deslumbrante para quem assiste no porto, a saborear uma “Margarita”.
Por vezes este Carnaval é comparado ao do Rio de Janeiro ou de Nova Orleães.
 
Carnaval de Veneza, Itália.
O carnaval da Antiguidade era marcado por grandes festas, onde se comia, bebia e participava em alegres celebrações e busca incessante dos prazeres. O Carnaval prolongava-se por sete dias nas ruas, praças e casas da Antiga Roma, de 17 a 23 de dezembro. Todas as actividades e negócios eram suspensos neste período, os escravos ganhavam liberdade temporária para fazer o que em quisessem e as restrições morais eram relaxadas. As pessoas trocavam presentes, um rei era eleito por brincadeira e comandava o cortejo pelas ruas (Saturnalicius princeps) e as tradicionais fitas de lã que amarravam aos pés da estátua do deus Saturno eram retiradas, como se a cidade o convidasse para participar da folia.
No período do Renascimento as festas que aconteciam nos dias de carnaval incorporaram os bailes de máscaras, com as suas ricas fantasias e os carros alegóricos. Ao caráter de festa popular e desorganizada juntaram-se outros tipos de comemoração e progressivamente a festa foi tomando o formato atual.
 
O Carnaval de Veneza pode ser considerado o mais importante e famoso de toda a Europa. A sua origem, nos termos em que hoje é conhecido, remonta, segundo se pensa, ao ano de 1162.
 
Esta festa continuou por muitos séculos até que no século XVII foi enriquecida em termos de música, cultura e vestuário rico e exótico. As belíssimas máscaras estiveram, durante centenas de anos, associadas à tradição e à fantasia do Carnaval e muitas delas tornaram-se famosas fazendo mesmo parte da "Commedia dell'Arte", um tipo de teatro cómico surgido na segunda metade do século XVI, que se contrapunha ao teatro clássico rígido e formal e que imortalizou personagens como o Arlequim, a Columbina, a Pulcinella, o Doutor ou o Pantalone.
Em Veneza o Carnaval começava de terça a noite, após o qual os ânimos desmaiam no rescaldo dos despojos do festim que ainda oficialmente com o Liston delle Maschere, o caminho das máscaras, que era o passeio dado pelos habitantes que, elegantemente vestidos e usando as suas máscaras, expunham as suas riquezas em sedas e jóias.
 
A "Bauta", de cor branca, é considerada a máscara tradicional de Veneza, a qual permitia ao seu utente comer e beber sem a retirar, sendo usada também durante todo o ano para proteger a identidade e permitir os encontros românticos.
 
A "Moretta", máscara exclusivamente feminina, foi uma das mais famosas, apesar de ser segura, através de um botão, pelos dentes da frente, o que impunha às mulheres um silêncio forçado, muito do apreço dos homens. "Mattaccino" era o nome dado às máscaras dos jovens atiradores de ovos, ficando a ser um dos personagens típicos do Carnaval de Veneza. Estes ovos perfumados, que existiam em grande variedade.
 
Existem hoje em Veneza cerca de dois mil fabricantes de máscaras, verdadeiras obras de arte feitas de couro, papel mâché, alumínio ou seda. Requintadas, como a maschera noble, ou absurdas, como o taracco da Commedia Dell'Arte, são imprescindíveis ao ambiente de ilusão feérica vivido no grande palco de personagens irreais em que Veneza se transforma durante o Carnaval.
 
Nas ruas, os trajes e as máscaras continuam exuberantes e magníficos e o auge da festa é atingido no fogo-de-artifício mantém o seu carácter sensual e pagão de celebração da Primavera.
 
O Carnaval na Rússia
O Carnaval na Rússia comemora-se sete semanas antes da Páscoa, durante uma semana inteira, à qual se dá o nome de Semana da Panqueca, “MASLENITZA”. Cada dia tem o seu nome próprio e rituais próprios.
Em Moscovo e, particularmente, na famosa Praça Vermelha fazem-se desfiles, há lutas com bolas de neve, percursos de trenó, várias formas de esqui, teatro e encenações feitas pelos “SKOMOROKHS” (bobos). A música também tem um papel relevante com “CHASTOOSHKAS” (canções tradicionais), dança, bandas, desfiles de Máscaras, fogo-de-artifício e concertos.
Na gastronomia salientam-se as Panquecas e os Bolos e Biscoitos que têm o nome de “PRYANIKY”.
Os elementos principais da celebração do Carnaval são a Mascote - a Senhora Maslenitsa e as panquecas, que simbolizam o sol porque são redondas e douradas.
Também conhecida por “KOSTROMA”, a Maslanitsa é vestida com cores brilhantes e vestes luxuosas. O ponto máximo da festa é no domingo à noite, em que se retiram as vestes luxuosas da Maslanitsa e se põe a Maslanitsa a arder numa fogueira.
 
Carnaval em Portugal
Em algumas aldeias transmontanas, como Podence e Ousilhão, e também na Beira Alta, em Lazarim, o Carnaval é diferente. A festa não se faz com lantejoulas, nem plumas, nem com trajes de polícia, Super-homens e palhaços. A figura típica é o careto: usa máscara com nariz saliente, feita de couro, latão ou madeira e pintada com cores vivas de amarelo, vermelho ou preto. A máscara de amieiro, coroada com chifres e outros aparelhos, é usada em Lazarim. O careto usa fatos ou riscas, com capuz de cores garridas, feitos de colchas com franjas compridas de lã vermelha, verde e amarelo. Carregada com bandoleiros com campainha e enfiados de chocalhos à cintura. Da sua indumentária faz também parte um pau ou cacete. 
Quando os homens vestem aquele fato, tornam-se misteriosos e os seus comportamentos mudam completamente, ficando possuídos por uma energia que não se sabe de onde vem. Os caretos, na rua, chocalham, falam mal dos rapazes que não têm namoradas e empurram as pessoas, expondo a vida da comunidade ao juízo comum.
 
No Algarve, chamava-se "Entrudo" à pessoa que se mascarava e ia passeando pelas estradas e caminhos, fazendo barulho, com vozes disfarçadas e pregando partidas. Os bailes de "mascarinhas" eram momentos altos da festa, bem como as Estudantinas, grupos que cantavam quadras alusivas ao Carnaval.
Hoje, o Carnaval algarvio adoptou, sem preconceitos, os sons das escolas de samba brasileiras. Isto não impede outras manifestações mais genuínas, como os bailes na eira, ou as partidas.
Diversas são as cidades que elegem o Rei e Rainha do Carnaval, e o enterro do rei momo, na Quarta-Feira de Cinzas, é uma cerimónia bem pitoresca. Muito algarvias são as batalhas de flores, como há em Moncarapacho, Quarteira, Loulé, Vila Real de Santo António ou São Brás de Alportel.
São três dias em que o Algarve se enche de música, irreverência e até de um pouco de loucura, porque afinal “no Carnaval, ninguém leva a mal”.
 
Na Terça-feira de Carnaval, em Amareleja, Baixo Alentejo, saem à rua as Estudantinas, costume antigo que se relaciona com o Entrudo e são um momento em que os intervenientes criticam e satirizam fatos ocorridos na vila e no País durante o ano, fazendo-o através da poesia, da música e da dança.
Esta tradição nasceu nos tempos do contrabando que, vindo de Espanha, passava por Amareleja no tempo da guerra civil espanhola. Do país vizinho terão igualmente vindo as danças ou estudantinas, manifestação semelhante às “murgas” andaluzes e às “brincas” de Évora.
 
Os grupos, compostos por mais de uma dezena de pessoas, percorre a vila, ao ritmo da concertina, detendo-se juntos às tabernas e cafés ou à porta de algum habitante que esteja pronto a recebê-los e a oferecer um petisco. Com os elementos da Estudantina dispostos em roda, as quadras são cantadas em coro. Dois ou três elementos do grupo, mascarados, ocupam o centro da roda e vão reproduzindo as situações que as quadras relatam. À volta, o coro, vestido a rigor – calça, colete e chapéu preto, faixa à cintura e lenço ao pescoço – responde com quadras que são o julgamento da moral popular.
 
Os grupos são ensaiados por um mestre e cada um deles chega a ser responsável por duas Estudantinas, uma para “brincar”, que sai à rua na segunda-feira de Carnaval e composta de críticas à vida social, e outra mais “séria” que, na terça-feira, possui conteúdo de cariz político.
 
Esta é uma tradição popular do Entrudo no concelho de Moura, onde a Câmara Municipal concedeu tolerância de ponto na Terça-feira de Carnaval. Como manda a tradição, além do Carnaval das Escolas e das Estudantinas de Amareleja, outras iniciativas terão lugar nestes dias, organizadas pelas coletividades do concelho.
 
Fonte e mais informação
“Amareleja, rumo à sua história” 1961, de Padre João Rodrigues Lobato
 
Ver também
Moda do Entrudo (Zeca Afonso) http://www.youtube.com/watch?v=e-xSY4beUHs
Entrudo chocalheiro de Podence http://www.youtube.com/watch?v=YM6_M6kqmBA

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A Senhora dos livros

A minha família e eu vivemos num sítio pertinho do céu. A nossa casa fica situada num local tão alto que quase nunca vemos ninguém, a não ser falcões a planar e animais a esconder-se por entre as árvores.
Chamo-me Cal e não sou nem o mais velho nem o mais novo dos irmãos. Mas, como sou o rapaz mais velho, ajudo o meu pai a lavrar e a ir buscar as ovelhas quando, às vezes, elas se escapam. Também me acontece trazer a vaca para casa ao pôr-do-sol, e ainda bem que o faço. É que a minha irmã Lark passa o dia todo a ler.
O meu pai diz sempre que nunca se viu uma rapariga tão super-leitora... Cá comigo não é assim. Não nasci para ficar sentado e quieto a olhar para quatro garatujas. E não acho graça nenhuma a que a Lark se arme em professora, porque a única escola que existe fica a quilómetros daqui, e ela dificilmente lá irá chegar. Por isso é que ela quer ensinar-nos. Só que, a mim, a escola não me interessa!
Sou sempre o primeiro a ouvir o ruído dos cascos e a ver a égua alazã da cor do barro. Sou o primeiro a dar-me conta de que o ginete não é um homem, mas uma senhora com calças de montar e cabeça bem erguida.
É claro que recebemos a forasteira de braços abertos, porque pessoa mais simpática não há. Depois de tomar chá, põe os alforges em cima da mesa e até parece ouro o que tira de lá de dentro. Os olhos da Lark põem-se a brilhar como moedas e a minha irmã não consegue ter as mãos quietas, como se quisesse apropriar-se de um tesouro.
Na realidade, o que a senhora traz não é tesouro nenhum, pelo menos a meu ver. São livros! Um monte de livros que ela, sozinha, carregou pela encosta acima. Um dia inteiro a cavalo para nada! É o que eu digo! Porque, se ela os quisesse vender, como faz o caldeireiro, que anda por aí com panelas, sertãs e outras coisas, veria logo que nós nem um centavo sequer temos para gastar… Muito menos em livros velhos e inúteis!
O meu pai põe-se a fitar a Lark e pigarreia. Então propõe à Senhora dos livros:
— Fazemos um contrato. Em troca de um livro dou-lhe uma saca de framboesas.
Aperto bem as mãos atrás das costas.
Quero falar, mas não me atrevo. As framboesas, fui eu que as apanhei… Para fazer uma tarte, não para trocar por um livro! Quando vejo a senhora recusar, até pasmo. Não aceita uma saca de framboesas, nem um molho de legumes, nem nada do que o meu pai lhe quer oferecer. Os livros não custam dinheiro; são de graça, como o ar. Ainda por cima, dentro de quinze dias, voltará para os trocar por outros! Cá para mim, tanto se me dá que a Senhora traga livros ou que não encontre o caminho até nossa casa. O que me espanta é que, mesmo que chova a cântaros, haja neve ou faça frio, ela volte sempre!
Certo dia de manhã, a terra acordou mais branca do que a barba do nosso avô. O vento uivava como lince em plena escuridão e apertámo-nos todos diante da lareira, pois, num dia desses, ninguém faz nada. Com um tempo assim, até os animaizinhos da floresta se deixam ficar bem aconchegados.
De repente, ouviram-se umas pancadinhas na janela. Era a Senhora dos livros, abrigada até à ponta dos cabelos! Para não apanharmos frio, fez a troca através da porta entreaberta. E quando o meu pai lhe pediu que dormisse em nossa casa, não se deixou convencer:
— A égua leva-me de volta — respondeu.
Fiquei de boca aberta a vê-la afastar-se. Pensei que era uma pessoa muito corajosa e tive vontade de saber por que é que a Senhora dos livros se arriscava a apanhar uma constipação ou coisa bem pior. Escolhi um livro com letras e desenhos e pedi à minha irmã Lark:
— Ensina-me o que está aqui, por favor.
A minha irmã não se riu nem troçou de mim.
Arranjou um lugar aconchegado e, em voz baixa, pôs-se a ler.
O meu pai costuma dizer que nos sinais da natureza está escrito se o inverno vai durar muito ou pouco. Este ano, todos os sinais anunciaram neve bem abundante e um frio tremendo. Mas, embora todos os dias ficássemos em casa apertados como sardinhas em lata, não me importei nada. Pela primeira vez.
Só quase na primavera é que a Senhora dos livros pôde voltar a visitar-nos. A minha mãe ofereceu-lhe um presente, a única coisa de valor que lhe podia dar: a sua receita de tarte de framboesa, a melhor do mundo.
— Não é muito, bem sei, para o grande esforço que faz — disse a minha mãe.
Em seguida, baixou a voz e acrescentou com orgulho:
— E por ter conseguido arranjar dois leitores onde apenas havia um!
Baixei a cabeça e esperei pelo fim da visita para comentar:
— Também gostaria de ter alguma coisa para lhe oferecer.
A Senhora dos livros virou-se e fitou-me com os seus grandes olhos negros:
— Vem cá, Cal — disse, com muita doçura.
Quando me aproximei dela, pediu:
— Lê-me alguma coisa.
Abri o livro que tinha entre as mãos, mesmo acabadinho de chegar. Dantes, eu pensava que eram quatro garatujas, mas agora já sei ver o que contém. E li um pouco em voz alta.
— Esta é que é a minha prenda! — disse a Senhora dos livros.
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Nota da autora
Este livro é inspirado numa história real, e relata o trabalho incansável das bibliotecárias a cavalo, conhecidas como «as Senhoras dos livros» entre os Apaches do Kentucky.
O Projeto da Biblioteca a Cavalo foi criado nos anos trinta do século XX, no contexto do New Deal do Presidente Franklin D. Roosevelt, com a finalidade de levar os livros às zonas isoladas onde havia poucas escolas e nenhuma biblioteca. No alto das montanhas do Kentucky, os caminhos eram amiúde simples leitos de riachos ou carreiros acidentados. De cavalo ou de mula, as bibliotecárias percorriam a mesma rota árdua, cada duas semanas, carregadas de livros, independentemente do tempo. Para demonstrar a sua gratidão por algo que não custava dinheiro, "como o ar", as famílias só podiam dar-lhes do pouco que tinham: legumes das hortas, flores ou frutos silvestres, e até apreciadas receitas transmitidas de geração em geração.
Embora também houvesse alguns homens na Biblioteca a Cavalo, geralmente eram as mulheres que o faziam, numa época em que a maioria das pessoas acreditava que o lugar da mulher era em casa. As bibliotecárias a cavalo revelavam uma resistência e uma entrega extraordinárias. Ganhavam muito pouco, mas sentiam-se orgulhosas do seu trabalho: levar o mundo exterior ao povo apache e, em muitas ocasiões, converter num leitor quem antes nunca tinha visto nenhuma utilidade em "quatro garatujas".
No Kentucky, os leitos dos riachos e os carreiros acabaram por se transformar em estradas. Os cavalos e as mulas deram lugar a carros-biblioteca, que são as bibliotecas ambulantes nos dias de hoje. Dedicados à sua tarefa, bibliotecárias e bibliotecários continuam a levar livros a quem deles necessita…
Heather Henson
La señora de los libros
Barcelona, Editorial Juventud, 2010
(Tradução e adaptação)
A Equipa Coordenadora do Clube das Histórias